Capítulo 14

Terminei de me arrumar às pressas e saí do quarto com o coração pulando no peito. Antes de abrir a porta da frente ainda parei um pouco reunindo coragem e tentando me imaginar dizendo bom dia, mas minha mente estava uma confusão, então decidi sair logo de uma vez.

Quando coloquei os pés para fora vi o carro de Rafaela estacionado do outro lado da rua. Caminhei devagar, não conseguindo ver ela através do vidro, mas também não poderia, afinal logo avistei ela saindo da casa do pai ao lado dele. Eu fiquei paralisada onde estava.

— Ela estava louca por esses papéis — dizia ela balançando uma pasta em mãos.

— Diga que dá próxima vez venha pessoalmente. — Ele sorriu, mas seu olhar caiu sobre mim do outro lado da rua e Rafaela fez o mesmo.

— Bom dia, Giulia — acenou ela.

Não acreditando que minha mãe me fez pagar aquele mico logo cedo, senti meu rosto esquentando mais que na noite anterior. Se tivesse um buraco ali, eu com certeza teria me enfiado dentro.

Ao contrário do que pensei, Rafaela não havia ido me buscar coisa nenhuma.

Eu já estava prestes a virar e correr para dentro fingindo ter esquecido algo, quando minha mãe saiu dando bom dia a todos e me arrastando em direção a eles.

— A senhora me paga — murmurei.

— Rafa, que tal dar uma carona a Giulia?

— E a mim também — falou Mauro.

— Por que você não vem comigo? — Minha mãe estalou a língua demonstrando estar impaciente.

— Porque prefiro a comodidade do carro da minha filha a um ônibus lotado — retrucou o homem.

— Se você não fosse um medroso e dirigisse...— reclamou ela.

Por fim, todos fomos juntos. Eu e minha mãe no banco de trás e Mauro ao lado da filha que lançava olhares pelo retrovisor me deixando cada vez mais desconfortável.

Eu estava tão chateada com a situação atual e junto a chateação anterior, poderia afirmar que estava prestes a mandar ela estacionar e pegar um ônibus.

Depois de deixar nossos pais em seus respectivos empregos, nós duas seguimos sozinhas. Eu ainda estava no banco de trás — dessa vez bem longe do retrovisor — mesmo que ela tivesse questionado se eu não preferia sentar na frente, após a saída do pai.

— Está com raiva? — questionou de repente e dei de ombros.

— Por que estaria? Ah é mesmo, não respondi sua mensagem, acabei dormindo. — Mantive o olhar na rua lá fora e ao parar num sinal notei que ela virou-se no banco para me olhar.

— Arrisco dizer que está chateada...

— Não estou! — Alterei um pouco o tom sem querer e acabei encarando seu par de olhos perigosos. — Você acha ou quer que eu esteja chateada com alguma coisa? — Arqueei as sobrancelhas e cruzei os braços enquanto esperava uma resposta e Rafaela sorriu.

— Eu sei que está — afirmou. — Saí com outra pessoa logo após passar a noite com você. — Um carro logo atrás apitou e ela teve que voltar a atenção para frente e colocar o veículo em movimento novamente.

— Você concluiu que eu fiquei com ciúmes de uma pessoa com quem fui pra cama apenas uma vez? — Bufei. — Eu até mesmo fiquei com outra pessoa também... Não tem a mínima chance de dar importância ao que você faz ou deixa de fazer.

— Certo... — Ela murmurou e ficamos em silêncio por um tempo. — Eu conheço essa pessoa? — perguntou.

Estava me amaldiçoando por ter dito aquela mentira desnecessária. Eu tinha que dar uma de descolada e pegadora no mesmo nível? Ridícula Giulia, você é patética!

— Não sei... — falei baixinho e agradeci mentalmente quando notei que estávamos na garagem do prédio. — Tenha um bom dia!

Saí do veículo assim que o carro parou e enquanto atravessava a garagem vi Mari que travava o próprio carro e logo seus olhos caíram sobre mim. Até tentei disfarçar que vi ela, mas fui alcançada assim que me aproximei do elevador onde parei diante das portas e ela fez o mesmo ao meu lado.

— Desculpa por ontem — falou.

— Tudo bem. — Fiz minha melhor cara de "vamos acabar com esse assunto".

— Não, eu fui estúpida ao fazer algo sem ao menos saber se você queria.

As portas do elevador se abriram e nós duas entramos. Eu estava tensa, sabia que Rafaela estava por perto e pior, não queria falar sobre aquele assunto constrangedor. Saí correndo feito uma garotinha assustada ao invés de encarar Mari e dizer com todas as letras que não queria nenhum tipo de envolvimento, evitando que naquele momento ela estivesse procurando formas de se redimir.

— Olha, aquele beijo ontem... — Parei de falar quando Rafaela impediu que as portas do elevador se fechassem e encarou tanto Mari quanto eu como se tivesse acabado de nos pegar no flagra.

Perfeito Giulia, você agora merece um oscar por ser tão boa em desgraçar a própria vida.

O silêncio se fez presente e eu estava quase claustrofóbica ao lado daquelas duas enquanto aquele elevador se arrastava por cada andar. Agradeci aos céus quando outras pessoas entraram preenchendo o espaço e nossos ouvidos.

Definitivamente não era meu dia. Além de todo aquele desastre logo cedo, eu ainda fui chamada atenção por ter cometido um erro terrível no trabalho ao fazer uma encomenda errada na semana anterior e causar um belo prejuízo.

Mesmo depois de horas ao telefone,não conseguindo nem sair para almoçar, ainda assim o problema foi motivo de reunião. Aí já viu, né? Minha cara estava no chão enquanto discutiam sobre o que fazer já que a empresa se recusou aceitar devolução ou troca.

Perfeito! Eu havia feito aquela confusão toda enquanto minha mente ficava se questionando sobre o sumido de Rafaela que não mandava mensagem na semana anterior. Esse efeito que ela tinha sobre mim estava começando a causar problemas e me deixava cada vez mais chateada comigo mesma.

Por sorte — se é que se pode chamar assim — a CEO não estava presente na agência durante a reunião, por isso não participou.

No fim do dia eu estava precisando daquela bebida oferecida por Rhuan no dia anterior, mas sem as companhias, então na volta para casa passei num supermercado e comprei além de cerveja, algumas bobagens para comer.

Mais tarde, lá estava eu no chão do quarto rodeada por latinhas vazias, lamentando minha situação. Decidi trocar mensagens com Jéssica e mesmo que não tenha contado tudo detalhadamente, dei a entender que meu envolvimento com a Bianchi me levou a um leve nível de bad.

Claro que minha amiga ainda sambou encima da minha desgraça e repetiu aquela velha frase "eu avisei".

— Já vi que não adiantou nada a carona — falou minha mãe que parecia estar me olhando parada na porta com os braços cruzados.

— Mãe, se eu disser que não perdoou o que fez hoje cedo, a senhora se desculpa?

— Claro que não. — Riu se aproximando e após sentar na cama, ao lado de onde eu mantinha as costas apoiadas, tomou a latinha de minha mão e deu um gole. — Você gosta dela.

— Foi só um encanto...

— Não foi, Giulia.

— Mãe, sabia que há um abismo enorme entre quem o pai ela é, e quem ela realmente é? — Me ajeitei cruzando as pernas enquanto tentava explicar movendo as mãos como se desenhasse a situação. — O pai dela é compatível com a senhora. Vocês vivem no mesmo bairro, levam o mesmo estilo de vida, ambos estão solteiros e em busca de um relacionamento sério.

— Vocês duas também são solteiras. Você só não se encontrou profissionalmente ainda, mas também pode levar uma vida no mesmo nível que ela, futuramente. Mas mais do que isso, não interessa o que ela tem, mas sim quem ela é. Eu sei porque já ouvi muito sobre. E ela é alguém de um coração lindo, minha filha. Não acredito que o bairro ou os bens de vocês duas sejam motivos para barrar uma possível relação. Então pare e pense sobre o que realmente impede que isso aconteça. — Ela colocou a latinha no chão, levantou e saiu caminhando em direção a porta  — Boa noite, querida.

Minha mãe e sua nova mania de investigar quem eu me envolvia. Por incrível que pareça quando comecei a sair com Sofia, logo de início fui surpreendida com a amizade entre nossas mães. Coincidência? Não, pois minha mãe já sabia quem ela era e aproveitou um encontro no mercado para dar início a uma conversa sobre filhas, assim ficou sabendo mais sobre minha pretendente e ainda fez amizade com a mulher. Não era sempre, claro, ela não costumava ser intrometida. E que Sofia tinha uma fama meio ruim por ter sido namorada de um pilantra, mas isso nada tinha a ver com ela, era somente aquela má fama que mulher ganha por se envolver com homem que não presta.

Parando pra pensar a Sofia tinha dedo podre para homem. Eu não sabia como ela conseguia ainda insistir nessa raça ruim que é macho.

Dessa vez minha mãe nem precisou fazer muito esforço para saber as coisas já que namora o pai de Rafaela.

Espera, dessa vez o quê Giulia? Acorda pra vida! Foi só uma noite, somente uma transa.

Meu celular vibrou e eu me deparei com uma mensagem de Rafaela que me fez deitar no chão me perguntando onde tinha me metido.

...Rafaela: Dormiu com a Mari?...

...Não......

...Sim......

...Talvez......

...Por que a pergunta?...

...Que pergunta absurda!...

Digitei e apaguei a mensagem várias vezes antes de conseguir sair digitando tudo o que vinha em mente e apertado enviar sem pensar duas vezes.

...Giulia: Você sequer me manda um "oi, tudo bem?", já chega indo direto ao ponto. Deveria ter feito logo isso pessoalmente, não através de mensagem. Será que temeu ouvir a resposta diretamente de minha boca?...

...Rafaela: Quer que eu vá até aí, agora?...

...Giulia: Você viria?...

...Rafaela: Lógico....

...Giulia: Então venha!...

Ela não respondeu e eu dei um pulo ficando de pé, me dando conta do que havia feito. Ao invés de fugir daquela conversa sobre a Mari, havia chamado ela para que eu tivesse a cara e coragem de falar sobre aquilo pessoalmente.

Estava prestes a fechar aquele dia horrível com chave do ouro.

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