Capítulo 04

Sabe aqueles dias estressantes, quando tudo parece dar errado e as horas se arrastam? Então, eu estava vivendo um desses.

Todas as vezes que Mari me olhava eu já sabia que vinha bomba. Não tinha conseguido parar direito desde que cheguei e nem mesmo pude almoçar porque ela me encarregou de ir do outro lado do mundo buscar uma encomenda que nem eu mesma sabia direto do quê se tratava. Provavelmente não tinha nada a ver com trabalho.

Para piorar ainda mais minha situação, quando cheguei ainda fiz o favor de derrubar a preciosa encomenda no chão. Eu nunca tinha visto a mulher mais enlouquecida gritando enquanto agarrava-se a caixa.

— Perdão, foi um descuido meu — falei, mas os gritos dela eram mais altos.

— Você acha que tem capacidade para auxiliar alguém como eu, dessa maneira descuidada? Se o que tem aqui dentro tiver um arranhão sequer, você vai...

— Do quê se trata? — A voz de Rafaela chamou nossa atenção. — É algo referente ao trabalho? — Ela cruzou os braços, encostando-se ao batente da porta e meus olhos foram para Mari que pareceu relutar em responder.

— Você sabe do quê se trata — disse ela em um tom completamente diferente. Estava calminha, mas com uma certa raiva no olhar.

— Espero que essa seja a última vez que isso aconteça. — O tom e olhar de Rafaela eram firmes. — Giulia é sua assistente aqui dentro, sobre assuntos deferentes a agência. Cuide você mesma dos seus problemas pessoais e não volte a levantar o tom com funcionários.

Observei a mulher saindo e pela parede de vidro pude ver outras pessoas lá fora fingindo trabalhar quando na verdade estavam todos concentrados naquela cena.

Mari apenas murmurou que eu voltasse ao trabalho e saiu carregando a tal caixa. Assim ela sumiu durante horas, me deixando enrolada com várias coisas. E quando eu estava contando as horas para que o dia acabasse, meu telefone tocou.

— Filha me faz um favor? — falou minha mãe do outro lado da linha.— Como você sai mais cedo, compra um bolo bem bonito, ou até mesmo uma torta. Qualquer coisa bonitinha o suficiente para que o Mauro não permita que o aniversário da filha passe em branco?

— Como assim mãe? Eu não...

— Ele vai sair tarde do trabalho e não tem a quem recorrer. Acredita que ele esqueceu completamente a data? Homens... — murmurou. — Me faz esse favor? Também vou sair um pouco tarde. Aproveita e compra uma vela... Espera, não sei quantos anos a Rafa vai fazer...

— Rafa? Hoje é o aniversário da Rafaela? — Ela confirmou e eu coçei a cabeça me questionando o motivo daquilo sobrar justo para mim.

— Filha? — chamou, me trazendo de volta de meus pensamentos.

— Tudo bem mãe, farei isso.

Assim que encerramos a ligação comecei a pesquisar na internet uma confeitaria por perto, mas por incrível que pareça o único lugar que encontrei era bem distante. Por sorte havia o número do whatsapp e eu pude entrar em contato com eles que salvaram minha vida, ou melhor, salvaram a vida do Mauro. Eles faziam por encomenda, mas um cliente descarado cancelou encima da hora. Enviaram a foto e vi que o bolo era lindo, só o preço que era meio absurdo, mas eu ia fazer o quê?

Estava tudo parecendo bem durante o resto do dia. Isso, até Mari voltar trazendo uma outra caixa, informando que — para meu o total azar — a gráfica fez o favor de imprimir dois estilos de convites diferentes. E quem seria a abençoada responsável por separar quase 500 convites?

Aos poucos as pessoas foram indo embora, assim como minha chefe que só jogou a caixa para mim e sumiu de minhas vistas. Eu estava ficando uma pilha de nervos porque as horas estavam começando a ir mais rápido e meu trabalho mais lento. Parecia que quanto mais eu separava mais convites surgiam. Tentei me desligar das horas e fazer mais rápido, mas cheguei ao ponto de choramingar quando vi que estava quase na hora da confeitaria fechar.

— Quer ajuda? — Me assustei ao ouvir uma voz em meio ao silêncio que estava aquele lugar, afinal todos haviam ido embora. — Você está bem enrascada — afirmou Rafaela colocando as mãos na cintura observando a bagunça em minha mesa.

— Eu dou conta, acabo em alguns minutos — falei rapidamente, voltando minha atenção ao que fazia.

— Não vou te deixar aqui sozinha fazendo isso. — Observei ela prender os longos cabelos castanho claros em um coque. E após sentar na ponta da minha mesa, pegou uma certa quantidade de convites e começou a dividi-los, mas parou desviando o olhar pra mim, só então percebi que havia ficado feito idiota olhando ela.

Ainda notei seu sorriso por minha visão periférica, enquanto voltava minha atenção ao trabalho.

Ficamos em silêncio, cada uma fazendo sua parte e em pouquíssimos minutos tínhamos acabado.

Um profundo suspiro escapou por meus lábios. A sensação de alívio durou pouco, pois ao olhar o visor do celular vi que a confeitaria já estava fechada.

— Algum problema? — Rafaela já estava de pé, pegando a bolsa.

— Não, não... — murmurei desanimada. — Obrigada pela ajuda.

— Como nada nessa vida é de graça, vamos dizer que você está me devendo uma. — Ela piscou e saiu logo em seguida.

Mal sabia ela que eu estava devendo duas, afinal não pude pegar o bolo de aniversário. Mais um suspiro e eu levantei pegando minha bolsa. Dei uma última organizada em tudo e segui em direção ao elevador. De longe observei Rafaela, ainda com o coque nos cabelos, parecendo um tanto impaciente. Eu já me aproximava quando de repente tudo virou um verdadeiro breu, todas as luzes do andar foram apagadas me fazendo paralisar no mesmo lugar.

Ouvi Rafaela resmungar alguma coisa e quando enfiei a mão dentro da bolsa para buscar meu celular, ela ligou o dela onde digitou algo e levou ao ouvido. Peguei meu aparelho e liguei a lanterna ouvindo a mulher falar com alguém ao telefone, sobre a repentina falta de luz.

— Droga, foi no prédio inteiro, vamos ter que aguardar — anunciou caminhando em minha direção.

Nós sentamos na recepção, onde havia algumas poltronas. Deixei a lanterna de meu celular ligada enquanto ela não parava de mexer no próprio celular, digitando de forma rápida como se estivesse em meio a uma discussão. Pelo menos era assim que eu ficava quando estava discutindo, parecia a ponto de afundar o teclado tamanha força e rapidez usada.

— Que droga de dia... — falei baixinho, ou pelo menos foi o que pensei, afinal ela ouviu.

— De fato, não poderia ser pior — concordou.

Ficamos novamente em silêncio e era incômodo. Não entendia porquê a presença dela me deixava tão impaciente.

Eu informei minha mãe sobre minha impossibilidade de ir buscar o bolo e também sobre estar presa no prédio, mas ela demorou a responder e quando o fez, chegaram umas vinte mensagens ao mesmo tempo. Ela lamentou por Mauro e eu tentei dizer que não era nada demais, eles poderiam comemorar no dia seguinte, mas foi aí que mamãe me explicou a situação através de um texto enorme.

A falecida mãe de Rafaela costumava comemorar todos os seus aniversários, mesmo que somente com um bolo simples.

— Já estão resolvendo, logo a luz volta — informou Rafaela.

Mantive minha atenção em meu aparelho enquanto tinha uma idéia. Idiota, mas era uma idéia e eu não ia ignorar, então baixei o aplicativo usando o que restava de meus dados móveis. Fiquei uns minutos em dúvida antes de levantar de onde estava. Rafaela me olhou até que eu sentasse a seu lado.

— Hoje cedo seu pai pediu que eu comprasse um bolo para você, mas como pode ver, não deu tempo. — Mesmo sem jeito, levantei o celular mostrando o visor onde havia um bolo de aniversário e uma vela e pude ver um sorriso se formar nos lábios dela. — Ele deve estar se sentindo mal por deixar passar em branco essa data. Mas que tal a gente fingir que eu consegui comprar o bolo e esse aqui é o presente do seu pai?

Rafaela ainda sorria, mas nada dizia. Como se estivesse me achando tão idiota que sequer conseguia formar uma frase diante da minha loucura.

— Isso...

— Quer que eu cante? — Interrompi, temendo o que ela diria. — Parabéns pra você... — cantarolei baixinho e ela sorriu mais abertamente.

— Isso é a coisa mais idiota e ao mesmo tempo fofa que alguém já fez pra mim — confessou, aos poucos ficando séria. Eu até pensei em dizer alguma coisa, mas ela fechou os olhos e de repente soprou o visor de meu celular, como se apagasse a vela, logo depois me encarou. — Obrigada.

— Não tem que agradecer. — Ficamos em silêncio até que o visor de meu celular desligou, a escuridão se fez presente e quando pensei em acender novamente, senti o toque da mão de Rafaela na minha, fazendo meu corpo inteiro estremecer.

— De verdade, obrigada — repetiu.

Eu não conseguia ver nada além do vulto dela e sentir o toque em minha mão. Por algum motivo meu coração parecia bater em minha garganta, apressado, quase me fazendo ter um troço.

Antes que eu pudesse formular uma frase as luzes foram acesas de repente. Meus olhos estranharam a claridade e após piscar várias vezes finalmente pude olhar para a mulher ao meu lado, que com uma linha fina nos lábios formando um sorriso, guardava o próprio celular na bolsa se preparando para levantar.

Nós duas seguimos para o elevador sem nada dizer. Eu estava aliviada por finalmente podermos sair dali, mas ao mesmo tempo a sensação era de que faltava alguma coisa. Como se tivesse deixado de dizer algo para complementar aquele momento anterior.

— Vem comigo? — A pergunta repentina, antes que chegássemos no primeiro andar, me fez olhar ela rapidamente. — Vou até a casa de meu pai, então não há porquê você pegar ônibus.

Eu não tinha motivos para negar.

Entrar no carro onde o cheiro dela predominava foi algo como um anestésico que me fez ficar quietinha, somente apreciando.

Rafaela parecia pensativa. Talvez o fato de ser seu aniversário fosse a causa, ou talvez ela só tivesse outros problemas rondando a própria mente.

Não houve assunto durante o percurso, fiquei olhando a cidade pelo vidro e Rafaela ligou o som numa rádio que tocava músicas românticas antigas, num volume baixinho, agradável. Ela perguntou se havia algum problema e eu apenas neguei, então seguimos assim até estacionar em frente a casa do pai.

— Obrigada! — agradeci retirando o cinto e quando me preparei para abrir a porta senti o toque em meu braço.

— Espera... — Confusa, observei ela retirar do porta luvas um cartão. — Tem meu número pessoal — mostrou, batendo o dedo no número escrito com caneta. — Me liga... Quando quiser.

Eu fiquei ainda meio confusa, olhando dela ao cartão, mas assim que toquei no mesmo a mulher saiu do carro, antes que eu pudesse fazer ou dizer qualquer coisa.

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Comments

Clara Gomes de souza

Clara Gomes de souza

to apaixonada nisso/Drool//Drool/

2024-04-08

0

hellena radassah

hellena radassah

isso tá muito bom

2023-02-01

4

Sammy

Sammy

Que lindoooo cara!🤧

2023-01-19

1

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