Capítulo 06

Bati a cabeça contra a porta do meu quarto pela décima vez. Minha mãe passou pelo corredor, me olhando como se eu fosse louca, mas não disse nada, me deixando sozinha em meu momento de vergonha e frustração.

Era inacreditável que eu conseguisse ser tão ridícula. A cena se repetia em minha mente milhares de vezes e eu só conseguia sentir vergonha.

Rafaela estava lá, toda sorridente me oferecendo uma carona, mas meus olhos foram para o outro lado da rua onde estava Mari observando o carro da ex e logo também a mim. Isso foi suficiente para eu dizer uma desculpa esfarrapada sobre ter um compromisso e sair praticamente correndo, aproveitando que meu ônibus estava na parada me enfiei dentro do veículo com o coração quase saindo pela boca e só quando meu sangue esfriou me dei conta da besteira que fiz.

Suspirei abrindo a porta do quarto e entrei, logo me jogando na cama, fitando o teto. Meu celular vibrou, retirei o aparelho da bolsa e vi que era uma mensagem de Jéssica que logo respondi, depois abri a última conversa com Rafaela.

Giulia não seja patética, envia logo a droga de uma mensagem e acaba com isso de uma vez!

...Giulia: Desculpa pela forma tosca que sai. 09:39 PM...

...Rafaela: Eu estaria mentindo se dissesse que entendi. Na verdade estou bem confusa. 09:40 PM...

...Giulia: Podemos jantar com nossos pais depois. 09:40 PM...

...Rafaela: Essa é sua forma de dizer que não quer mais sair comigo? 09:41 PM...

...Giulia: Não é bem assim... 09:42 PM...

...Rafaela: Então vamos conversar melhor pessoalmente. 09:42 PM...

...Giulia: Tudo bem! Pode ser amanhã depois do trabalho. 09:43 PM...

...Rafaela: Ótimo. Mas dessa vez por favor não fuja. 09:43 PM...

...Giulia: Céus que vergonha... Ok, não vou fugir! 09:44 PM...

Perfeito, acabei marcando um encontro para conversar sobre a minha recusa em sair com ela. Eu já não estava mais entendendo nada sobre meus próprios atos porque ao mesmo tempo que estava decidida a não me aproximar e fugia, por outro lado topava tudo que ela viesse a propor.

Desde quando eu era assim tão fácil? Ok, é de Rafaela Bianchi que estamos falando.

Bom, depois daquela conversa não restavam mais dúvidas, ela queria sair comigo com outras intenções, não tinha nada a ver com nossas famílias. Eu joguei aquele verde justamente para ter aquela certeza e confesso que não tinha nem estruturas para isso. Era difícil acreditar no interesse de Rafaela. Minha vontade naquele momento era enchê-la com perguntas.

Se controla Giulia, vai com calma.

...Giulia: Posso te fazer uma pergunta? 10:34 PM...

...Rafaela: Quantas quiser. 10:34 PM...

...Giulia: Quais suas reais intenções me chamando para sair, senhorita Bianchi? 10:35 PM...

...Rafaela: Posso garantir que são as melhores possíveis.10:43 PM...

...Giulia: Essa resposta foi meio genérica, não acha? 10:46 PM...

...Rafaela: É só permitir que te mostre. Basta não fugir... 10:53 PM...

...Giulia: Caramba, não me zoa mais por isso, por favor! 10:53 PM...

...Rafaela: Desculpa, vou fingir que esqueci. 10:54 PM...

Sorri feito uma idiota. Fechei os olhos por um minuto e quando voltei a abri-los já era dia. Dei quase um pulo da cama e o celular foi logo para o chão, peguei o coitado e vi que estava desligado, com certeza descarregado, mas eu não tinha tempo para focar naquilo, estava atrasada já que o bendito não despertou.

A manhã foi uma bagunça e somente quando estava indo para o salão de festas com Mari — cuidar dos últimos preparativos do evento que aconteceria naquele mesmo dia — consegui finalmente ligar o aparelho que já estava carregado, então enviei uma mensagem para Rafaela.

...Giulia: Bom dia! Desculpa, eu dormi e meu celular descarregou total. O trabalho tá uma correria, só agora pude parar um pouco. 11:47 AM...

...Rafaela: Bom dia. Que surpresa boa você me enviando mensagem durante o trabalho... Bem por acaso te vi se descabelando logo cedo. 11:48 AM...

...Giulia: O quê? Bem por acaso? Que vergonha! Aposto que foi quando eu estava tirando aquelas malditas xerox. 11:52 AM...

...Rafaela: Exatamente. Você parecia bem enrolada com a pilha de papéis, pronunciando palavrões. 11:53 AM...

...Giulia:Caramba que mico. 11:53 AM...

...Rafaela: Relaxa! Está almoçando? 11:53 AM...

...Giulia: "Não, estou no carro a caminho do salão de festas. Depois nos falamos. 11:54 AM...

Eu estava sorrindo feito idiota e Mari me observou pelo canto de olho. Ok, era estranho estar dentro do mesmo carro que Mari.

Larguei o celular e tentei não pensar naquela troca de mensagens, que por sinal estava gostando muito. Por mim passaria o resto da tarde papeando sobre as minhas vergonhas, mas o trabalho me chamava.

Já era bem tarde da noite quando finalmente pude ir para casa. Estava tão cansada que meu corpo parecia pesar uma tonelada, mas foi quando eu já saía do prédio que ao avistar o carro estacionado lembrei sobre ter marcado com Rafaela para depois do trabalho. Como pude esquecer isso?

Aquele não era meu melhor dia. Eu preferia ir para casa tomar banho, colocar uma roupa limpinha e depois de arrumada e cheirosa, digna de um encontro, aí sim, mas lá estava ela me esperando. Eu respirei fundo enquanto dava cada passo em direção ao carro, tentando não pensar no fato dela me ver através do vidro, para não tropeçar em meus próprios pés.

Foi enquanto eu pisava em ovos que Mari passou por mim em passos rápidos e largos o suficiente para chegar na porta do carro muito antes de mim e entrar. Eu até mesmo parei na calçada ficando sem reação.

Elas teriam marcado e Rafaela esqueceu de me avisar? Mari estava alí de metida? Bem, não era como se eu pudesse abrir a porta do carro e tira-la de lá afirmando que era a minha vez de sair com Rafaela, então girei meu corpo cansado e segui pela calçada em direção ao ponto de ônibus. Sentindo meu rosto esquentar de raiva e vergonha.

Patética, era assim que me sentia enquanto a água do chuveiro escorria por meu corpo e eu mantinha os olhos fechados repassando a cena em minha mente, como se milhares de pessoas estivessem me assistindo naquela hora em frente ao prédio.

Iludida!

Definitivamente não tinha como competir com a Mari.

Saí do banheiro e após vestir apenas um blusão decidi secar os cabelos, mas mal liguei o secador minha mãe bateu na porta e logo depois enfiou a cabeça para dentro do quarto.

— Filha, a Rafa está lá embaixo te esperando — informou ela fazendo meu coração falhar uma batida.

Corri para o guarda-roupas. Minha mãe perguntou o quê estava fazendo ao revirar tudo lá dentro e eu respondi o óbvio, não dava para descer usando aqueles trapos e encontrar uma Rafaela toda produzida da cabeça aos pés. Do jeito que ela passava o dia sentada de boas no ar-condicionado, mal dava dois passos e já estava no carro, com certeza parecia exatamente como quando saiu de casa pela manhã.

Parei quando me dei conta de que estava em casa e não tinha como me produzir para depois agir de forma natural, como se o fato de estar usando um vestido de festa fosse a coisa mais normal do mundo às dez e meia da noite depois de chegar do trabalho. Ok, para algumas pessoas sim, afinal era sexta-feira. Eu podia dizer que estava prestes a sair para uma festa e não dar muito papo a ela, afinal era melhor cortar aquele mal pela raíz.

Já estava cansada daquela semente de confusão plantada em meu interior desde que Rafaela me entregou o número de telefone.

Não pira Giulia!

Depois de vestir um short jeans e uma camiseta qualquer, decidi ir logo, antes que ela criasse raíz me esperando. Não esqueci de passar um pouquinho de perfume e logo depois segui para a sala que encontrei vazia.

— Mãe? Cadê a Rafaela? — perguntei alto o suficiente para que ela ouvisse onde quer que estivesse.

— Ela está lá fora! — gritou minha mãe que notei estar na cozinha.

Ué, por que não entrou?

Abri a porta e me deparei com ela encostada no carro, com os braços cruzados. Fitava o chão parecendo pensativa, mas quando fechei a porta o barulho chamou a atenção dela que me olhou e afastou-se do veículo.

— Por que está aqui fora? — questionei me aproximando.

— Teríamos que sair de qualquer jeito, sua mãe podia ouvir nossa conversa.

— Não tenho o que esconder dela — falei, não conseguindo evitar demonstrar minha chateação no tom de voz.

— Desculpa por hoje. A Mari...

— Tudo bem! Eu entendo, vocês tem um rolo ainda...

— Nós não temos mais nada — esclareceu, com aquele olhar que me deixa toda desestruturada e embaralha meus pensamentos, mas eu precisava de foco.

Não tem como ficar bagunçando os próprios sentimentos por causa de assuntos mal resolvidos por terceiros.

— Sejamos sinceras, a situação de vocês é complicada.

— Giulia... — Ela deu um passo encurtando a distância entre nós, se aproximando o suficiente para segurar minha mão.

Eu até pensei em olhar ao redor, mesmo sabendo que a rua estava como sempre deserta, mas meus olhos estavam tão fixos nos dela, então permaneci petrificada.

— Quero muito te conhecer melhor — afirmou, apertando um pouco meus dedos. — Minha vontade hoje era exigir que Mari saísse do carro, deixando claro que aquele lugar era seu, mas eu sabia que amanhã mesmo ela daria um jeito de te mandar embora do cargo de assistente. Eu poderia muito bem dar um jeito de você ser contratada para outro, mas...

— Eu ficaria desempregada, pois nunca  aceitaria um cargo dessa maneira — conclui. Afinal tenho meu orgulho. Já bastava a forma que ela falou comigo quando fui contratada por ser amiga da irmã de Mari. — Eu entendo Rafaela. De verdade entendo que não tinha como evitar o que aconteceu mais cedo. Justamente por isso, confesso que estou pensando muito bem antes de me envolver com você.

— Não quero que pense tanto... — Ela levantou minha mão e entrelaçou nossos dedos de forma que pudesse me puxar para junto, fazendo meu coração acelerar em um ritmo desenfreado. — Não tem como decidir entre mim e seu emprego, mas tem coisas que ninguém precisa ficar sabendo. Não acha?

O toque, o cheiro, tudo estava me desestabilizando e eu só queria fechar os olhos e colar minha boca na dela que estava tão próxima. Mas era algo meio controverso falar sobre ninguém ficar sabendo e nos agarrarmos ali na frente da minha casa, então tentei voltar a meus sentidos e dei um passo atrás, me desvencilhando de sua mão.

Que loucura! Ela estava me propondo uma aventura às escondidas, algo que devo admitir ser pra lá de excitante, mas ao mesmo tempo soava meio ruim. Tudo bem, eu entendia perfeitamente que Mari não ia querer ver minha cor na frente dela caso soubesse que estava arrastando asa para o alvo de sua obsessão, mas ao mesmo tempo que sabia ser necessário deixar tudo longe do conhecimento dos outros, também me fazia sentir como uma idiota qualquer que viveria uma aventura com Rafaela e que talvez depois ela até voltaria com a ex.

Não era que eu fosse uma santa politicamente correta que nunca transou por transar, mas definitivamente eu já sabia ser o estilo bobona que se apega e depois se ferra. E sinceramente, me ferrar por causa de alguém aleatório que poderia escolher nunca mais ver na vida era uma coisa, agora me foder por causa da CEO da agência e filha do namorado da minha mãe, a meu ver era outra coisa bem mais complicada.

— Apressei as coisas? — perguntou.

— Só acho que aqui não é um bom lugar — expliquei, fugindo completamente do que pensava antes.

— Por que vocês duas não entram? — Ambas viramos rapidamente na direção de minha mãe que se aproximava. — A fofoca tá boa assim? — Ela sorriu. — O jantar está pronto filha, vou passar um tempinho com o Mauro.

— Juízo — brinquei e ela sorriu passando por nós.

Rafaela, que até então tinha os olhos em minha mãe, voltou-se para mim mordendo o lábio inferior e não vou negar, a visão fez algo em meu interior vibrar.

— Vou te deixar descansar, o dia deve ter sido cansativo — disse ela.

Eu precisava admitir que sim, foi bem cansativo, mas naquele momento queria ficar um pouco mais em sua presença.

— Não quer entrar?

Ok Giulia, você já está fodida, pois sempre faz o oposto do que pensa. Parabéns!

Notei a forma que Rafaela olhou para a porta da casa e logo depois para mim, como se estivesse analisando a idéia e eu sorri imaginando o quê estava passando em sua cabeça.

— Não vai fazer mal algum se eu entrar um pouco. Não é mesmo? — Ambas sorrimos e logo caminhamos em direção a entrada.

Não sou besta nem nada, sabia exatamente o que aconteceria quando estivéssemos sozinhas, afinal nossa troca de olhares já dizia tudo. O que eu não esperava era que assim que fechasse a porta Rafaela me agarraria pela cintura me pegando totalmente de surpresa ao colar a boca na minha. De início fiquei sem reação, mas não demorei a levar as mãos ao rosto dela enquanto meus lábios seguiam seus movimentos.

Senti meu corpo sendo empurrado para trás então dei um passo, logo sentindo minhas costas se chocando contra a porta.

Fazia um tempo desde que dormi com alguém, por isso me sentia sensível a qualquer toque. Mas no caso, aquele não era qualquer toque, era a mulher que conseguia me desconsertar somente com um olhar. Imagina só o toque!

Quando o ar nos faltou, devagar ela afastou o rosto, ambas estávamos ofegantes e nos encaramos sem nada dizer por tempo suficiente para eu lembrar que minha mãe adorava ficar indo e vindo da casa de Mauro e a última coisa que queria era ser interrompida justo por ela.

— Acho melhor a gente ir com calma — murmurei.

— Tem razão — concordou, mas suas ações foram contrárias, pois ela segurou meu rosto entre as mãos e me beijou novamente. Fui novamente arrebatada pela intensidade de seu beijo. — Quero dormir com você... — murmurou com os lábios ainda junto aos meus.

— Dormir é? — Minha voz quase não saiu, meus olhos ainda estavam fechados sentindo o rosto dela pertinho.

— Você sabe o que desejo...

— Não sei não, me fala — provoquei.

— Giulia... — Meu nome saiu baixinho e eu sorri, mas logo em seguida a maçaneta da porta foi virada e no susto empurrei Rafaela para bem longe de mim.

Minha mãe empurrou a porta, mas meu corpo ainda impedia que abrisse. Com os olhos arregalados e o coração na mão devido o susto, afastei devagar e encarei o olhar confuso da mulher que olhou desde mim até Rafaela que notei estar com os lábios bem avermelhados.

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Comments

Helena Barros

Helena Barros

ameiiii,lendo esse capítulo comecei a rir,pois pareceu duas adolescentes pega no flagra kkkkk,me representou heim kkkk

2023-02-21

1

Diva

Diva

Aí, fudəu?!

2022-12-29

5

Biah Priscila

Biah Priscila

a mãe dela não ia ficar com o namorado, veyy

2022-11-20

2

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