Capítulo 21

O mais jovem do bando não aquietava os puxões do bigode do idoso cadeirante, que, devido à fragilidade, possuía movimentos lentos e instabilidade emocional.

— Me respeite, respeite, moleque — pediu com uma voz de choro.

— Foi mal, velho, eu só achei que te dar uma “ripada” na cabeça seria demais.

— O que houve com esta geração? Vocês não respeitam mais a tradição?

— Que parada é essa de tradição, seu velho gagá! — deu outro puxão no bigode dele, em troca de um leve tapa do idoso.— Cê tá é obsoleto. Um dinossauro vivo na pele de um velho.

O jovem tentou atormentá-lo novamente, mas o velho conseguiu ser mais ágil ao segurar a mão do atormentador e mordê-la com a chapa que na mão do rapaz permaneceu presa (uma mão servida à dentição).

O idoso abriu um sorriso largo nos lábios contraídos ao ouvir os resmungos do jovem enojado pela saliva alheia, escorrendo pelos dedos de sua mão, misturada com algumas gotas de sangue brotando dos orifícios abertos pela mordida.

— Tá rindo do quê, seu velho de merda! — praguejou, sentindo a mão doer também.

Sem pensar em mais nada além de vingança, o jovem recuou um passo e chutou a cadeira de rodas, que, por consequência, tombou com o velho e tudo o mais.

Por sorte, a trouxa de roupas que portava sobre as pernas amenizou a dor da queda, que chamou a atenção de todos, principalmente a de Álvaro, pois constatar o seu pai sendo tratado daquela forma, deixou-o num nível superior de raiva, ódio, revolta, fúria, cólera!

Nem mesmo o Zé da Perna Preta ficou feliz pela atitude de seu subordinado, pois era unânime a consciência de que o idoso deveria ser deixado de lado, pois, por ser cego e aleijado, era uma covardia agredi-lo, fosse verbal ou fisicamente.

— Caralho, garoto, ficou doido!? — exclamou Zé. — Levanta logo esse velho do chão…

— Não toque mais no meu pai!

...***...

Rosemarie sentiu o braço do Zé da Perna Preta lhe pressionar com mais força sobre o corpo dele e, considerando a seriedade da ameaça repetida aos sussurros em seu ouvido, deixou de avisar o amante para que não desviasse a atenção do homem que havia socado, pois, este segurou firme a ripa que portava em mão e a quebrou em duas sobre as costas de Álvaro, que, de imediato, perdeu o ar, caiu no chão e cuspiu sangue sobre a calçada de terra, como era também a estrada.

— Papai! Papai! Papai!

Isadora engatinhou até ficar ao lado do pai tentando, em simultâneo, respirar, ficar de pé.

O agressor, porém, puxou a menina pelo braço e a lançou na direção de Rosemarie sob o hálito de bêbado do Zé da Perna Preta.

— Deixem eles irem em paz — implorou Álvaro, entre respirações pesadas. — Podem ficar com tudo que temos, mas, por favor, nos deixem em paz! Não fizemos nada contra vocês… Nós só queremos ir embora, para recomeçar a vida de forma digna e honesta.

— Linda retórica — aplaudiu o agressor, pedindo a ripa do colega emprestada. — Quase me convenceu a perdoar o seu soco. — Sentiu que seu nariz ainda sangrava. — Tenho que admitir que você bate bem — segurou a ripa com as duas mãos e a ergueu ao alto —, mas não tão bem quanto eu! — soprou o ar dos pulmões raivosos de cima para baixo, pois foi esse o movimento da cabeça e dos braços que, por fim, atingiram a ripa de madeira na cabeça de Álvaro.

...***...

A ripada atingiu a região próxima à nuca de Álvaro, o suficiente para fazê-lo desmaiar, sem que antes pudesse olhar novamente para os queridos rostos assustados.

— Papai! — Chorando, a menina atirou-se sobre o pai.

Tentativas de despertá-lo em vão. Isadora ficou sob o olhar do agressor, que, sacando uma arma que se ocultava na cintura sob a camisa comprida, desejava ardentemente cessar a respiração de Álvaro, mas como relutava a menina a não sair de perto do pai, pensou em acrescentar outro a conta da maldade, ou seja, o pai e a inocente criança de uma só vez.

— Chefe, posso executá-los?

— Faça o que desejar — respondeu o Zé da Perna Preta. — Depois que ele for apagado, só restará eu para você, minha querida…

— NÃO!

— Ah, não grite, vadia!

— Não machuque eles, por favor! — implorou Rosemarie, tremulante.

Quis ela se libertar das mãos nojentas do chefe daqueles bárbaros, mas temeu que o objeto sentido sobre a lombar fosse uma arma.

...***...

De fato, era uma arma, o limite das emoções de Rosemarie.

Um movimento apenas seria suficiente para incentivá-lo a testar a potência de um disparo a curta distância, como nunca havia feito a nenhum ser humano, mas com os cachorros que tiveram a má e triste sorte de terem sido alvos fáceis e próximos, o resultado foi desastroso: corpos perfurados por um projétil de dano exorbitante, tão grande eram os orifícios que a olho nu se podia ver pelo orifício o outro lado.

Esse era o ápice até então da maldade do Zé da Perna Preta.

— Não machuque a minha filha! O meu amado! Eu faço o que bem-quiserem…

— Que história é essa, mulher? Você vai fazer o que eu quiser, querendo ou não, pois com o Zé da Perna Preta não há negociações, entendeu? — pressionou com mais ênfase o cano da arma sobre as costas dela, ao passo que a mantinha sob o retesado braço.

...***...

Seria esse o fim de seu amado Álvaro? Ela chorou que sim, implorou que não, enchendo a paciência do Zé da Perna Preta, que para com o seu subordinado, ordenou que o ato sangrento fosse breve, pois já desejava retornar ao amado covil, onde poderia com muito prazer, calma e delicadeza saborear cada fração da presa que tinha em posse, uma bem cheirosa e gostosa, perfeita para pôr sobre e sob os novos lençois, que comprara de um vendedor ambulante em troca da ameaça de bala no crânio.

Coitado do homem trabalhador, perdeu uma dúzia de produtos não vendidos que mais tarde custaram alguns bons pratos de comida.

— Não chore, menina — disse o agressor, apontando a arma na direção da cabeça do Álvaro. — Depois dele é a sua vez e, se derem sorte, vão se encontrar logo, do outro lado.

— Caralho, atira logo! — ordenou Zé, impaciente.

— Com prazer, chefe…

— Não, por favor, ele não, e ela é só uma criança!

“Criança ou não”, pensou, engatilhando a arma. “Ela vai subir hoje pro céu.”

E então, ouviu-se o som de um disparo! O barulho que ao ser emitido gera um NÃO automático e muito dramático da boca dos corações aterrorizados e, no instante seguinte, um silêncio doloroso.

Gotas de sangue atingiram o rosto da menina em transe ocasionado pelo súbito barulho e pela repentina cena que vira diante de seus olhos inocentes.

Um projétil de dano avassalador viajou de uma distância de quase duas quadras e atingiu o rosto do agressor, que teve um olho e seu nariz desfigurados, pois no lugar se abriu um enorme buraco de onde o sangue jorrava com liberdade.

Ele nem sequer teve tempo de usar sua arma engatilhada e, ainda com a mesma sob as mãos unidas, desabou no chão com o corpo duro, sem alma alguma, pois a que tinha, supostamente, para o inferno já havia descido.

Quem foi o inesperado atirador a salvar duas pobres almas? Indagou-se, assustado, o Zé da Perna Preta com seus olhos arregalados.

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