Capítulo 18

— Eu te conheço? — fui direta e até um pouco grossa, afinal não conhecia ela de lugar algum, pelo menos não ao ponto dela chegar me chamando pelo nome.

E sendo sincera eu nem sabia que era editora de revista nenhuma. Se não fosse aquela fofoca que vi por acaso, ela seria uma mera desconhecida. Também não gostei nada da forma que me olhou em todas as vezes que nos encontramos e gostava ainda menos de saber que era uma amiga colorida de Rafaela.

— Nos encontramos algumas vezes no final de semana, tenho certeza que lembra — falou, antes de vê-la pegando o celular na bolsa.

— Acho que lem...

— Só um minuto — pediu levando o celular ao ouvido. — Sim querida, te espero na garagem. Tudo bem, vamos naquele mesmo, já somos clientes assíduas... — Ela sorriu e após uma breve olhada de canto para mim, afastou-se um pouco e falou mais baixo, mas claro que era impossível não ouvir. — Gosto disso Rafa, então não se preocupe.

Erica desligou e após guardar o celular me olhou com um sorriso no rosto, mas eu estava em um nível de ciúmes que só lembrava ter sentido quando estava no auge de minha paixão por Sofia.

— Então Giulia, você é o novo caso de Rafaela? — Seu olhar era extremamente desconfortável, assim como sua forma de falar.

Mesmo não conhecendo muito, ela era aquele tipo de pessoa que tem o cinismo estampado na cara.

— Olha, mesmo que seja amiga dela, acho que nossa vida pessoal não lhe diz respeito.

— Amiga? — Ela riu. — Tudo bem, se você prefere pensar assim. — Deu de ombros e no mesmo instante as portas de abriram, então saí rapidamente.

Era definitivo, eu estava pra lá de apaixonada por Rafaela e temia que ela fosse pra cama com outras pessoas.

Enquanto estava no ônibus meu interior revirava imaginando tudo o que Rafaela faria com Erica, mesmo ela tendo dito que não faria nada que estragasse nosso lance. Eu não tinha segurança. Não podia mais fingir que estava tudo bem ficar sendo um "lance fixo", pois aquela incerteza era cruel demais.

Quando cheguei em casa estava tão cansada devido a noite mal dormida que após me torturar durante algum tempo, pensando nas duas, acabei adormecendo.

Acordei apenas quando minha mãe me sacudia inteira para que acordasse.

— Por que você não falou que encontrou Mauro ontem? — questionava ela, mas eu ainda estava confusa. — O quê ele disse? Ele não me explica direito!

Sentei na cama e após acordar de fato, tentei contar a ela exatamente as palavras que trocamos. Claro que ela mal terminou de ouvir e já foi logo levantando pra dizer poucas e boas a ele.

Eu só voltei a deitar e fechei os olhos, logo adormecendo.

Ao acordar na manhã seguinte levantei de uma vez e corri para o banheiro achando que estava atrasada, mas só quando estava embaixo do chuveiro me dei conta de que era sábado. Que bela forma de começar uma manhã de sábado.

Voltei para a cama após o banho e tentei dormir, mas foi em vão, então decidi levantar. Eram seis e meia da manhã, encontrei minha mãe no sofá da sala assistindo TV enquanto comia miojo, algo que ela abominava.

— Mãe, e o câncer? — tentei brincar ao sentar ao lado dela, já sabendo que estava mal por causa da conversa ou quem sabe até briga com Mauro.

— Você acredita que ele teve a cara de pau de repetir tudo aquilo na minha cara? Quem ele é para vir com essa de defender minha reputação no bairro? Eu teria jogado uma panela na cara daquele homem igual fiz com o Ricardo, sorte que não tinha uma perto.

— Uma hora a senhora é toda conversa, de repente quer jogar panelas. Assim o processo vem, viu? Eu sei que vai voltar lá hoje e tentar conversar, então me dá isso aqui e vai dormir. — Peguei a panela de sua mão e desliguei a TV. — Aposto que passou a noite em claro. Acha mesmo que ele merece esse desgaste?

— E você, o que faz acordada tão cedo em pleno sábado?

— Nada, só pensei que era semana...

— Está chateada com algo. Tá na cara Giulia. Vamos conta logo! — insistiu como de costume.

Eu suspirei mexendo o miojo frio com o garfo.

— A Rafa... — confessei. — Gosto muito de ficar com ela, mas não fui feita pra essas coisas de pegar sem compromisso. Sei que saiu de um relacionamento longo e complicado há pouco tempo e provavelmente não quer nada sério agora, mas...

— Se não é pra você não insista. Dê o fora nela e veja o que acontece!  — Seu tom e semblante era sério. — Quem quiser que corra atrás minha filha, não adianta ficar tentando se encaixar ao modo de vida dos outros. Eu não vou falar com Mauro coisa nenhuma, ele que bata aqui e nos peça desculpas. A menos que haja uma iniciativa dele, alguma demonstração e interesse em mudança, não vou mais quebrar minha cabeça com homem nenhum. E você faça o mesmo, porque mulher consegue ser tão filha da puta quanto homem.

Como sempre ela tinha toda razão.

Que droga Rafaela Bianchi, porquê me bagunçou inteira?

Na parte da manhã minha mãe dormiu e durante a tarde decidiu passar o fim de semana na casa de uma tia. Quanto a mim, passei o dia limpando a casa inteira, lavando roupa e fazendo comida. Fiz até bolo. Não peguei no celular uma vez sequer, estava em meu momento de exorcismo a sentimentos ruins.

Já era noite quando lembrei que dia era aquele. Era sábado, dia do aniversário da Sofia. Me questionei muito se devia ir, mas no fim, quando peguei o celular e vi uma mensagem de Rafaela optei por não abrir e decidi que ia sim!

Como não sabia hora nem endereço conclui que seria na casa dela, então me arrumei e segui para lá quase umas nove da noite, só com a cara e a coragem. O presente seria minha presença.

De fato a festinha era no quintal da casa dos pais dela, que só me viu quando já estava lá dentro, afinal foi uma desconhecida quem abriu a porta. Sofia arregalou os olhos ao me ver e correu a meu encontro me recebendo com um abraço inesperado.

Como eu conhecia todos os seus amigos, não foi tão difícil ficar alí, ainda mais que havia bebida então estava tudo bem. Minutos após minha chegada a mãe dela trouxe o bolo e todos bateram parabéns.

Estava tudo bem, apesar do primeiro pedaço ter sido para mim e todos fizeram aquela gritaria como quem diz que está rolando um clima, mas não havia clima nenhum. Nós estávamos agindo como duas ex civilizadas sem nenhum interesse por trás de cada gesto ou palavra.

— Gente é o seguinte — falou ela após o momento constrangedor dos parabéns, chamando atenção de todos. — Como alguns de vocês sabem meu pai está meio doente, por isso temos que finalizar cedo aqui, mas não fiquem desanimados. Um amigo meu é sócio de uma boate mara e me deu acesso livre hoje, então quero saber quem está comigo nessa?!

Vários dos amigos se animaram logo, mas não me pronunciei, terminei minha cerveja e fui ajudar a mãe dela com a bagunça, até que entre uma ida e outra para a cozinha fui arrastada por ela até um canto da casa.

— Gi, você vai pra boate, não é?

— Acho melhor não, Sofia...

— Por favor! Quanto tempo faz que não vai a uma boate e dança um pouco? Aposto que séculos. Vai ser divertido. — Ela fez sua melhor carinha de pidona. Eu pensei um pouco antes de confirmar. — Você vai gostar!

Nos dividimos entre os carros de alguns dos amigos dela e partimos para a tal boate. E diga-se de passagem era um lugar muito bem frequentado pelo público LGBTQIA..Tinha cada mulher bonita que dava até vontade de se aventurar, mas eu estava alí para beber e dançar um pouco, então após subirmos para o acesso VIP que ela descolou com o tal amigo, aproveitei para começar a bebedeira.

Por sorte todos alí eram muito animados, estavam sempre fazendo graça e me incluindo nas conversas.

Quando já era bem tarde e eu estava sentindo que a bebida começava a fazer efeito, começou a tocar uma música que fez as gay gritar animadas descendo para a pista.

— Vamos Gi! — chamou Sofia segurando em minha mão e me arrastando também.

Enquanto desciamos avistei lá na pista uma roda se formar em volta de uma criatura minúscula que parecia performar uma dança. Nos enfiamos em meio as pessoas até nos aproximar e ver de perto a garota que dançava e ao redor o pessoal batia palmas cantando. Logo todos se juntavam a ela fazendo a coreografia e Sofia me empurrou para o meio deles. Eu claro que embarquei naquela loucura. Observando os movimentos da outra comecei a dança e mesmo em meio a empolgação de todos ela pareceu me notar e assim começamos a interagir entre sorrisos e dança.

— Ufa, casada — gritou devido o som alto. — Aquela é minha música, só vim aqui para dançar ela! — Ambas sorrimos. — Você quer uma bebida?

— Aceito! — Balancei a garrafa vazia em minha mão e juntas fomos para o bar.

Eu já não sabia mais onde estava Sofia. Após aquela dança ela se embrenhou no meio do pessoal e sumiu. Sentei num banco do bar assim com a outra e pedimos uma bebida que ela tomou como se fosse água.

— Você vem sempre aqui? — peguntou.

— Na verdade nunca tinha vindo.

— Nem eu. — Sorriu antes de beber um pouco mais. — Na real precisava muito extravasar. Sabe quando está com a cabeça cheia e precisa suar um pouco dançando feito louca? — confirmei, rindo assim como ela.

— Exatamente por isso estou aqui hoje.

— Sério? Não diga que brigou com o namorado ou namorada? Porque eu briguei com a minha namorada e nossa... — Fez uma careta.

— Não foi bem isso, mas é tipo isso. — Ambas gargalhamos.

— Quer sair daqui? Queria beber em um barzinho mais calmo onde dê pra conversar, aqui a música é muito alta.

— Seria perfeito — concordei e nós duas levantamos.

Antes fui até o VIP me despedir de Sofia, mas ela ainda não tinha voltado então pedi pra um amigo avisar que fui embora. Logo depois saí com a moça que só no caminho descobri se chamar Maria Luiza ou Malu, para os íntimos — como ela mesma disse.. Nós duas pegamos um Uber e fomos até um barzinho onde compramos bebidas e sentamos conversando sobre o ambiente.

— Mas mudando de assunto, você brigou com o namorado ou não?  — inquiriu.

— Na verdade essa pessoa não chega a ser minha namorada — confessei. — Nós estamos ficando, mas não sei se quero continuar assim.

— Ela não quer namorar você?

— Ela saiu de um relacionamento...

— Aí amiga, quem quer não tem essa de ter saído ontem ou hoje de relacionamento. Pelo menos é assim que  penso.

— As vezes estamos machucados, com medo que certas coisas se repitam...

— Para com isso! — Ela deu um tapinha em meu braço.— Seja sincera e fiel a seus próprios sentimentos. Para de ficar procurando desculpa para o comportamento dos outros. Cadê seu amor próprio, gata? Enfim, acho que se você ainda não conversou abertamente com ela, deveria deixar claro que não quer ficar de enrolação e quer algo sério.

— Estou fugindo — murmurei enquanto olhava meu copo. — Tenho medo de falar e ela não querer mais nada. Me falta amor próprio, não é? Eu sei... — Malu concordou enquanto acariciava meu braço. — Droga, vou parar com isso. Bom, me conta qual foi a briga com sua namorada.

— Foi coisa boba. Como moramos juntas ela é muito estressada e as vezes tira um pouco meus momentos de paz, então prefiro sair e me distrair um pouco.

— Assim, sozinha para fazer performance em boate? — Concordou e rimos juntas.

Sabe quando parece que você encontrou sua alma gêmea? Então, era assim que me sentia em relação a Maria Luíza. Quanto mais a gente conversava mais tinha assunto, se aconselhando, discordando e debatendo. Assim nosso papo seguiu até o dia amanhecer quando estávamos pra lá de Bagdá e fui convidada a dormir em seu apartamento.

Fiquei tão bêbada que nem me dei conta de onde estava naquela manhã de domingo, enquanto Malu quase quebrava o botão do elevador, impaciente.

— Eu vou pela escada! — anunciou ela já seguindo em direção a escada tropeçando nos próprios pés.

Eu que quase não me aguentava em pé. Suspirei antes de me afastar da parede na intenção de segui-la, mas antes que pudesse dar um passo, as portas do elevador se abriram e uma Rafaela saiu de dentro dele usando roupa de academia, com fone de ouvidos e um olhar surpreso ao me ver.

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Comments

mary_🕷️🎧🕸️

mary_🕷️🎧🕸️

pqp 😐 parabéns eu tô orgulhosa da sua mãe gi 👏👏👏👏👏

2023-12-20

0

mary_🕷️🎧🕸️

mary_🕷️🎧🕸️

essa família e do satanás só pode pq tá acabando com o psicológico da mãe e da filha tadinha véi kkkk

2023-12-20

3

Silvia Galdino

Silvia Galdino

caramba

2022-12-20

1

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