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Laís narrando:

Cheguei no trabalho e não vi a Clarice. Fiquei muito preocupada, pois ontem, quando a vi, ela estava muito abatida. Perguntei como estavam as coisas com a tia, e ela disse que estava tudo bem, só estava com sono porque não conseguiu dormir por conta do barulho.

Mas eu não acreditei. Como estava no meu horário de trabalho, não pude me aprofundar na conversa. Decidi falar com ela quando terminasse o expediente, mas, infelizmente, assim que terminei, procurei por ela e já tinha ido embora.

Vou pedir para o Davi me liberar mais cedo para eu ir na casa dela e saber como ela está. Ela pode estar doente.

Passei o dia todo aflita, preocupada com a Clarice. Foi quando o Davi disse que não ia retornar mais durante o dia. Perguntei a ele se eu podia sair um pouco mais cedo, pois precisava ver minha amiga para saber o que estava acontecendo. Eu tinha certeza de que algo estava errado.

Ele parou, respirou fundo, deu um sorriso e disse:

— Você está falando da Clarice?

Falei que sim. Ele então contou que, quando ia embora, viu ela dormindo na calçada, sentada, e a levou para a casa dele.

— Ela estava com muita vergonha porque a tia havia espancado e humilhado ela. Ela saiu de casa e não tinha para onde ir — explicou ele, antes de ir embora.

Comecei a sorrir sozinha, pensando:

— Eu não acredito! Ela tentou de todas as formas fugir do Davi, até arrumou um namorado para esquecê-lo, porque não se sentia digna dele, e acabou na casa dele.

Se eu soubesse que ela estava nessa situação, teria levado para minha casa. É pequena, mas é aconchegante. Mas, sabendo que ela está na casa do homem que ama, não vou nem tentar. Pode ser que os dois consigam se acertar.

Minha única preocupação é que todos sabem que o Davi é um playboy, gosta de ficar com várias mulheres e olha muito para a aparência das pessoas. Essa foi a razão pela qual ela achou que era indigna dele.

A Clarice é simples. Nunca a vi com maquiagem ou com os cabelos soltos. Ela sempre usa um pano na cabeça, pois tem vergonha dos seus cabelos afro.

A nova gerente

O Davi fez entrevistas com algumas moças que vão trabalhar conosco. Também conseguiu um gerente e uma subgerente. De cara, já vi que a nova gerente não gostou de mim. Ela tem me encarado muito o tempo todo. Falou com todo mundo, menos comigo. É como se tivesse raiva de mim. Tem horas que ela me olha com uma cara que me dá medo.

Ainda bem que o Wallace está aqui comigo.

O dia passou tranquilo. Teve muitos clientes, e não houve nenhum problema para o Wallace. Ele me ajudou com as mesas o tempo inteiro.

A ligação para a Clarice

No final do expediente, saímos abraçadinhos. Eu resolvi ligar para a Clarice. Assim que ela atendeu, já foi contando tudo o que aconteceu. Ela começou a chorar e disse que estava toda machucada por conta da tia e que estava com vergonha de não ter me contado no restaurante, porque em nenhum momento ficamos sozinhas.

Me senti mal ao ouvir isso. Minha amiga precisava de mim, e eu não tive tempo para ela.

Ela falou que o Davi a levou para casa dele e que ela havia presenciado a pior cena da sua vida: viu ele transando com uma mulher que, descaradamente, ainda a chamou para participar também.

— Ele me tratou muito mal assim que a mulher saiu — contou ela. — Mas depois foi um amor de pessoa e até tratou dos meus ferimentos. Acho que ele se sentiu mal por ver os ferimentos e que só estava me tratando bem por pena, sabendo que eu não tinha para onde ir e que tinha sido espancada.

Ela também contou que fez uma refeição maravilhosa com ele e que ele não fez restrição de nada do que ela poderia comer, ao contrário do que a tia fazia.

— Assim que me curar e pegar o primeiro salário, vou procurar um quartinho para alugar, para não atrapalhar a vida dele — disse ela.

Perguntei se ela precisava de alguma coisa, e ela respondeu que não. Então, eu disse:

— Clarice, você não pode se fechar para o mundo. Eu sou sua amiga, e você sabe disso. Eu faria qualquer coisa por você. Você é como uma irmã que nunca tive. Então, se precisar de mim, lembre que estou aqui. Me liga, fala comigo. Fiquei triste em saber que você passou por tudo isso e não me contou, porque eu te levaria para minha casa.

Ela disse que sabia disso, mas não falou nada porque não queria me atrapalhar, já que a casa era pequena, tinha minha mãe e eu estava casada.

Falei para ela que isso não tinha nada a ver:

— Não é porque eu sou casada que vou esquecer da minha melhor amiga.

Choramos juntos. Me despedi e fomos para casa.

A destruição na comunidade

De longe, vimos a cena mais triste da minha vida. Havia muita fumaça. Corremos até lá e vimos que todas as fruteiras e a nossa horta estavam queimadas. Muitas casas estavam quebradas, e muita gente estava ferida, chorando e sentada no chão, sem saber o que fazer.

Minha mãe veio correndo e disse que mais de 30 homens chegaram lá, quebrando tudo e dizendo que, se o Wallace não fosse embora, eles retornariam e destruiriam tudo, e dessa vez não deixariam ninguém vivo.

Fiquei apavorada. O Wallace abaixou a vista e disse que entendia. Toda a comunidade veio para cima dele, dizendo que ele tinha que ir embora, que não o queriam mais lá, que ele era um problema.

Começaram a perguntar quem ele era de verdade. Eu atravessei na frente e disse:

— Vocês sabem que ele não tem memória. Então, parem de perturbá-lo!

As pessoas também partiram para cima de mim, dizendo que eu era cúmplice, que sabia que ele não valia nada, que ele era uma pessoa do mal e que eu estava apoiando tudo.

Comecei a chorar e procurei o apoio da minha mãe, mas, infelizmente, ela se negou. Ela disse que eu estava escondendo algo e que, com certeza, eu também estava metida em um mau caminho.

— Ele não vai ficar mais na minha casa — disse ela.

Aquilo doeu muito no meu coração. Virei as costas, peguei minhas coisas e fui embora com o Wallace. Todos ficaram furiosos pelo que eu fiz. Disseram que eu estava abandonando a família para ficar ao lado de um estranho e que, com certeza, quando ele se lembrasse, ia me dar um chute e voltar para sua vida anterior.

Eu não liguei. Eu o amo, e, enquanto ele me quiser, estarei ao lado dele.

Ele me abraçou forte e disse:

— Laís, eu te amo muito, mas não posso permitir que você se afunde junto comigo. Eu não sei quem sou nem por que estão fazendo isso. Tenho medo que você esteja em perigo, e agora está afastando toda a sua família de você.

Chorando, olhei para ele e disse:

— Você se cansou de mim, Wallace?

Ele me abraçou e começamos a chorar juntos. Ele me beijou forte e disse:

— Você sabe que você é tudo para mim. Não posso te oferecer uma vida de luxo, mas vou te oferecer todo o meu amor e carinho. Tudo o que eu puder fazer para te manter segura, mesmo que eu tenha que entregar minha própria vida.

A caverna

Nós não tínhamos para onde ir naquele momento. Então, o único jeito foi irmos para aquela caverna que havíamos encontrado, até recebermos nosso salário e alugar um cantinho para nós.

Mas eu não me importava. Mesmo que fosse no meio do mato, sem nenhum tipo de conforto, estaria feliz ao lado dele.

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