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Eu estava preparado para lidar com uma patricinha, cheia de frescura e que mal encosta os pés no chão.

Desde que meu pai avisou-me que o Heitor Gusmão estava perdendo muito dinheiro nas apostas eu sabia quais seriam os próximos passos que ele iria dar. E o grande passo seria a aposta final.

Heitor Gusmão era um grande tolo que apostava sempre em um cavalo robusto demais para ser o mais rápido entre todos. E pior, ele continuava acreditando que aquele cavalo um dia ganharia de todos os outros.

Os outros cavalos eram quase sempre mudados, mas jamais esse que Heitor tanto apostava. Ele era um dos nossos melhores apostadores, não iríamos perder nenhuma chance de tirar dinheiro dele.

Ele e meu pai se conhecem desde a mocidade. Não sei bem sobre a relação do passado deles, mas meu pai o odeia. Também não questiono muito. Apenas faço o que meu velho me pede.

Quando decidiu que iria usar a empresa do Heitor para trazer mais apostadores para nosso negócio, iríamos percorrer outros caminhos para tal coisa. Porém, meu pai mencionou que seria um bom negócio unir as famílias.

Maria Isis não sabe, mas as maiores porcentagens das ações da empresa do seu pai estão no nome dela. Heitor apenas administra tudo. E meu pai quer que eu seja o responsável por essas ações. Ou seja, tenho que casar com a pirralha.

Mesmo tendo dinheiro tanto quanto eles pelo menos tinham, meu pai insiste que temos que unir as famílias. Achei um saco, mas quando vi uma foto da minha noivinha acredito ter ficado mais inspirado.

Pedi pra investigarem um pouco da vida dela e por sorte eu tinha um colega que a irmã dele é amiga da garota. Bingo!

A compra da Fazenda Paradise veio a calhar com a ideia de uma festa para poder proporcionar um encontro entre mim e minha futura esposa.

Meu pai não sabe que eu inventei isso pra conhecer melhor a Maria Isis. Se ele soubesse iria me fazer desistir. Mas eu também sou curioso. Precisava ver de perto como ela é.

Como ela é estudante de moda e rica, ou pelo menos era, já tinha me preparado para ficar ouvindo sobre roupas, sapatos, viagens e shoppings. Mas dei de cara com uma garota cheia de personalidade e um tanto legalzinha.

Não preciso dizer que ela é bonita, acho uma qualidade que qualquer um pode comprar hoje em dia. Mas a danada beija bem e tem umas expressões faciais curiosa. É muito fácil lê-la. Já sei que irei me divertir muito.

Meu pai disse que, mesmo não aparentando, Isis é a coisa mais preciosa que Heitor possui. Mexer com ela é a mesma coisa que feri-lo. Mas eu só quero brincar mesmo. Meu pai as vezes exagera nas expressões.

Agora, olhando para essa bobinha toda desanimada enquanto está no terceiro copo de whisky, eu só penso em como a vida é uma droga para alguns.

–– Então, não vai abrir o coração? –– Abro os botões da camisa e dou um gole generoso na bebida. –– Aproveita que provavelmente não nos veremos mais e estamos com bastante tempo.

Ela ri e bebe mais um pouco. Por que uma garota que até então era riquíssima, sempre teve de tudo do bom e do melhor está com essa cara de sofredora? Sei que a situação da sua família não está nada boa, mas aparenta ser algo a mais. Uma ferida mais profunda. Falei que ela é fácil de ler.

–– Você é um cara legal.

–– Nem todo mundo acha. –– Dou de ombros. –– Já você é uma garota tão autêntica, cheia de personalidade e está aí, com essa cara de quem foi abandonada pelo noivo na véspera de casamento.

–– Sem chance. Eu não planejo casar, garotão. –– Rimos. –– Já que não vamos nos ver mais posso abrir meu coração. Pelo menos hoje.

Maria Isis é engraçada também. Enquanto narra, ela dá sempre um toque de humor nas tragédias de sua vida. Sei que não entrou em detalhes, talvez por levar em consideração que sou um estranho, mas contou o que lhe achou útil no momento.

–– Por isso você ficou sem graça quando mencionei sua família naquele almoço... –– Ela assente. –– Poxa, eu sinto muito. Como você está se sentindo com isso? Não sei como conseguiu estar aqui, na festa.

–– Meus pais não estão nem aí pra mim, Rafa. Meu pai está sumido e minha mãe está pirada. Eu é que pago o pato sozinha.

Quando ela souber que esse pato que ela precisa pagar é de um valor estupendo... O valor da sua liberdade.

–– Já está tarde e eu já bebi mais do que poderia. –– Ela levanta do chão. –– Obrigada, Rafael. Você foi um grande estranho amigo.

–– Só por ver esse sorrisinho aí no seu rosto eu já fico satisfeito. Você é bonita demais pra perder tempo com tristeza. –– Inesperadamente, ela vem e me abraça. Retribuo um tanto sem jeito. –– Bom descanso, Isis. Até um dia ou não. Quem sabe.

Ela me beija mais uma vez e depois vai embora. Assim que ela sai, suspiro alto tentando entender tudo que aconteceu aqui. Essa garota não é nada do que pensei que era.

E pior, não é que eu gostei de ter ficado com ela? Nossa convivência não vai ser tão ruim assim. Depender de mim será maravilhosa.

Me recomponho e retorno para a área da fogueira. Muita gente já tinha ido embora ou se recolhido. Maurinho era o único homem que ainda estava ao redor da fogueira, sozinho.

–– Eu vi, Sr. Prado! –– Maurinho grita com a voz embolada. –– Você sumiu com minha musa. Seu traíra!

–– Você está muito bêbado, Maurinho. Vem, vou te ajudar a chegar no quarto.

–– Não desconversa, seu filho da...

–– Vamos, Maurinho. Vamos logo!

Ajudei-o até na porta do quarto onde ele está hospedado. Nathan estava acordado ainda e pediu que eu deixasse ele responsável por ajudar Maurinho.

Eu não estava com nenhum pouco de sono, então fui caminhar. Normalmente gosto de ver como estão meus bichinhos.

Ao me aproximar do estábulo, ouço soluços abafados e resolvo apressar os passos para ver quem estava incomodando meus cavalos com esses sons irritantes.

–– Amanda? –– Franzo a testa. –– O que você está fazendo aqui a essa hora? Você sabe que não gosto que incomode meus bichinhos.

–– Ok, ok. –– Enxuga as lágrimas e tenta sorri. –– Desculpe. Eu queria um lugar pra chorar sozinha e só pensei em vir aqui.

–– Por que você está chorando, Amanda?

–– Você simplesmente me envergonhou na frente de todo mundo na hora da brincadeira. Sabe que estão fazendo chacota comigo? Sabe? Não sabe. Justamente porque sumiu com aquela garota metida a besta. Todo mundo notou que sumiram juntos, Rafael. Não adianta negar.

Eu ri. É sério isso? Não, eu devo estar com delírios, alucinações, sei lá. Não sei a palavra certa.

–– Amandinha, meu bem, presta atenção. –– Ela muda sua expressão diante do jeito amoroso que lhe chamei. Bobinha. –– Você sabe que eu sou solteiro, eu fodo quem eu bem entender. Eu já disse milhões de vezes que só te vejo como uma irmãzinha e você ainda insiste nesse negócio de me querer. Sério, estou ficando cansado. Quer que eu me afaste de você?

–– Não, Rafa. Não! Desculpe. Eu... Eu... Eu não sei o que deu em mim. Você sabe que fico emotiva quando estamos juntos. Desculpe. Esqueça tudo isso.

Em consideração a nossa amizade, resolvi relevar mais uma vez. Para distraí-la, apresentei a ela cada cavalo que ali estava. Sei que ela se interessa só porque eu gosto, mas é legal falar mesmo assim.

Quando já estava quase amanhecendo, resolvemos descansar. Hoje já é domingo e é dia de todos irem embora.

Acompanhei Amanda até o quarto que ela ficou e depois fui para o meu. Quando entrei e tranquei a porta, ainda estava a garrafa de whisky quase vazia no chão e dois copos. Sorrio com a lembrança de nós dois jogados no chão. Só essa garota para me fazer agir que nem um idiota mesmo.

Eu nunca fiz o estilo ombro amigo, mas me dispus a isso por ela. Acredita? Nem eu.

Depois de um bom banho gelado, capotei na cama. Não demorou nada e eu já estava contando cédulas. Carneirinhos não rola né?

Assim que abri os olhos, minha cabeça parecia que tinha acabado de aterrissar no meu tronco depois de uma viagem interplanetária radical. Até piscar os olhos doía.

Tomei um remédio e fui para o banho. Já estava quase na hora do almoço e eu nem sabia como as coisas estavam. Será que todo mundo já foi?

Perguntei a uma funcionária se algum convidado já foi e ela me confirmou que Maurinho tinha ido embora com as garotas. Agradeci e fui comer alguma coisa.

Provavelmente Nathan, Ícaro, Gabi e Amanda vão voltar comigo. No mesmo esquema que vieram. Falando neles...

–– Ei, Rafa –– Ícaro massageia suas têmporas enquanto fala. –– Por favor, não dê mais outra festa dessa por pelo menos 3 meses. Minha recuperação será lenta.

–– Eu curti também. –– Gabi se serve de suco. –– Amanda tá capotada na cama.

–– Típico da princesinha. –– Nathan graceja e eu rio. –– Eu vi que você sumiu com a musa do Maurinho ontem...

–– Até você com essa história de musa do Maurinho? –– Bufo. –– A garota é solteira e eu também sou. Não vi nenhum documento e nem aliança provando que ela é propriedade do Mauro Valadares.

–– Calma aí... Só quis repetir a expressão que ele usa pra se referir a ela. Só isso. Nervosinho hein?

Depois de comermos, resolvemos organizar as coisas e ir embora. Deixei minhas coisas no carro e fui me despedir dos cavalos. Eu amo estar perto deles. São mais dignos do meu respeito e confiança do que muita gente.

Quando eu estava alisando Ventania, um dos meu favoritos, ouço passos se aproximando. Que merda! Será que eu não consigo um momento com meus bichos?

–– Vim me despedir, menino.

Nádia é uma das funcionárias mais antigas que conheço. Ela trabalhava na casa do meu pai e quando eu resolvi comprar essa fazenda ela pediu para trabalhar para mim.

Só que eu não iria morar na fazenda, então pedi que ela fosse comigo para meu apartamento. Ela aceitou. Só que vai ficar na fazenda uns dias organizando tudo com a equipe.

–– Despedir, Nádia? Você vai me encontrar em breve no apartamento. Não seja dramática. –– Beijo sua testa. –– Vou ficar com saudades do seu bolo de cenoura.

–– Não sabe que eu sou assim, menino? Já deveria ter se acostumado comigo. Faça boa viagem. Dirija com cuidado.

–– Meu pai ligou pra você?

–– Ligou, mas eu disse que você já tava indo pra cidade. Vá logo antes que ele resolva mandar te buscar. Cuidado, menino.

Beijei sua testa outra vez e segui para o carro. Todo mundo já estava me esperando. Vida real, aí vou eu. Essa minha história tem muito que render ainda. E o melhor, está só começando.

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