Advertências.

Paulo de Tarso, 2009.

Logo que reencontro minha melhor amiga e conto as novidades a sua reação é imediata:

- Sua tonta - é... pelas palavras e pelo tom de Anna acho que fiz bobagem mesmo. Sabia que aquela sensação que tive não era a toa.

- Eu sei que parece errado e provavelmente seja mesmo, mas eu preciso de algum dinheiro para me tornar independente - argumentei buscando alguma racionalidade em minha atitude e, na real, eu me perdoo. Agora sei que vou entrar nesse mundo sujo e horripilante da política do meu país.

- Ser escrava de ideologias, partidos políticos, pessoas corruptas para se tornar independente, grande plano, Leila - Anna foi irônica que quase me fez rir, só que era de mim que ela falava e sei que essas duras palavras são para meu bem. Incrível como ela me faz me sentir amada e idiota ao mesmo tempo.

- É, mas não posso recuar. É só por um tempo. Eu vou pegar algum dinheiro e experiência e sair - complemento meu plano e não vejo como dar errado.

- Não me entenda mal, espero que você se dê bem, só que o que eu vejo... - ela dizia e eu fiz sinal com a mão para ela se calar.

Isso porque eu estava vendo o próprio José Cubas adentrando o C.U. da Filosofia em carne e osso. Um veterano o reconheceu e começaram a conversar. Eu estava distante apenas alguns metros, dividindo um banquinho com Anna, para que ninguém ouvisse nossas conversas, evitando situações de censura como vivenciei outrora. Apontei para minha amiga o homem da proposta e do motel - isso porque previamente já tinha contado também o que rolou na cama - isso primeiro de tudo, inclusive e disso ela nada comentou.

- Ele parece bonito até mesmo para a idade - um elogio de Anna. Surpreendente.

- Talvez ele esteja atrás da sua mais nova funcionária. Vamos até lá e nada de bater boca, em?! - eu a chamei já ficando de pé e pedindo para minha amiga se comportar, pois sei que os pensamentos desses dois são opostos.

Anna concordou levemente contrariada. Cheguei até o José Cubas, que tratou de encerrar a conversa com o veterano, que saiu em aceno para nós duas.

- Bela amiga, quem é? - nada de boa tarde, seu olhar estava em uma jovem mais bela que eu, porém nada ingênua e comprometida.

- Anna - minha amiga respondeu acenando com a mão e ficou discretamente - ou nem tanto - passando o polegar no anel que usa no dedo anelar, como uma aliança.

- É, certo, minha conversa é com a outra jovem. Eliana...? - que vergonha, ele não lembrava meu nome ou então só queria me humilhar. Filho da puta.

- Leila - respondi enquanto olhava para Anna que estava com cara de “Eu te avisei”. Que merda.

- Isso, Leila. Seguinte, não precisa mais se preocupar com o C.U. que você continuará recebendo sua bolsa normalmente, o pessoal aqui irá cobrir suas faltas e todas as tardes, logo após o almoço, quero que compareça na sede do partido - José Cubas vai direto ao ponto.

- Certo, tudo bem - eu não sabia muito o que dizer, então só concordei. Já era uma decisão mesmo, então não poderia fazer muito.

- Oi. Novata? - José Cubas tira sua atenção de nós e se dirige a palavra a uma outra aluna da minha sala.

Ele não perde tempo mesmo. Logo ele estava saindo, na direção do estacionamento certamente falando que tem carro, seu trunfo, com aquela outra jovem. Talvez uma futura colega de trabalho, além de sócia na cama - que podre. Voltei para o banquinho com Anna, afinal não precisava mais estar no C.U. da Filosofia.

- Canalha... filho da puta - são as palavras de Anna e poderiam ser as minhas.

- Eu não entendo quase nada de política, pode ser até um aprendizado - comentei buscando ver o lado bom.

Na verdade eu até achava que entendia de política, mas ao entrar no Ensino Superior, ainda na escola pública de Campinho, fiquei confusa e agora prefiro ser mais humilde sobre o que eu sei de fato e o que não sei ao certo. Minha amiga continua.

- Você vai receber a bolsa sem trabalhar. Isso é corrupção. Corrupção é roubo. Preste atenção onde está entrando - uma advertência sensata de minha amiga.

- Eu sei, eu sei, e eu só concordei porque eu já não trabalho quase nada mesmo, então meio que tanto faz - comentei dando de ombros em mais uma tentativa de me justificar.

- Você está se enganando... enfim, vou ver meu namô - Anna se despede me abraçando e aquilo é confortante. Dureza saber que um dia terei essa amizade longe de mim.

Não só amizade, mas conselhos. Ela estava certa. É mentira que tanto faz. É obviamente algo que busca me corromper. A questão para mim é: Por quanto tempo ficarei aceitando essas coisinhas erradas em troca do dinheiro e da experiência? E mais um ponto eu pensei enquanto caminhava para assistir as aulas: Se irei resistir às tentações ou se irei para o lado negro da força, aceitando até o ponto de fazer parte do jogo e não querer mais perder ou sair.

Ao menos com uma coisa eu fiquei tranquila. Na cama foi só o que aconteceu e pronto. Acalmou um pouco a minha amiguinha assanhadinha lá de baixo, pena que não da maneira que eu queria, tive meu momento a sós.

Pensei em comentar com mais pessoas sobre o novo trabalho que arrumei, contudo a realidade é que ouviria as mesmas advertências e não iria sair desse caminho que já coloquei um dos pés e, além do mais, fui orientada em não comentar com ninguém.

No dia seguinte, ao chegar no partido, recebi um celular novinho. Fiquei super feliz, mesmo sendo estagiária e nem começado a trabalhar já ganhei um celular. Então eu percebi o quanto isso era corrupção. E de onde veio o recurso para o partido já começar me dando isso? Era melhor nem pensar. Acho que é isso mesmo que eles querem. Aceite e não pense. Feche os olhos e abra as mãos. E por aí vai.

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