06

Eu me lembro de pouca coisa da minha vida antes de Gullveig. Mesmo para uma feiticeira, incontáveis anos de memórias são impossíveis de serem mantidos intactos.

Nunca tive uma família antes da minha tutora. Era algo entre uma órfã e uma ladra. Fazia o que podia para sobreviver, escapando de homens e feras. A floresta sempre foi o meu lar.

Só que um dia eu cometi um erro. Roubei um item brilhante de uma senhora, e ela era justamente a bruxa imortal que me criou posteriormente. Eu não consegui fugir dela, é claro. Mas ao invés de me matar, ela sorriu para mim. Foi a primeira vez que alguém pareceu feliz em me ver, então ela não teve nenhuma dificuldade em me convencer a ser sua discípula.

Os deuses Vanir foram muito receptivos comigo. Recebi um lugar quente para dormir, roupas limpas, comida fresca e não roubada, e o principal: conhecimento.

Gullveig era uma mulher complicada. Por vezes era amável e paciente como uma mãe, mas era terrivelmente vaidosa e temperamental. Apesar disso, me ensinou quase tudo o que sei hoje. Sobre magia, sobre deuses, monstros e homens, e sobre como existe apenas uma força em todo o universo que é maior do que todos os deuses e homens, uma força que habita nos corações de todos os seres racionais. O amor.

Conforme crescia e me aprofundava nos ensinamentos dos deuses, eu comecei a ficar obcecada pelo poder. Eu queria cada vez mais, e acima de tudo, eu queria ser a detentora do tal amor sobre o qual minha mestra tanto falava.

Caminhando entre deuses e gigantes, eu percebi bem rápido que o amor não era algo fácil de ser encontrado nem mesmo por eles. Mas era o sonho de Gullveig que o amor estivesse disponível para todos os seres vivos. E meu sonho que ele fosse apenas meu. Garota tola, eu nem sequer tinha consciência do que realmente significa amar e ser amado. Mas de todas as formas que eu poderia conhecer essa força misteriosa, o destino escolheu a pior delas.

Minha mestra me levou consigo enquanto fazia uma visita ao outro clã de deuses. Os senhores da guerra, os Aesir. E eu tive meu coração roubado por ninguém menos que o próprio Tyr. O deus da guerra, e mais corajoso entre todos os deuses. Foi por causa dele que cometi o ato que me custou tudo o que tinha. Por ele, eu roubei o fruto da árvore de Iduna.

Eu sei que foi muito imprudente da minha parte. Gullveig provavelmente me faria imortal no momento certo, mas cega pelas minhas emoções, eu não pensei sobre isso. Tinha apenas um objetivo, conquistar o amor daquele deus.

Usar magia para conseguir uma das gloriosas maçãs da imortalidade foi relativamente fácil para mim. Só que garotas tolas e apaixonadas raramente pensam com clareza, e eu certamente não era uma exceção. Os deuses me descobriram rapidamente.

Minha mestra assumiu a responsabilidade no meu lugar, mesmo com a minha recusa, e os deuses a sentenciaram a morte. Três vezes assassinada, três vezes ressuscitada. E ela brilhava como o ouro ao sol. Nem mesmo as chamas puderam por fim a ela.

Só que graças a minha imprudência, uma guerra entre os Vanir e os Aesir foi travada. Meu plano para conquistar o coração de Tyr foi por água abaixo e eu acabei me condenando a viver sozinha por toda a eternidade.

Quando o conflito dos deuses finalmente chegou ao fim, ficou decidido que minha mestra iria se mudar para Asgard, junto com outras duas divindades, sob o nome de Freya. E claro, eu a acompanharia como sua fiel dama de companhia.

Ela foi muito bem recebida por todos os asgardianos, diferente de mim. Tive que me desculpar pessoalmente com Iduna e todos eles, além de fazer todo tipo de favores que me eram pedidos. As coisas só melhoraram um pouco para mim quando começamos a ensinar a magia para eles.

Viver em Asgard era agradável, apesar de tudo. E foi uma oportunidade irrecusável de me aproximar do deus da guerra por quem era apaixonada. Além de corajoso, ele também era um homem muito justo e gentil. Nós costumávamos passar muito tempo na companhia um do outro, enquanto eu lhe explicava sobre magia e ele me ensinava a lutar.

Por mais que eu evite pensar sobre isso, de vez em quando me pergunto o que teria sido de nós dois se eu tivesse ficado por lá. O destino pode ser muito engraçado quando quer.

Eu realmente achei que poderia me tornar a esposa dele e viver para sempre ao seu lado. Entreguei tudo o que tinha para aquele deus. Meu coração, minha alma, meu corpo... Apenas para descobrir que ele se casaria com uma elfa das sombras. E que seria feliz ao lado dela. Mais feliz do que eu poderia fazê-lo nos meus sonhos mais doces.

Um dia antes do casamento de Tyr, juntei as poucas coisas que possuía, e com ajuda da minha mestra e de alguns dos deuses, eu voltei finalmente para o mundo dos humanos. Sem objetivos e determinada a esquecer qualquer coisa ligada ao amor... Depois de tanto tempo, me pergunto se ainda sou capaz de fugir dessa força misteriosa e turva que devora corações e almas.

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