Boa samaritana ou não, caminhei em passos vacilantes, meio receosa.
O rapaz, de costas para mim, observava a paisagem e falava baixinho.
A minha sombra na areia, fez com que ele se virasse, assustado.
O rosto dele estava tomado pela barba e o cabelo crescidos. Não sei se me assustei ou fiquei admirada pelos olhos azuis dele. Eram penetrantes e lindos.
Imaginei imediatamente como ele seria se não estivesse tão esfarrapado.
— Oi, desculpe! Só vim lhe trazer ...—
Não pude completar a frase. As palavras não saiam.
Uma compaixão fora do comum tomou conta de mim, apertando a minha garganta num nó de angústia.
Ele, devagar, ergueu a mão direita e com voz embargada, sussurrou:
— Grato pela sua bondade...
Fiquei espantada com o sotaque carregado dele. Parecia ser estrangeiro, mas o que estava fazendo ali?
Entreguei a sacola com a comida e falei baixinho:
— Não há de quê.
Saí em seguida. Após dar alguns passos, olhei para trás e ele continuava a fitar-me, como se eu fosse um ser de outro planeta.
Virei-me rapidamente e segui até o restaurante. Assim que me aproximei mais, percebi que Felipe estava me encarando com a fisionomia fechada.
— Por que você não pediu pra eu levar a refeição pra o mendigo? Já pensou se ele a atacasse?
— Nessa claridade toda e com vocês por perto? Só se ele fosse maluco!
— Você é muito inocente, prima!
— E você precisa ter mais empatia pelo próximo, cabeça de vento!
Marcela fez sinal para que o marido se calasse e ele ficou quieto.
Olhei novamente em direção ao local que o mendigo estava antes, mas ele tinha desaparecido.
Às quatro horas da tarde, encerramos. Felipe e Marcela me acompanharam até o trecho que era próximo à minha casa e após despedirem-se, seguiram para a residência deles.
Nós moramos no bairro da União, lugar bem modesto, próximo à praia da União. A infraestrutura não era tão boa, mas pelo menos tínhamos onde viver.
Avistei a minha casa. Era bem pequena, com uma sala, dois quartos um banheiro, uma cozinha e um minúsculo quintal. Estava mal conservada, já que sem dinheiro de sobra, precisava pagar as contas e sustentar-me.
Como eu não tinha emprego fixo, durante a semana vendia produtos de beleza, indo na casa das clientes e nos finais de semana trabalhava em eventos como garçonete ou copeira.
Abri a bolsa, peguei a chave e coloquei na fechadura. Nesse momento, mesmo de costas, percebi que não estava mais sozinha.
Virei, devagar, lembrando-me da tesoura na minha bolsa. Ao olhar quem era, arregalei meus olhos, com menção de gritar.
O homem falou de imediato:
— Por favor, moça, não grite! Não vou fazer mal nenhum a você.
Meu estado de alerta, com os pensamentos mais terríveis que se podia imaginar , não acreditou nas palavras dele. Bem que Felipe tinha razão. O homem esperou o momento oportuno para me atacar, mesmo em plena luz do dia.
— Sai de perto de mim, seu mendigo atrevido, se não eu grito! Que diabos você está me seguindo? Aqui todos me conhecem e se você tentar algo, não sai deste lugar vivo! Tô avisando!
Mesmo, apavorada, notei que ele ficou preocupado e deu passos para trás.
Rápido, ele olhou para os lados e juntando as mãos, implorou:
— Acredite! Estou perdido e...Veja! — Ele mostrou uma ferida profunda na cabeça.— Acho que me acidentei a alguns dias e não sei quem sou.
Por um momento, fiquei avaliando as palavras dele. Será que estava falando a verdade? Por precaução, puxei minha tesoura pequena que estava na bolsa, apontei, meio trêmula.
— Fale logo, por que está me seguindo?— Eu disse morrendo de medo.
O homem tornou a falar, cauteloso:
— Só me escute, moça! Estou perambulando a dias por este lugar à procura de ajuda... Preciso encontrar minha família, mas não sei quem sou.
— Você não é apenas um mendigo? Tá mentindo pra mim? — Desconfiada, perguntei.
— Creio que não sou mendigo, moça. Só não sei o que aconteceu comigo.
Olhei-o de cima a baixo e sugeri:
— Já tentou ir à polícia ou hospital?
Ele suspirou:
— Tenho medo de não acreditarem ou me prenderem... Não sei quem sou, eu já disse.
De um lado a minha intenção era correr para dentro da casa e gritar histericamente por socorro, até ele sumir do bairro.
Por outro lado, o meu coração de manteiga queria ajudá-lo. Algo me dizia que ele falava a verdade.
Respirei longamente e nem acreditei quando eu mesma me ouvi dizer:
— Tá bem... Devo estar louca mesmo ...Fique aí e não se mexa.
De olho no homem, girei a chave e a porta que com um rangido, abriu. Andando de costas e atenta ao mendigo, disse:
— Venha!
Ele caminhou devagar até entrar.
Percebi os olhos dele percorrerem sobre o humilde cômodo.
— Não repare a bagunça... Fiquei só na metade da faxina. E não senta no meu sofá, você está um horror! Vou pegar uma cadeira para você .
Peguei a cadeira de plástico ao meu lado e empurrei na direção dele.
O homem a segurou e sentou-se sem fazer movimentos bruscos.
— Pronto, quietinho ... Vou ver se tenho algo para seu ferimento.
Sempre de olho nele, peguei a minha caixinha de primeiros socorros. Sem entregar ainda, perguntei:
— Qual é o seu nome?
— N-Não faço ideia.
— Então como devo chamá-lo? Deixe-me ver...
Enquanto eu pensava num nome , o homem barbudo ficava apenas me olhando. Que nome seria adequado àquele mendigo? Daí veio a luz.
— Você fala esquisito e me lembra minha professora de inglês, então vou chamar você de ... Ahn, que tal, Lost?
— Lost? — Ele franziu a testa. — Não sei se gostei...
— Precisa de um nome, é o que importa... Bem, Lost, vou precisar trabalhar e você fica aqui até eu chegar. Tem uma caixa ali, atrás de você com roupas do meu pai, quando morava comigo... Acredito que serve.
— Tudo bem, dona... Ahn, eu me chamo Lost e você?
— Sou Kelly.
Ele, mais sereno, falou:
— Tá... Kelly, o que preciso saber é se você assistiu algo na TV ou leu a um jornal sobre alguém que desapareceu por esses dias... Ou algo assim. Não sei por que estou nessa situação, mas preciso desesperadamente de sua ajuda ... Sinto-me num abismo sem fim...
Tentei lembrar de alguma notícia dessa, mas nenhum sinal de reconhecimento surgiu na minha mente.
Olhei-o com atenção, enquanto eu pensava: "Pronto! Eu me superei nas minhas encrencas. Minha família ia me internar ou me expulsar, após saber que deixei um desconhecido entrar na minha casa. "
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Atualizado até capítulo 98
Comments
katia sousa
eu já li essa estória é boa
2025-04-12
1
elenice ferreira
😀 muito e sofrendo junto com eles!
2025-02-06
1
MARIA RITA ARAUJO
eu não teria essa coragem, de colocar na minha casa alguém que não conheço e no estado em que ele se encontra. Mais o coração fala mais alto quando temos amor e compaixão ao próximo
2025-01-07
1