Uma bifurcação a seguir

A poeira que nublava nossa visão, aos poucos fora abaixando; do alto da escada, podíamos ver Boutrix, em toda sua plenitude frente a todos, como se tivesse certeza de sua vitória.

Eu não pude entender, não era a primeira vez que entrávamos em conflito com o demônio; mas lá estava, uma sensação que atravancava meus movimentos e arrepiava minha pele. O medo me tomava em seus braços outra vez, depois da primeira derrota, eu temia ser vencido, e a vergonha de falhar não me permitia reagir.

— Não tema Misoun, eu estou aqui, e lutarei com você — A voz de Leviak surgira em minha mente como um acalento

Petter permanecia com sua mão entrelaçada a minha, sua feição indicava medo, não por ele, mas sim por mim, como se ele soubesse, que o conflito eminente com seu tio, só pudesse resultar em uma coisa, a nossa derrota. Ele estava pronto para fugir.

— Me perdoem a intromissão, mas eu estou cansado de esperar, eu vim buscar o escolhido, e entreguem a chave dos portões do tempo também, sim? — Ele falava com um grande sorriso

— Perdeu o juízo? Tente pegá-lo se for capaz — Bermac se coloca frente a todos

— Bermac, não é? A raposa vermelha — Encarava o híbrido a sua frente — Não seja tolo, onde ele está?

— Nunca...

— EU ESTOU AQUI! — Gritei o interrompendo

— Jimmy não! Saía daqui, AGORA!

Como eu poderia? Como eu poderia fugir e me esconder como um covarde, enquanto lutam por mim?

— Não, eu não vou fugir Red — Todos me olhavam como se eu fosse louco

— JIMMY, aí está você — O demônio abriu seus braços em minha direção — Venha comigo, e eu pouparei seus  amigos

— Eu agradeço por ter me contado a verdade, mas eu não...

— A verdade? — Gargalha me interrompendo — Você acha que aquela era toda a verdade?

Subitamente o demônio despertou minha curiosidade e roubou a atenção se todos.

— Como assim? Do que está falando?

— Jimmy, pobre Jimmy, não sabe nem da metade — Sorria sórdido balançando a cabeça.

— ME CONTE DE UMA VEZ O QUE SABE?

— Venha comigo, e saberá.

— Jimmy, meu amor, olha para mim — Petter aparece subitamente — Não confie nele, seja lá qual for essa verdade, nós vamos descobrir juntos, eu e você — Termina segurando minha mão.

O tempo estava acabando, todos me cercavam de repente, me olhando como se suas vidas dependessem de minhas escolhas. Minha respiração descompassou, como se meu peito estivesse sendo esmagado por milhares de mãos.

— Isso Jimmyzinho, escolha de uma vez, em qual lado pretende ficar! Com os mentirosos, ou comigo, que só quero o seu bem.

— Jimmy, não escute ele...

Os olhos de Petter permaneciam temerosos; ele me olhava com receio, suas pupilas vermelhas tremelicavam, divergendo entre mim e o demônio a nossa frente.

Eu podia sentir sua alma gritando — Não vá com ele! Assim como todos ao meu redor; e isso me ofendia. A certeza que tinham nas inseguranças do meu destino, na ansiedade que carregava minha alma; como se só bastasse um grão, para que eu fosse de vez para a escuridão...

Mas o pior de tudo, era, que nem eu mesmo tinha certeza, se minha luz seria o suficiente para dissipar a escuridão.

— Rápido Jimmy. Afinal, você não tem todo o tempo do mundo, não é mesmo? — Gargalhou frenéticamente

— Será mesmo uma pena, perder uma coisa tão linda, quando você.

— SEU DESGRAÇADO...

Repentinamente Petter perdera o controle, arrancou a espada das mãos do Bermac, e partiu para cima do Demônio.

— PETTER NÃO!

O tinir das espadas ecoou ensurdecendo a todos; ambos lutavam pelo controle, então Petter, empurra o demônio com toda sua força, e não esperando mais, acerta um chute em sua barriga, fazendo o mesmo se desequilibrar momentâneamente, e sorrindo sórdido ele fala.

— E desse jeito que trata seu tio?

O demônio apenas sorria, como se estivesse orgulhoso de alguma forma sórdida, olhava a feição séria de Petter com um sorriso de lado.

— Do que está rindo, seu demônio maluco?

— Ora! — Ele ria ainda mais — É uma pena que minha irmã tenha te abandonado, mesmo contra minha vontade. Nós não somos tão diferentes quanto você pensa, meu querido sobrinho, ambos fomos deserdados pelos nossos pais.

— Eu não ligo para os seus motivos. Experimente tocar nele e eu corto seus braços — O menor cospia suas palavras ríspidas

— Não faça pouco do seu querido tio. Meus motivos são tão válidos quanto os seus — A feição do Demônio muda subitamente.

Boutrix agora carregava um semblante sério, como se Petter tivesse tocado em uma ferida ainda aberta, exposta e que sangrava incessantemente. Fosse o que fosse, parecia ter contribuído para deixar o demônio ainda mais bravo; pois no segundo seguinte, o céu se fechou, nuvens negras apareceram trovejando, pesadas; os olhos de Boutrix brilhavam de uma forma tenebrosa.

As ondas do mar pareciam ficar mais calmas, pouco a pouco, o tempo caminhava lento sobre nossos olhos; até mesmo os passarinhos cessavam seu voar.

Estávamos sozinhos dentro da torre, permaneciamos ainda despertos, mas todos os outros se foram, se dispersaram como fumaças. Tudo ao redor parou, o ambiente distorcia como em uma ilusão, o que causava uma certa incerteza em nossos corações.

Aquilo estava mesmo acontecendo? Ou havíamos caído em uma das ilusões do Demônio?

Petter caminhou para trás sem olhar, parou ao meu lado e entrelaçou nossas mãos.

— Não saía de perto de mim — Ele sussurra com medo em sua voz.

— Vocês estão certos, não me entendem, porquê não sabem dos meus motivos. Mas permitá-me conduzir vossas excelências, ao desastre que fora minha vida, e quem sabe assim, possamos ser um pouco mais receptivos, em? — Termina sorrindo alto.

O ambiente fora escurecendo; uma penumbra tão gélida e densa, que dava para ser cortada pelas espadas. Vozes viam de trás, sussurros inadiáveis no começo, mas ao nos virarmos, lá estava, um clarão se ajeitava, e pouco a pouco, a visão do submundo ganhava cor aos nossos olhos.

Uma criança, uma criança chorava, desolada, sozinho, preso a uma cela minúscula; jogada em meio as pedras, com machucados saltados em sua pele pálida; seu corpo tão magro que ele mal podia se sentar.

Lentamente, nos aproximamos da cela, com olhos arregalados de espanto, por presenciar uma cena tão sórdida e horrenda quanto aquela.

E rapidamente, alguém apareceu, gritando e esbravejando com o garoto, que se encolhia só com o menor ouvir da voz amedrontadora do maior.

— Seu merdinha inútil! Levanta daí, ANDA! SUA IRMA ESTÁ ESPERANDO PARA O TREINAMENTO — O demônio maior abrira a cela e puxara o menor pelo braço — Como pode ser meu filho, não herdou nenhum dos meus talentos, eu não deveria ter te dado meu nome, um inútil sem poder nenhum como você, ostentar o imponente nome dos Pedwell...

Então é ele?

Aquele pobre e indefesos garotinho, é hoje o demônio mais temido do submundo?

Boutrix, o Dragão Vermelho ?

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