Capítulo 9

Rosemarie deitou-se no sofá, trazendo Álvaro consigo para os beijos não cessarem. Insistiu em despojar a camisa dele. Foi aí então que ele recuou, lembrando-se de que deveria estar em casa, pois já passava da hora de alimentar a filha de dez anos e o idoso pai de sessenta e dois anos.

— Eu entendo — deu mais um beijo nele e o deixou que se levantasse do sofá, tal como fez em seguida. — Espere... leve uma bebida.

Ela foi à cozinha e retornou com uma garrafa de refrigerante quase cheia.

— Obrigado!

— A Isa vai gostar.

— Com certeza, ela ama chocolate e adora refrigerante.

O silêncio retornou e o entreolhar também. Ouvia-se, porém, a respiração de ambos, cujos corações palpitantes desejavam contracenar juntos em mais um baile de palpitares.

— Nos vemos à noite? — Ela indagou, com certa timidez não inerente a si, mas a situação os deu a impressão de que fossem, na verdade, adolescentes tentando compreender o que acabara de acontecer.

— Sim, depois de eu colocar a Isa pra dormir.

— Combinado.

E antes de ele sair, relembrou:

— Ainda se lembra do nosso encontro para esse final de semana, né?

Álvaro sorriu e mais uma vez a beijou.

— É claro. Agora tenho de ir.

Ela o acompanhou até a porta e, acenando, viu ele atravessar a rua e sumir ao adentrar a própria moradia. Depois disso, Rosemarie baixou o olhar sobre o batente da porta e, de imediato, relembrando-se do que vira naquele dia, sentiu horríveis sensações pulsar em seu sangue.

De imediato, fechou a porta com força e correu para o próprio quarto, onde se jogou na enorme cama e, na companhia de dois travesseiros, começou a chorar mais um pouco pelo irmão falecido há pouco mais de seis anos.

Álvaro chegou em casa com uma mão a cobrir o curativo e a outra a segurar a bebida. E então, recebido pela filha acompanhada pela mulher familiar com seus óculos suspensos na gola da blusa, ele deu a garrafa de refrigerante à menina e, descobrindo o curativo, foi indagado pela filha:

— O que foi isso, papai?

— Só um pequeno corte. — Desejando desviar o foco, ordenou: — Vá pôr a garrafa na geladeira antes que esquente.

— Eu não posso abrir?

— Só depois do almoço.

— Mas eu já comi...

A reação de surpresa de Álvaro não durou mais do que alguns segundos, pois a dona da multinacional estava a assisti-lo à espera da oportunidade para falar.

— Achei que não se importaria se eu trouxesse algumas marmitas.

— Quem é ela, pai?

Nem o próprio Álvaro sabia responder com precisão.

— Eu me chamo Cristina. Sou a chefa dele.

— Chefa?

— É isso mesmo, princesa.

— Então, a senhora manda no meu pai?

Cristina achou graça da situação e, por isso, sorriu, triplicando a perplexidade de Álvaro, sentindo tudo aquilo muito difícil de digerir. Era certo que ele precisava de um copo do refrigerante que trouxera ou acabaria por se engasgar.

— Filha, vá fazer o que eu disse e fique de olho no seu avô.

— Mas o vovô tá dormindo...

— Não importa, fique de olho nele mesmo assim.

— Ah, pai!

— Isadora! — pronunciou, seriamente.

Sem mais relutar, Isa deixou o local, pôs a garrafa de refrigerante na geladeira e, levando consigo o seu caderno de desenho e o seu pequeno estojo de lapiseiras, foi ao quarto onde o avô cochilava sobre a cama de colchão mofado.

— Gostei de sua filha. Ela me atendeu bem e apresentou os tantos talentos que tem.

— Mas às vezes é teimosa, não sei de quem puxou essa teimosia.

— Não seria do próprio pai? — indagou com um ar de ironia.

Álvaro soprou tal pergunta. — Diga logo como descobriu onde eu moro? Já até imagino o porquê veio até aqui.

— E por qual motivo seria?

— Ainda acha que eu estava tentando roubar o pneu do seu carro...

— Está enganado. Eu vim aqui justamente porque o porteiro da minha organização filantrópica de atendimento especializado às pessoas com deficiência disse que viu quando tentaram roubar o meu veículo e você não permitiu, assim como se machucou por esse motivo.

— Não quer que eu seja preso, então?

— Pelo contrário, estou aqui para lhe agradecer pelo que fez.

Álvaro sentiu uma dificuldade em acreditar, pois, nunca vira uma pessoa da classe dela rondar por regiões desprezadas pelo poder público, tampouco ser gentil com quem tinha condições financeiras muito inferiores.

— Esteja na minha empresa amanhã às sete horas.

— É sério o que diz? Não vai mesmo chamar a polícia?

— Quem muito desconfia da porta não entra e, por isso, fica de fora.

— Obrigado, mas acho que não devo aceitar.

— Não seja egoísta. Estou lhe dando essa oportunidade muito mais por ela — referiu-se a menina — do que por você.

Ao pensar na filha dele, Cristina sentiu novamente pelo próprio corpo o desejo de retirá-la daquela moradia em ruína. Sentia que ela merecia um lugar muito melhor e, além disso, existiam outras sensações das quais ainda não compreendia as razões.

— Por favor, não falte.

Cristina repôs os óculos e partiu dali em retorno ao carro estacionado próximo. Álvaro fechou a porta e, suspirando, aliviou-se por não ter se engasgado. De fato, ele acabara de ser contratado, mas isso era apenas o começo de algo ainda maior.

Ao entrar no carro, Cristina rememorou à chegada, enquanto se preparava para ir embora.

Foi então que, por um instante, o para-brisa de seu carro sob a luz solar daquela tarde calorosa pareceu uma tevê projetando as memórias dela.

...***...

— O Álvaro está?

— O meu pai ainda não chegou.

— Será que posso entrar e esperar por ele?

Retirou os óculos e, apresentando uma expressão afável, transmitiu confiança à atendente.

— Acho que sim — respondeu à menina.

No interior da casa, Cristina sentou-se no sofá cujas manchas escondiam-se sob um lençol limpo e, até certo ponto, cheiroso. Na pequena mesa diante de si, a menina, sentada no chão, reclinava-se sobre um caderno com uma lapiseira de cor azul em sua mão.

— O que está fazendo?

— Desenhando... olha — mostrou o desenho inacabado —, esse é o meu vô.

A fidelidade do rabisco com a realidade transmitia-se muito mais pela interpretação dela. Desenhou um personagem estilizado sobre uma cadeira de rodas.

— E onde está o seu avô?

— Dormindo no quarto — fechou o caderno e pôs a caneta ao lado. — Eu fui lá e ele tava roncando baixinho — levantou-se, pois, do chão. — A senhora devia ir lá ver também.

— Não, obrigada...

— Ah! Vem ver.

A menina insistiu ao ponto de puxá-la pelo braço, como se já fossem conhecidas. E, cedendo ao desejo infantil, Cristina a acompanhou até o mencionado quarto.

— Não é engraçado? — apontou o avô roncando um som que mais parecia a boca de um balão soltando o ar por um espaço estreito entre os lábios rachados e babados.

— Não se deve rir das pessoas — repreendeu.

— Então, por que todo mundo ri dos palhaços? — questionou Isadora.

...***...

Quando as cenas sumiram do para-brisa, Cristina sentiu a tristeza de quem sente ao término de um agradável filme, mas também a alegria de que aquele poderia ser apenas o primeiro de muitos.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!