C.U.?

Paulo de Tarso, 2009.

Mais uma noite de aula e dessa vez novos professores - e inicialmente velhos péssimos costumes. A primeira era uma velha e não consigo respeitá-la e chama-la de senhora, porque é uma professora como os do dia anterior, entretanto fico mais esperançosa na segunda aula. O professor era um gringo, um típico europeu, aparência séria, dava para perceber até pelo tom da voz e realmente estava ensinando alguma coisa de filosofia. Pela primeira vez em três dias percebi que aprendi alguma coisa. Finalmente.

Ao final da aula um aluno veterano veio do corredor e pediu a palavra e o professor cedeu e ele falou sobre bolsas e projetos. Dinheiro! Logo pensei na possibilidade. Após a aula acabar eu fui me informar melhor. Sorte que não cheguei a fazer nenhuma inimizade, apenas odeio em segredo aqueles veteranos. A informação não me empolgou tanto: Era apenas um auxílio e nas palavras do tal veterano a função era apenas ficar no Centro Universitário do nosso curso. Sim, a sigla é C.U. e pelo visto devia ser como um orifício anal mesmo, pois nas palavras do veterano minha função era “não fazer nada”. Brasil...

Eu logo percebi que era o tipo de coisa que corrompe, ganhar um dinheiro estatal para não fazer nada? Não é do meu feitio aceitar algo assim, mas eu precisava de algum dinheiro que fosse ao menos para as minhas despesas e quem sabe ajudar minha tia. Aceitei entrar no cu da Filosofia, ou melhor, no “cê u” do meu curso.

O horário que eu deveria ficar era no turno da tarde, então eu fiz o plano de simplesmente chegar cedo à Universidade, perder meu tempo lá no tal C.U. e depois iria assistir as aulas. Nada mal e ainda teria a manhã livre para, quem sabe, conseguir mais alguma coisa de meio período. Por sorte fui aceita e já comecei no dia seguinte. O primeiro dia no Centro Universitário foi um dia que aproveitei para aprender e não é que seja realmente “não fazer nada”, mas em noventa por cento do tempo é isso. Os outros dez por cento é ajudar os estudantes que viriam com alguma dúvida sobre o curso, inscrever e divulgar eventos estudantis, carteirinha estudantil, torneios esportivos, esse tipo de coisa. Já comecei a levar meu livro do George Orwell para aproveitar o tempo e ler, afinal era muito tediante não fazer nada e tinha aquela leitura pendente e nisso aconteceu algo que eu jamais sequer imaginaria que poderia acontecer: Eu fui censurada! Sim, em uma universidade, e pior, no curso de Filosofia, simplesmente me falaram que eu não poderia estar com aquele livro ali, porque era “reacionário”. Eu nunca sequer tinha ouvido falar no termo. E um diálogo se iniciou.

- O que é reacionário? - perguntei demonstrando ingenuidade e fechando o livro, como quem aceitando a censura, entretanto por dentro estava irritada com aquela situação perturbadora.

- É melhor você nem saber. É algo ruim, que não presta - foi a resposta da aluna veterana que me censurou.

Então eu vi que entrei em uma enorme roubada! Justamente no curso de Filosofia eles não querem que eu saiba de alguma coisa e ainda mostram uma simples visão de bem ou mal. Eu decidi só ficar na minha e guardei o livro na mochila. Não queria inimizade e gostaria de continuar ali para receber o valor da bolsa. É pouco, mas é o que há no momento.

Sem nada para ler, só me restou pensar - aproveitando que ninguém ia saber, afinal não queria ser censurada - sobre o que fazer. Ainda bem que ainda não conseguem censurar o pensamento, desde que não seja exposto, obviamente. Uma parte de mim dizia para correr de volta para Campinho e outra mais orgulhosa e otimista me dizia para que eu continuasse, afinal em um mês já estaria ganhando algum.

De todas as opções eu optei por esperar. Nada contra voltar para o interior, porém eu já estava gostando da sensação de liberdade dessa nova rotina. Só precisava de dinheiro e entrei no tal C.U. para isso mesmo. Fiquei sabendo de festas que aconteceriam no final do mês e fiquei animada com a situação. É o tal diferente que eu esperava.

Durante a noite eu conversei com meu grupo de amigos, que parecia cada vez mais distante dos outros grupos da nossa sala. Tinha o grupo que não queria nada de estudo, só estavam lá pelas drogas. Tinha um grupo que bebia e estudava, tentando balancear o álcool com o conhecimento, esse o maior grupo. E tinha o meu grupo que estava sendo visto como nerds. Nerds? Victor Galvão tem um porte atlético que não há quem diga que seja um mero estudante, ainda mais de Filosofia. Bernardo Wein fala pelos cotovelos, não é nada tímido. Anna Campos é praticamente uma modelo e eu estou no C.U., afinal, onde andam os mais descolados do curso. Ironicamente estamos sendo considerados nerds por querer algum conhecimento com seriedade. Todos deveriam, não? Pelo visto, não - infelizmente.

Comentei em segredo sobre a censura apenas com Anna, não que eu não confiasse nos meninos, mas queria ir devagar.

- Mulher, hoje tô devagar, mas amanhã prometo pensar melhor sobre isso - e mudou de assunto - e aí me conta do tal cu - e riu escandalosamente com a palavra.

- O C.U. é um cu mesmo. Fiquei sabendo de uma festa no final do mês, nós vamos? - queria a companhia dela, porém mesmo que ela não fosse eu iria só - estava decidida.

- Ah, agora sim, estamos parecendo universitárias - ela brincou - vamos... se eu não estiver namorando daqui pra lá - e falou com suspense.

Conversamos sobre seu envolvimento romântico com o Victor. Já imaginava, os dois combinam, com exceção dos olhos azuis. Só espero que não me empurrem para o Bernardo. Não quero nada.

Terminamos o papo e só voltamos a nos falar no dia seguinte e dessa vez nada de papo de cu ou badalação e namoro, pela primeira vez tive uma conversa filosófica.

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