Enquanto a minha mente trilhava para pensamentos tumultuados, o homem a minha frente aguardava uma resposta.
— Olha, tenho TV, mas tá queimada e jornal só leio os antigos... A solução é a polícia...
— Não, a polícia não!
Fiquei preocupada com a veemência dele. Outro pensamento absurdo, mas com cabimento, veio parar na minha cabeça confusa.
— Ai, meu pai! Se você for um assassino ou foragido ... Posso ser cúmplice dos seus crimes...
Ele se desarmou da tensão do momento e mostrou um sorriso discreto .
— Você tem muita imaginação, moça! Se quiser pode até me amarrar... Só preciso de um abrigo e descobrir quem sou.
Fiquei pensativa. Ele não tinha cara de bandido. Devia ser um gringo, tinha sotaque enrolado, embora falasse bem minha língua.
Talvez se perdeu do seu grupo de turistas estrangeiros e bateu a cabeça em alguma pedra da praia.
Suspirei, cansada de hipóteses e acabei dizendo:
— Acho melhor você tomar um banho para fazer o curativo... Tem toalha na caixa também.
— Obrigado...
— Livre-se dessa roupa velha, tá ? O banheiro está aí ao seu lado. E vou logo avisando, não mexa em nada. Vou deixar você trancado, enquanto eu estiver fora de casa e vou comunicar na vizinhança que tenho visita. Se você tentar alguma gracinha, não me responsabilizo com o que pode acontecer com você! —Falei num tom ameaçador.
O homem, de olhos arregalados, obedeceu e levantando-se devagar, entrou no banheiro.
Assim que ele fechou a porta, desabei no sofá.
Trêmula, não sabia nem o que pensar sobre a minha atitude maluca de permitir um mendigo na minha casa.
Minutos depois, quando ele saiu do banheiro, eu estava preparando o jantar. Observei pelo canto do olho, que ele se aproximava. Novamente fechei minha cara, em alerta.
— Não se aproxime.
O homem parou, instantaneamente.
— Só senta na mesa quando eu mandar.
Ele aquiesceu.
Pressionei o lábio inferior com os dentes. Eu podia me acabar de rir dele. A roupa do meu pai ficou horrível nele.
— Estou esquentando sopa pra nós! Sobre o ferimento, vá até o espelho e faça o curativo. Outras regras: nada de andar seminu, nem deixar roupa espalhada em cada canto da casa, e não se aproxime de mim.
Ele franziu o cenho, confuso.
— Tudo bem.
Peguei dois pratos e coloquei a sopa de frango e legumes.
Deixei na cabeceira da mesa e assim que ele terminou com o curativo, chamei-o para jantar.
O homem não se fez de rogado. Estava faminto. Fazia barulho cada vez que sugava a sopa . Depois elogiou:
— Delícia!
Não respondi. Minha desconfiança não permitia. Comecei a pôr umas colheradas na minha boca.
— Vou trabalhar e chego de madrugada. Você dorme no sofá... Vai ser desconfortável porque você é grandão...
O homem pegou um guardanapo e limpou a boca. A sopa havia derramado por sua barba enorme.
— Não se preocupe! Melhor que dormir no chão.
— É... Você tem razão.
Desviei o olhar, ao refletir sobre a situação que ele estava antes.
Enfim, o mendigo ficou instalado na minha casa e eu o evitava como podia, até que percebi que ele não era o que eu pensava.
Era interessante como a minha impressão sobre ele foi mudando rapidamente. Assim, os meus dias com o mendigo se tornaram uma caixinha de surpresas. Recapitulando:
Lost chegou no sábado, mas quando voltei de madrugada(Já no domingo) notei que ele dormia feito uma pedra. Vi de cara que quebrou a primeira regra.
Pasma, vi que ele havia terminado a faxina e lavou toda a louça que estava na pia. A casa estava impecável. Então, fingi que nunca falei tal regra.
Nesse dia, fui ajudar minha tia na praia e quando cheguei, à tarde ele estava muito bem comportado.
Na segunda-feira, quando cheguei das minhas vendas de cosméticos, ele havia consertado a janela que estava emperrada e tirou o irritante rangido da porta principal.
Na terça-feira, quis arrumar o telhado, pois havia algumas quebradas.
— Não tenho escada, mas assim que eu arranjar, você arruma. — Falei a ele, antes de sair e deixá-lo novamente em casa.
Quando cheguei à tarde das vendas, não o encontrei na sala, mas ouvia um movimento no pequeno quarto que servia também de depósito.
Fui até lá. Ele estava terminando de arrumar a verdadeira bagunça que há anos estava ali. Dessa vez eu me rendi e agradeci pela sua ajuda.
Na quarta-feira, ao voltar mais cedo, aproveitei para pegar os jornais das semanas anteriores com uma das clientes a fim de procurar algum vestígio de quem ele poderia ser.
Cheguei em casa, momentos depois, e abri a porta. Incrível que eu não o via mais como uma ameaça. Já nem o deixava trancado.
— Oi, Lost!
O rapaz de cabelo, bigode e barba crescidos sorriu. Senti um impacto diante do olhar profundo dele, que me causava inquietação desde a primeira vez que o vi na praia.
— Olá, Kelly, chegou mais cedo hoje?
— Sim, a cliente desmarcou comigo. Agora só na próxima semana. Passei no comércio e comprei uns ingredientes para fazer o jantar.
—Legal... — Ele respondeu aparentemente ansioso ao me ver com a sacola com os jornais..
— Trouxe uns jornais. Quem sabe você encontra algo importante. — Estendi o meu braço. — Pegue.
Lost agradeceu e enquanto eu preparava o jantar, ele foi espalhando jornais no chão. Depois de algum tempo, arrumou todos e aproximou-se.
Com lábios comprimidos e pensativo já me indicava que a busca foi em vão.
—Está difícil... Se pelo menos conseguisse lembrar o meu nome.
Apressei-me em responder:
— Não se preoucupe. Vamos fazer assim, enquanto não achamos nada, preciso ver se consigo um serviço para você na praia... É bom ter seu próprio dinheiro.
— Eu ficaria muito grato. Não quero incomodar você.
Rapidamente passei meus olhos pela minha casa que há tempo não via tão arrumada.
— Pensando bem, não está me incomodando.
— De qualquer forma, espero ficar por pouco tempo. Desculpe, Kelly!
Eu o olhei penalizada e respondi com empatia:
— Nao há porque me pedir desculpas, ok? Enquanto você não souber quem é , pode ficar aqui.
Ele concordou com a cabeça, mas notei o jeito angustiado dele. Tive vontade de confortá-lo com um abraço, mas essa ideia me pareceu muito louca.
"Onde já se viu? Ele não era meu amigo! Além disso, deveria evitar contato. Regras são regras". Então me contive e voltei a preparar a refeição.
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Atualizado até capítulo 98
Comments
elenice ferreira
kkkkk parece que ela estava adestrando um 🐕/Facepalm//Facepalm//Facepalm/, faça isso, aquilo não!
2025-02-06
2
Meire
A casa dela não tem dois quartos, pq por ele pra dormir no sofá da sala?
2025-04-05
0
Elizabeth Fernandes
Será que foi acidente ou alguém tentou matalo
2024-11-21
1