.12.

Assim que as aulas acabaram, mandei uma mensagem para Rafael avisando que estava livre. Suze despediu-se de mim e foi embora. Arrumei minhas coisas vagarosamente, já que eu sabia que iria tomar chá de cadeira enquanto Rafael não chegava.

–– Isis. –– Professor Guilherme aparece na sala. Estávamos sozinhos. –– Fiquei observando se você saía, mas como não te vi acabei vindo até aqui.

–– Pode falar, professor. –– Coloco minha apostila na bolsa. –– Estou organizando meus materiais para ir embora. Aconteceu alguma coisa? É algo com minhas notas ou faltas?

–– É que... Não sei se você já notou e... É até um pouco desconcertante para mim, mas... –– Concluo a organização dos meus materiais, coloco minha bolsa no ombro e me concentro em sua fala. –– Eu gostaria de te chamar pra sair.

Meus olhos se arregalam e meu queixo quase que toca no chão. Meu cérebro se recusava a aceitar que tudo isso que ele disse era real. Acabei oferecendo um sorriso desacreditado.

–– Isso é alguma brincadeira, professor? –– Eu tinha que me certificar. Não era possível...

–– Não, não é, Isis. Eu... –– Suspira. –– Eu estou interessado em você. Mesmo sabendo que esse não é o melhor ambiente para esse tipo de conversa e já peço perdão por isso, mas eu precisava falar. –– Notando que talvez eu não teria reação para o que ele tinha acabado de me dizer, ele estendeu um cartão em minha direção. Peguei-o. –– Aí está meu número pessoal. Depois que pensar melhor me manda uma mensagem.

Apenas assenti e depois saí da sala em direção ao banheiro. Eu, além de precisar retocar a maquiagem e o perfume, precisava de fôlego perante o que tinha acabado de acontecer. O professor Guilherme tem interesse em mim?

Vamos pensar...

Eu sempre tive um crush nele, assisto suas aulas com mais atenção justamente porque ele é um Gostoso com G maiúsculo e eu sempre disse a Suzane que se ele dissesse que quer eu iria na hora.

Mas por que agora que ele me disse eu estou morta de vergonha e totalmente sem reação? Encaro seu cartão mais uma vez e sorrio com a possibilidade. Suzane surtaria.

Depois de pronta, sigo para a entrada principal e lá estava ele, me esperando. Estava com outra roupa, mas com a mesma cara de homem chato e pé no saco. Reviro os olhos quando chego perto.

–– Já mencionei alguma vez que odeio essas suas reviradas de olhos? –– Abre a porta do carro para mim. –– Um dia ainda te puno pelo excesso desse gesto.

–– Tem algo que eu possuo e seu dinheiro podre jamais vai comprar, querido. Isso se chama liberdade de expressão e pensamento. Acostume-se! Agora vamos logo. Estou faminta.

Ele entrou no carro e dirigiu em completo silêncio. Olhei-o de relance e tive a plena certeza que ele não tinha gostado do que eu tinha falado. Sua face estava com um áurea pesada, carrancuda. Será que além de maluco ele é sensível? Eu mereço!

Ao chegarmos no restaurante, inclusive um bem perto da faculdade, ele escolheu uma área chamada secret para almoçarmos. É um área fechada, sem acesso aos outros usuários do lugar. Quem está dentro dessa área vê quem está fora, mas o contrário não acontece. Eu já estive aqui antes.

Rafael não direcionou nenhuma palavra em minha direção. Ele mesmo escolheu o que iríamos almoçar e dispensou o garçom de forma grosseira. Além de maluco e sensível, é mal educado também? Que combo maravilhoso!

–– Qual o seu problema? –– Questiono, impaciente. –– Por que você está descontando seu mau humor no funcionário do restaurante? Seu dinheiro não comprou educação, não?

–– Você acha que sabe de tudo não é, princesinha? –– O tom de deboche na sua voz é ofensivo. –– Adora supor coisas ao meu respeito, enche a boca pra me julgar, mas esquece que sempre viveu em uma redoma e não sabe nada da vida. Cresceu paparicada, cheia de mimos. O que você sabe sobre dinheiro? Com qual propriedade você julga o meu dinheiro e não julga o dinheiro que seu pai bancava vocês? E se o meu dinheiro é sujo por que você o aceitou?

–– Por que você está falando assim?

–– Porque você é uma idiota, Maria Isis. –– Ele relaxa no encosto da cadeira e fica me olhando com um ar de superioridade. –– Hipócrita também. Antes de julgar o meu dinheiro, certifique-se de que você e sua família não estejam usufruindo dele.

Com os olhos cheios de lágrimas, engoli seco toda ofensa que ouvi. Ele está errado? Claro que não. Não está.

O garçom nos serve e depois Rafael pede para sermos deixados em paz, que se precisássemos de qualquer coisa ele chamaria.

–– Quero que coma no chão.

–– Que? –– Tenho certeza que estou com problemas auditivos porque claramente eu não ouvi o que eu acho que ouvi. –– O que você acabou de dizer?

–– Você não sabe o que é comer no chão, não é? –– Ri com escárnio. –– Por isso gosta de encher a boca e chamar meu dinheiro de sujo. Não sabe quão difícil foi para conquistá-lo, tudo que passei até conseguir chegar onde estou. Então, quero que conte comigo para te ensinar quão doloroso é para conquistar alguns benefícios na vida, inclusive o dinheiro. Agora pegue seu prato e sente-se no chão. Não me faça relembrar o porquê que você deve fazer exatamente o que estou pedindo.

Ainda dei um tempo para ele avisar que era brincadeira e que não seria necessário eu realizar o que estava pedindo, mas ele não o fez. Pelo contrário, olhou para o chão e depois para mim. Era um gesto de reforço do que ele tinha acabado de dizer.

Assim que levantei, as lágrimas desceram grossas pelo meu rosto. Peguei o prato e sentei no chão. Eu não tinha mais nenhum pingo de fome, mesmo que eu me esforçasse. Apenas fiquei observando a comida que estava muito bem apresentada no prato.

–– Eu gostaria de entender, Rafael, qual foi o mal que eu te fiz. –– Sussurro. –– Não pode ser por pura vontade que você faz isso comigo. Algo me diz que não é.

–– Melhor permanecer na ignorância, Isis.

Assim que ele terminou de comer, o que demorou mais do que uma pessoa qualquer demoraria, Rafael avisou que não iria pedir sobremesa. Coloquei o meu prato novamente na mesa e após ele ter pago a conta, pedi desculpas ao garçom por qualquer inconveniente.

Já dentro do carro, notei que ele me olhava insistentemente de soslaio. Resolvi ignorar.

–– Vou levar você até meu haras mais perto esse final de semana. Está para chegar uma remessa de cavalos que comprei e quero você lá comigo.

–– Essa saída de hoje valeu pela minha volta ao curso. O que você me oferecerá por esse passeio? Não ache que gosto de estar perto de você. Quanto mais distante melhor.

–– Iremos casar muito em breve, Isis. Melhor acostumar-se a fazer o que quero sem muita resistência. Não sou muito paciente. –– Suspira. –– E sobre o passeio... Deixa eu pensar com o que vou te comprar agora...

–– Você é um babaca mesmo.

Já que estávamos parados no sinal, abri a porta do carro e desci. Rafael ainda gritou meu nome, mas eu continuei andando. Não dá pra achar aceitável as provocações que ele faz. É irritante e muito ofensiva.

Cheguei na parada de ônibus e sentei. Uma sensação horrível se apossou do meu coração. Eu sentia muita vontade de chorar e sumir.

O que eu fiz contra esse garoto?

Pelo que me lembro nós nos conhecemos na festa realizada na fazenda dele. Tenho absoluta certeza que não tive contato nenhum com ele antes. Se tivesse eu me lembraria.

De onde sai tanta vontade de me punir que claramente pulsa em seu olhar? Eu vou dar um jeito de descobrir. Ah, eu vou. Não vou ficar aguentando toda essa situação no escuro.

–– Tá perdida, Isis? –– Derik se aproxima, nitidamente sob efeito de álcool e seja lá mais o quê que ele use. Levanto-me e recuo. –– Não vai abraçar o cara que te fez o favor de tirar sua virgindade? Eu esperava mais gratidão, Maria Isis.

–– Sai daqui, Derik. Some daqui!

–– Não sem antes abraçar você.

Ele se joga em cima de mim e nós acabamos caindo no chão. Comecei a estapeá-lo, mas Derik é bem maior e mais forte que eu. Mesmo bêbado ele tinha muita força. O idiota não estava tentando me abraçar, mas sim me beijar.

Quando pensei em gritar por socorro, vejo Rafael puxá-lo de cima de mim e arremessá-lo longe. Ele se agacha e me pega no colo. Sem dizer uma palavra, começa a caminhar comigo nos braços pelo mesmo lugar de onde vim. Eu estava com muita vergonha para falar qualquer coisa. Então, só deixei.

Assim que chega perto do seu carro, ele me coloca no chão e abre a porta para que eu entre. Assim que passa o cinto em mim, pede para que eu aguarde alguns minutos.

Vi quando ele pegou Derik, que já tinha levantado-se, e socou seu rosto mais de três vezes. Notei que ele puxou o celular do bolso e o fotografou. Voltou para o carro e saimos daquele lugar o mais rápido possível.

–– Não precisav...

–– Primeiro: o que você tem na cabeça pra sair do carro no meio da rua, sem nem olhar se vinha algum veículo desgovernado? –– Ele estava fumaçando. –– Segundo: o que você foi fazer em um ponto de ônibus deserto se eu te enviei dinheiro para pegar táxi ou carro por aplicativo quando houvesse necessidade? Foi o nojo de usar meu dinheiro sujo pra se dar esse luxo? –– Quando eu iria responder, ele me corta. –– Terceiro: quero saber quem é aquela bosta com forma humana que te atacou. Deus sabe como quis matá-lo...

–– Só... me leva pra casa, pelo amor de Deus. Só te peço isso. Mais nada.

Ele me olhou por cerca de três segundos, suspirou profundamente e depois focou na direção do carro. Eu não queria falar nada. Só um banho e adormecer.

Fui do céu ao inferno muito rápido e em um único dia. Só quero dormir e com certeza terei que apelar para meus remédios calmantes. Ninguém sabe que os uso quando tenho dificuldade para adormecer.

Assim que ele para o carro em frente a minha casa, tiro o cinto de forma desesperada e saio do carro. Mas Rafael consegue descer do carro e me segurar pelos ombros antes que eu entrasse na minha residência.

–– Olha pra mim, Isis. –– Mesmo não querendo olhar nos olhos de nenhum homem por hoje, me esforcei e atendi seu pedido. Sabe-se lá o que ele poderia fazer se eu negasse. Ainda não sei lidar com a volatilidade de Rafael. –– Seja lá o que aquele idiota tenha falado ou feito antes que eu chegasse, você não tem culpa nenhuma. É ele que merece se corroer com sentimentos ruins, não você.

–– Agora me deixa em paz, por favor.

Ele assente enquanto tira as mãos dos meus ombros. Seguro forte a alça da minha bolsa, desvio dele e sigo para a entrada da minha casa. Não ousei nem olhar para trás quando já estava dentro do meu lar. Apenas ignorei todo mundo e segui para o meu quarto.

Assim que entrei no quarto, bati a porta com força e tranquei-a com chave. Joguei minha bolsa no chão e coloquei as mãos na cabeça questionando mentalmente o que eu fiz para merecer tudo isso.

Segui para o banheiro e entrei debaixo do chuveiro me molhando com roupa e tudo. E foi ali que eu pude chorar. Onde o barulho da pressão da água e do contato da mesma com o piso abafaria qualquer soluço que poderia dar.

Lidar com um imbecil no dia já é difícil. Agora imagina lidar com dois? Derik é um ex pé no saco que não tem motivo nenhum pra me perseguir. Nosso término foi doloroso apenas para mim. Ele seguiu fazendo suas safadezas como sempre.

Maurinho tinha me jurado que o mataria se ele voltasse a mexer comigo. Espero que ele não saiba do que aconteceu. Eu não duvido da capacidade dele em fazer o que prometeu.

Rafael é outro que não tem motivo algum para me perseguir. Nosso primeiro encontro foi muito bom, mesmo que eu prefira morrer do que assumir isso em voz alta. A gente se curtiu bastante e se não fosse pela vibe ruim que eu estava claramente nós teríamos transado.

Naqueles dois dias ele me pareceu mais real do que todos esses que estamos tendo após eu saber da aposta perdida. Não é possível que ele seja cruel dessa forma apenas porque quer.

O pior disso tudo é que eu preciso me submeter a aturar suas loucuras em nome do seu dinheiro. O que será que ele tem preparado para mim? Temo que tudo esteja apenas começando e que eu ainda não vi nada.

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