Minha Querida Fera...

Minha Querida Fera...

#1

ISADORA

A garota magra, baixinha, de cabelos e olhos castanhos

andava lentamente pela rua já deserta, afinal já passava das dez horas da

noite. Apesar da hora, a moça não tinha medo de andar por ali calmamente,

aquela era sua vizinhança desde que nasceu, todos a conheciam e não havia

perigo ali.

Ela sentia os dedos dos pés espremidos no tênis que tinha

calçado pela manhã, o corpo estava exausto, a cabeça doía e tudo que queria era

se jogar na cama e dormir. Foi até uma pequena casa de portão gradeado de cor

branca, ladeado por árvores e entrou no jardim da propriedade. Andou mais um

pouco, colocou a chave na fechadura e, com muito cuidado, abriu a porta de

casa, não queria acordar o pai.

Isadora era uma moça de 22 anos que trabalhava com

professora na escola infantil do bairro durante o dia e, à noite, era garçonete

no bar do seu amigo de infância, Theo. O pai era idoso e estava bem debilitado,

aposentado, só contribuía com a pequena quantia que era sua aposentadoria.

Assim, a moça se dividia entre os dois empregos para conseguir dar uma vida

minimamente digna para o pai.

Fechou a porta devagarinho, deixou as chaves e a bolsa na

mesinha da entrada e, quando virou, quase infartou ao ver o velho senhor

parado, olhando para ela, parecendo triste.

- Minha menina\, minha Dorinha\, você trabalha tanto! - o

senhor disse enquanto era abraçado pela filha.

Isadora suspirou inalando o cheiro de sabonete e loção de

barbear do pai, mesmo exausta só bastava sentir o cheiro dele tudo melhorava.

Não lembrava da mãe, a mulher morrera no parto, então toda sua referência de

vida vinha daquele homem que era muito bondoso, amoroso, honesto e firme,

quando necessário.

- Não tem problema\, papai. - respondeu sorrindo – Por que o

senhor não está deitado? Eu te acordei?

- Não\, filha. Não estava dormindo. - o homem suspirou – Os

problemas não me deixam dormir.

Os últimos meses tinham sido muito difíceis, o dinheiro

quase não dava para suprir a alimentação e as contas básicas. Foi necessário

hipotecar a casa, mas as parcelas da hipoteca estavam atrasadas, um aviso de

despejo já chegara e o medo de perderem a casa era como um fantasma assombrando

a pequena família.

Isadora pretendia falar com o dono da empresa de hipoteca,

pediria um pouco mais de tempo, tinha certeza que conseguiria convencer o

homem, se falasse com ele, por isso tentava manter-se calma.

- Papai\, não adianta ficar assim\, tudo vai ficar bem. Vamos.

- ela enlaçou o braço dela ao do pai e saiu puxando o senhor – Vamos tomar o

seu remédio e deitar, amanhã tudo irá se resolver. - a moça disse, animada,

torcendo para que as palavras que saíam da sua boca se tornassem realidade.

#

GABRIEL

Gabriel abriu os olhos e fitou o teto, observando as sombras

que se formavam enquanto a madrugada era substituída pela manhã. O homem de 32 anos

acordava cedo todos os dias, sem exceção, seu corpo não precisava de muitas

horas para descansar.

Sentou-se na cama e os olhos negros foram atraídos para a

rosa vermelha que guardava numa redoma, na mesinha de cabeceira. A cada dia que

passava ela estava mais murcha, também pudera, guardava aquela rosa há quase um

ano, o último botão do buquê de flores que dera à sua falecida esposa, era a

lembrança que restava de Letícia.

Com um suspiro resignado, levantou-se da cama e foi até o

banheiro, se olhou no espelho sem acender a luz, apenas com a penumbra que

vinha do quarto. Mesmo sem luz via claramente a cicatriz que cortava seu rosto,

de uma ponta a outra, deformando-o. Tocou a marca e sentiu a mesma dor daquele

dia, o ódio de si mesmo quando lembrava que aquela cicatriz e a perda da esposa

estavam ligadas.

Letícia morrera por causa daquele acidente que ele causara,

ela morrera, ele tinha sobrevivido, mas ficara com aquela marca, para lembrar

todo dia o quanto ele era mau.

Iniciou, então, o ritual diário: banho, se vestir, tomar

café e ir para a empresa.

Antes de ir, foi até o quarto do filho, José, que dormia

calmamente. Observou o pequeno corpo que repousava na cama, encolhido, como se

sentisse frio, embora estivesse com cobertor. Desde que a mãe morrera, o menino

não estava bem. Parecia inquieto e triste. Na escola tinha recebido várias

reclamações da professora. Já não sabia o que fazer, tinha levado o garoto para

psicólogos, mas nenhum resolvia aquela “rebeldia” do pequeno. Com mais um

suspiro, decidiu não acordar o garoto e saiu de casa em direção ao trabalho.

Sua empresa tinha sido construída por ele e seu sócio,

Leonardo. Eles emprestavam dinheiro, faziam hipotecas, consórcios e

financiamentos. Era a empresa mais importante do ramo na cidade, pelo menos

nesse quesito, Gabriel acreditava que era bem-sucedido.

Parou o carro em frente a um prédio de quinze andares com

janelas espelhadas e entregou a chave do carro para o manobrista. A

recepcionista e o porteiro cumprimentaram o patrão com “bom dia” sem resposta.

O homem alto, magro, que trajava um paletó negro bem cortado entrou no elevador

e se dirigiu ao último andar.

Quando as portas do equipamento foram abertas, viu Célia,

sua secretária, vindo em sua direção.

- Sr. Gabriel\, o senhor tem uma visita. - a mulher

gesticulou para o lado e ele logo reconheceu o velho que estava sentado em uma

das poltronas. Era José Silveira, um homem que hipotecara a casa várias vezes,

até não ter como pagar a dívida. Gabriel tinha permitido que a dívida fosse

prorrogada, mas agora não ia mais perdoar. A execução aconteceria o mais rápido

possível.

- Bom dia\, Sr. Gabriel. - o idoso falou\, parecendo

extremamente nervoso – Precisamos conversar.

- Silveira\, acho que não temos nada a discutir. - o homem

mais novo falou passando reto, o outro seguiu – Sua dívida já foi muito

prorrogada. Vamos pedir a execução do contrato de hipoteca hoje.

- Por favor\, Sr. Gabriel. - o velho implorou – Eu e minha

filha não temos para onde ir. Se perdermos a casa, onde vamos viver?

- Não tenho nada a ver com isso\, Silveira. A execução

ocorrerá hoje. - o homem mais novo falou, implacável, indicando a porta para o

outro – Por favor, saia.

- Senhor Gabriel. – o homem suplicou enquanto segurava o

braço do rapaz com força – Eu imploro. Tenha compaixão!

- Silveira\, me solte! - Gabriel empurrou o velho que se

desequilibrou e quase caiu – Vou chamar os seguranças.

Gabriel pegou o telefone que estava na mesa e chamou a

segurança, que levou o homem para fora da empresa. O rapaz era duro, não tinha misericórdia

daqueles que deviam a ele. O velho o incomodara bastante, por isso Gabriel

decidiu tratar daquele caso pessoalmente. Faria questão de tomar a casa daquele

homem.

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Comments

Joana Sena

Joana Sena

nossa que insensível

2024-10-05

0

Patricia M

Patricia M

a história é muito boa kkkkk

2024-09-24

0

Bia

Bia

começando em 04/09/24

2024-09-05

1

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