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— Têm algo errado acontecendo. Me conta o que é. - Hati me observa inexpressivo, apenas seus olhos cor de gelo mostrando a preocupação genuína.

— Está tudo bem. Eu agradeço sua preocupação, mas não foi nada demais. Eu só espetei o dedo sem querer por causa do susto. - sorrio sem graça, sabendo que devo estar tão vermelha quanto um tomate.

Hati continua segurando minha mão, e vejo seus olhos me examinarem com cuidado, buscando ferimentos. Até que ele finalmente vê as feridas parcialmente suturadas, suspirando antes de voltar a me olhar nos olhos.

— Ainda vai mentir pra mim? - seu tom de voz é calmo e sério, e ele aperta levemente minha mão na sua, tentando mostrar que posso confiar nele.

— Funcionaria se eu tentasse? - quando ele balança a cabeça em negação, suspiro pesadamente. - Eu não consegui dormir... Lembranças. As piores delas. Então eu pensei que suturar esse negócio seria uma distração útil.

— Você pensou que a dor física seria melhor que a dor psicológica e emocional que estava te atormentando... Não foi sua idéia mais inteligente, se quer saber. Poderia ter me chamado ou algo assim.

Enquanto fala, ele usa sua mão livre para segurar a agulha com linha e continuar o serviço que comecei. Quando sinto a primeira pontada de dor e resmungo baixinho, ele ergue os olhos para mim com um leve sorriso, entrelaçando seus dedos com os meus. A dor é rapidamente reduzida a um leve formigamento, e percebo que ele está fazendo isso, usando um de seus poderes de lobo para tomar parte da minha dor para si.

Observando todo o cuidado que ele têm comigo, e me recordando de como esteve ao meu lado o tempo todo quando estive desacordada pelo veneno de licantropo. E depois como ele esteve disposto a arriscar sua vida enfrentando todos aqueles monstros, furioso por terem me ferido, percebo como Hati também está apostando muito em mim.

Por um instante, eu desejo de todo meu coração que ele pudesse ser alguém capaz de me salvar. Talvez, se eu pudesse escolher dar a ele meu coração e ficar ao seu lado por toda a eternidade, as coisas fossem mais fáceis. Mas a verdade é que Hati, apesar de forte e corajoso, ainda é efêmero. E eu não posso pertencer a alguém que eu possa perder.

— Você sabe que não precisa fazer tanto por mim, certo? - Sorrio levemente para ele, quando seu rosto se ergue para me olhar com uma expressão dócil.

— Eu não estou fazendo porquê preciso. Estou fazendo porquê eu quero, e gosto de cuidar de você. - ele fala com uma naturalidade e confiança desconcertantes, olhando nos meus olhos.

— Hati, você... - as palavras morrem na minha boca e viro meu rosto vermelho para longe, bufando. - Que brincadeira mais estúpida!!

Ele ri da minha reação e volta ao trabalho que está quase sendo finalizado. Quando me recupero e reúno coragem para voltar a observar o moreno, percebo que ele ainda sorrindo, mas não com tanta convicção como antes.

— Você nunca se perguntou por quê viemos parar justo na sua casa aquela noite, Elle? - ele questiona calmamente, sem olhar para mim. - Os muitos anos de isolamento te deixaram bem sensível e ingênua, devo dizer.

— Do que você está falando? - me corpo todo fica tenso, e acabo apertando com mais firmeza sua mão entrelaçada na minha, o que provoca uma risada no garoto.

— Nós, ou melhor dizendo, eu, sei um pouco sobre os motivos pelos quais você se tornou reclusa. Fomos enviados até você justamente por pedido da Lupa... Interessante, não?

Fico completamente sem reação diante suas palavras. É verdade que o prazo do acordo que fiz com Lupa acabará em breve. Em alguns meses, se bem me lembro. Mas meu planejamento não contou com a possibilidade de uma atitude bondosa da parte da loba, ou que ela me enviasse alguém como os gêmeos. Qual será a verdadeira intenção daquela deusa?

— Eu sei que seu tempo está acabando. Mas não sei exatamente quanto falta e nem o porquê de você ter esperado tanto, esse é um dos motivos pelos quais eu quero tanto que confie em mim. - ele dá o último ponto na minha perna e ergue o rosto, me encarando com confiança, suas íris se revelando em uma nova coloração prateada como aço. - Eu realmente quero te ajudar, Heletria das Kitsunes, mas acima de tudo, eu quero saber exatamente quem você é, e quais tormentos te levaram a renunciar sua verdadeira natureza.

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