Capítulo 10

O lugar marcado foi um barzinho onde o público alvo era LGBT, mas não era qualquer barzinho cheio de gays, lésbicas, trans, entre outros, era um bar de encontros, tipo um Tinder presencial. Eu já tinha ouvido falar muito de lá, mas aplicativos e barzinhos de encontros não costumavam ser meus favoritos.

Logo na entrada já me senti desconfortável com os olhares, afinal as pessoas alí pareciam um bando de predadores prestes a atacar a qualquer momento.

Quando avistei Mari numa mesa, notei que estava sorrindo enquanto conversava com uma garota de cabelos coloridos, mas ela saiu antes que me aproximasse.

— Você chegou — falou minha chefe com uma certa animação. — Não aguentava mais ter que dispensar meninas. Aqui elas chegam logo sentando na mesa.

— Que loucura — comentei sentando na cadeira diante dela.

— O que deseja beber? — Levantou um braço chamando a garçonete e eu fiquei sem saber como dizer que no máximo uma água, afinal pretendia voltar logo pra casa.

— Acho que já bebi demais ontem. — Sorri sem graça.

— Sim eu notei. A Rafa te levou em segurança? Nunca imaginei que vocês fossem acabar sendo irmãs. — Ela riu.

— Não somos irmãs — esclareci e ela arqueou uma sobrancelha me olhando de forma um tanto assustadora. — Acho que estamos meio velhas para ficar misturando as coisas. Para mim ela é acima de tudo a CEO da agência e o lance de nossos pais é outra coisa. Claro que vão existir momentos em que iremos nos encontrar durante reuniões familiares, mas...

— Eu entendi. — Me interrompeu. — Acho melhor pararmos de falar sobre a Rafaela. Como sabe nós tivemos um relacionamento e está difícil superar. Por isso chamei você aqui, para tentar me distrair, conhecer pessoas novas e quem sabe me livrar dos sentimentos que ainda tenho.

Eu não estava nada preparada para ser a escolhida para distraí-la e ajudá-la a esquecer Rafaela. Era só o que me faltava!

Como não tinha para onde fugir —pelo menos durante alguns minutos —, decidi aceitar uma tequila, ouvindo ela falar sobre a garota que havia sentado alí antes. Eu estava me esforçando para demonstrar interesse naquele e em todos os assuntos seguintes.

Definitivamente bancar a falsa não era comigo. Apesar de que Mari não havia feito nada que me ofendesse diretamente de forma pessoal, sinceramente ela era uma chefe insuportável e querendo ou não ainda tinha sentimentos por Rafaela e essa era a parte mais difícil.

Como eu ia bancar a amiga se por trás estava tendo um rolo com sua ex? Ok, era ex, mas a partir do momento que ela descobrisse seria como se eu fosse a sem vergonha da história.

— ...Ela me disse que não tinha problema, acredita? Eu havia feito uma bagunça na casa e ela foi um amor comigo — contava.

A expressão que antes era sorridente de repente ficou triste, ela já havia bebido vários copos de vodka e eu já estava começando a ficar preocupada.

— Desculpa, de quem mesmo está falando? — Tentei me situar, afinal antes estava falando sobre alguma coisa relacionada a agência e de repente já se tratava de uma festa. Eu definitivamente não estava prestando atenção.

E para piorar, a garota da mesa ao lado não tirava os olhos de mim e aquilo estava ficando cada vez mais desconfortável.

— A Rafa! Ela foi incrível aquele dia... — Sorriu agarrando a garrafa de vodka encima da mesa. — Aquela festa foi... Mágica! Tudo com ela parecia...

— Mari, eu preciso ir embora. — Me apressei em dizer interrompendo aquela conversa que já tinha chegado ao limite da minha paciência. — E você devia ir também, afinal amanhã é segunda.

— Sou a chefe, posso chegar na hora que bem entender. — Sua voz já dava sinais de embriaguez. — Rafa sempre me deixou livre para entrar e sair quando quisesse. — Sorriu como se lembrasse de algo. — Ela me amou tanto e tão intensamente. A Rafa...

— Preciso mesmo ir — anunciei, já levantando da cadeira. — Quer que chame um Uber para você?

— Sim, nós podemos dividir.

Ótimo!

Nós saimos do bar enquanto ela cambaleava para fora e eu tentava manter uma certa distância, mas fui surpreendida por seu braço ao redor de meu ombro enquanto ela explicava precisar de apoio. Ok, eu estava um tanto desconfortável.

Se aquela Giulia do passado — a adolescente que tinha uma queda pela irmã mais velha da amiga — passasse por uma situação semelhante, provavelmente estaria a ponto de ter um ataque cardíaco devido a tanta proximidade.

Quase ri ao lembrar que um dia tive um pingo de interesse na mulher a meu lado.

Quando o Uber chegou ela entrou primeiro e assim que sentei no banco Mari deitou a cabeça em meu ombro. Se possível fiquei ainda mais desconfortável, queria empurra-la para o outro lado, mas apenas respirei fundo e seguimos viagem até sua casa onde nos despedimos e então pude sentir um certo alívio por ter dado fim a aquela situação estranha.

No dia seguinte Mari não chegou antes do meio dia e enquanto eu tentava trabalhar ficava sempre alerta ao telefone e ao meu redor a espera de algum sinal de Rafaela, mas o dia passou e nada.

Mari estava com tanta ressaca que sua presença na agência quase não foi notada, afinal depois de designar algumas tarefas a mim, ficou trancada na sala dela.

Lá pelo fim do dia quando eu já estava prestes a ir embora, peguei o celular decidida a saber o que havia acontecido com Rafaela.

...Giulia: Você não apareceu. 05:33 PM...

...Rafaela: Não deu pra passar na agência. 06:34 PM...

...Giulia: Entendo, mas por que não avisou? Ficamos de nos encontrar, não foi? 06:34 PM...

...Rafaela: Eu não queria entrar nesse assunto, mas tem algo me incomodando. 06:35 PM...

...Giulia: 0 quê? 06:35 PM ...

Ela enviou uma foto onde eu e Mari saíamos do bar.

O que diabos é isso? Como uma foto minha com a Mari chegou as mãos de Rafaela? 

...Giulia: Quem te mandou isso? 06:36PM ...

...Rafaela: Não importa agora. 06:41 PM...

...Giulia: Como assim não importa? Do nada tiram uma foto minha, é lógico que quero saber quem foi! 06:41 PM...

...Rafaela: Não é só uma foto Giulia, tem muito mais fotos de vocês duas juntas. Tem algo a dizer sobre isso? 06:42 PM...

...Giulia: Nos encontramos ontem a noite para conversar, só isso. 06:42 PM...

...Rafaela: Só isso? Parecia mais que isso. Vocês duas juntas naquele bar saindo abraçadas? Seja sincera, por favor. Aconteceu alguma coisa entre vocês? 06:43 PM...

Eu estava indignada com aquela situação. Nessa altura já estava esperando o ônibus para ir pra casa, mas ignorando o fato dele já está vindo deixei para pegar o próximo e liguei para Rafaela, afinal não ia aguentar ficar apenas trocando mensagens.

— Você está me perguntando algo absurdo! — falei assim que ela atendeu, antes mesmo de ouvir seu alô. — Acha mesmo que eu saí com a Mari e fiquei com ela? Rafaela... Não sei quem te mandou essas fotos, mas tenho certeza de que o que essa pessoa quis passar não era o que realmente aconteceu.

— Não estou te acusando Giulia, apenas perguntei o que realmente aconteceu.

— Sinceramente não é o que parece! — Notei que minha voz estava um pouco alterada, esquecendo que haviam outras pessoas na parada, então tentei me controlar. — Sequer me procurou hoje e só agora que falei vem em tom de acusação.

— Não tive tempo para te procurar antes da viagem. Quando voltar conversamos melhor, preciso desligar agora.

Como assim depois da viagem? Uma semana inteira com isso martelando em minha cabeça?

Aquilo estava muito errado. Estava claro que alguém desejava fazer minha caveira para Rafaela, ou poderia ser a de Mari. Sim, alguém poderia estar tentando mostrar que a ex dela estava de caso com a assistente. Ou seria a Mari quem armou tudo? Eram tantas teorias que eu tinha certeza de que ficaria louca.

— Gi, o Mauro fez macarronada pra gente. Vem jantar! — falou minha mãe surgindo na porta do quarto.

— Ah não mãe, não estou no clima de jantar em família — recusei voltando a juntar a roupa suja.

— O quê está errado? Você se mantém em movimento assim quando está com a cabeça cheia. — Ela entrou no quarto se aproximando, então retirou a peça de roupa da minha mão. — Brigou com a Rafa?

— Não somos um casal, mãe. — Peguei a roupa de volta e joguei no cesto.

— Não foi o que pareceu nesse fim de semana.

— Pode ir jantar. Vou lavar essas roupas e como um sanduíche antes de dormir. — Saí do quarto, mas notei que ela me seguia.

— Giulia, vamos lá desembucha! — Insistiu e eu chateada joguei o cesto encima da pia.

— Aconteceu uma coisa estranha — comecei enquanto separava as peças. — Alguém tirou foto minha com a Mari e mandou para a Rafaela, que por sinal é ex da minha chefe.

— Espera, sua chefe é ex da Rafa? — Minha mãe segurou em meu braço impedindo que continuasse e confirmei. — Isso é realmente estranho.

— A Rafaela quis dar a entender que não estava duvidando de mim, mas estava na cara que não se despediu hoje porque achou que eu fiquei com a Mari — falei aquilo mais para mim mesma, afinal era muito enrolado para minha mãe entender o caso.

— Bom, não estou entendo muito bem esse... Lance aí, como vocês mesmo dizem, mas uma coisa é certa. — Encarei ela que suspirou fazendo uma cara de pensativa. — Não dá para saber se ela estava com ciúmes de você ou da ex.

— Mãe! — Ela riu passando um braço ao redor de meu ombro me dando um abraço de lado.

— Filha, sua verdade é o que importa. Se a Rafa ou qualquer outra pessoa duvidar esse é um problema delas! Agora o fato de terem tirado fotos sua no intuito de prejudica-la de alguma forma, isso sim é um caso sério e você deve tentar descobrir quem é essa pessoa baixa ao ponto de tal absurdo.

— Tem razão — concordei virando para abraça-la. — Vou acabar com a raça dessa pessoa.

— Menina! — repreendeu me fazendo rir. — Converse com a Rafa, esclareça as coisas e tente descobrir a fonte disso. Agora vou jantar com o Mauro, trago seu jantar.

Ela saiu da lavanderia me deixando pensativa.

Minha mãe estava certa, não era hora para ficar me preocupando se Rafaela acreditava ou não em mim — afinal minha consciência estava limpa —, mas sim buscar saber quem fez aquilo e a troco de quê. Independente de quem fosse e o motivo, eu iria querer arrancar cada fio de cabelo dessa pessoa.

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