Começo.

Capitalia, 2010.

Logo na primeira semana as manchetes eram as piores possíveis. Dava para perceber claramente que Fernão não fazia ideia do que estava fazendo ali, no cargo máximo da nação e sempre que abria a boca para fazer alguma declaração deixava tudo pior: Nossa moeda perdia valor, as moedas estrangeiras ficavam mais caras e, em consequência, tudo ficava mais caro. Menor poder de compra, aumento do desemprego... apesar de não ter muita mídia e notícia sobre isso as pessoas notavam o que estava acontecendo. Não só o povão, mas alguns empresários anunciaram fechamento de fábricas e outros até declararam falência. E não apenas o que o bosta do Fernão dizia tinha impactos negativos, mas outras pessoas - nitidamente sem capacidade para os cargos que ocupam - nomeadas pelo tal presidente falavam muita bobagem, tanto ideias imbecis como falas que trazem insegurança para toda a população.

Com o time da assessoria, eu descobri uma estratégia: Deixar que porta vozes da mídia falassem pelo presidente e, ainda por cima, aumentar a verba de propaganda estatal. A velha corrupção. O cala a boca que os canalhas aceitam para omitir os estragos sendo feitos. Aconteceu que nada mudou, porque esses da mídia são ignorantes em muitos sentidos. E, na verdade, quase ninguém parece dar atenção ao que eles falam.

Flagrei-me em um pensamento “E você, Leila, também não está agindo como eles?” e preferi não pensar sobre. Seria hipocrisia da minha parte? Nem nisso pensei... estou pensando bem pouco, na verdade.

Com essa preocupação em mente - uma estudante de filosofia que pensa pouco e não quer pensar muito - liguei para Anna. Era a conversa que eu precisava. Minha amiga contou que seu namorado estava se iludindo com Bocaccio, contudo ela o alertou que ele era igualmente corrupto - só menos habilidoso - e que ainda não teve a chance para roubar como os outros. Ou seja, o problema não estava comigo, parece que vivemos um tempo de ilusões... por sorte conheço alguém que está desperta de tudo.

Entretanto Anna explicou que, por estar acordada, é a pessoa que mais sofre. E faz sentido com alguns pensamentos filosóficos que já li. Conversamos mais um pouco coisas do cotidiano e encerramos a conversa.

Aquele momento foi muito bom. Voltei a lembrar da velha Leila que só queria pegar algum dinheiro e sair daquilo... contudo agora estou em outra cidade e ainda faltam três anos para concluir o sonho inicial de ter a graduação em Filosofia. Capitalia é uma cidade muito cara, sem esse emprego de assessora eu teria muita dificuldade.

Esse começo de tudo, então, serviu para eu acalmar um pouco os pensamentos. E depois de mais algumas semanas eu recebi o salário. Que sensação boa.

Se tudo vai bem no jogo eu não posso dizer o mesmo sobre o amor. Ou mesmo só o sexo. José Cubas não tem me procurado, provavelmente fui para o final da fila e agora ele está se envolvendo com outras. Nada de conhecer gente nova. Grande parte das pessoas do meu partido gostam do mesmo que eu gosto e outros são tão sujos quanto o presidente.

As aulas finalmente retornaram. Era minha chance de conhecer gente nova, já que não esperava nada do curso... eu até conheci pessoas legais, porém de pensamento completamente diferente... começo a me dar conta que ser militante do partido que estou não faz de mim uma pessoa que as pessoas queiram por perto. Não importa. Irei suportar tudo isso enquanto encho os bolsos e no futuro posso viver mais normalmente.

Antes do meio do ano o José Cubas foi solto e fui uma das primeiras pessoas que ele procurou após sair da cadeia. E o homem estava com apetite, foi logo me levando para um motel. Como sempre, aproveitei para tentar aprender com ele alguma coisa e saber alguma informação dos bastidores da política e do partido.

E, como sempre, o homem só falou após me foder e puxar um cigarro. Ao menos a foda foi boa, estava precisando disso.

- Bom, erramos em colocar o Fernão, que é um incompetente, porém só haviam outros incompetentes e ele era ao menos um incompetente em que algumas pessoas já tinham ouvido falar - começa me explicando da escolha do partido - além do mais, tudo já está meio que garantido com o trabalho que fizemos antes mesmo de você nascer, jovenzinha - e conclui lembrando-se de algo no passado.

- Hum... a luta pela democracia? - eu pergunto com os termos que li nos livros de história.

O homem dá uma gargalhada que me deixa tímida e depois fala:

- É, isso que passamos, mas você deve saber que não é nada disso... só queremos o poder, não importa quantas mentiras podemos contar - uma revelação e tanto.

- Sim, claro, mas o Fernão foi eleito democraticamente, não? - finjo estar acostumada com aquele nível de sujeira.

- Todo mundo sabe que não, para com isso. Ele não tinha votos para ganhar nem em Paulo de Tarso... nem mesmo no Abecedário, terra do Lugo Marquez - uma baita revelação.

Em tempo, Abecedário é a região formada pelas cidades de Santa Ana, Santa Bárbara e Santa Clara. Cubas continua:

- Quem teve mais votos, na verdade, foi o Pastor Saene, porém não podemos deixar alguém como ele no poder... seria nosso fim - e mais revelações.

- Não esperava por isso... e quanto ao Bocaccio? - perguntei sobre um homem que parece ser o queridinho de grande parte do povo.

- Bom, esse é a segunda escolha dos conservadores, por acharem que ele é honesto, mas ele está com a gente desde que foi iniciado - ele falou e fiquei com cara de paisagem, sem entender, então Cubas concluiu - iniciado na seita oculta que te falei outro dia... só que aquele homenzinho é sem inteligência, vendeu sua alma por coisinhas materiais... pelo menos uma das suas mansões é bem bonita.

- O povo não faz ideia do que acontece, não é? Como se estivessem dormindo - comentei, lembrando as palavras que tive com Anna.

- É, mas isso vai ficar para a próxima vez que eu comer essa sua bucetinha gostosa - Cubas já notou que estamos trocando sexo por informação.

Isso é perigoso para mim. Se ele sabe que quero informações ele pode me dar informações incompletas ou mesmo informações totalmente falsas. Fico confusa e acho que é isso mesmo que ele quer, além da minha buceta.

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