Capítulo 05

Uma semana se passou e o número de Rafaela em meu celular parecia ter um ímã que atraia meus olhos. Sempre que estava sem fazer nada, lá estava eu abrindo a janela do WhatsApp e fechando. Observando o nome na agenda telefônica e me questionando se deveria entrar em contato com ela, afinal não deu o número atoa, mas sempre que me imaginava ligando não sabia exatamente o que dizer.

Se eu encontrasse ela por acaso, ficaria sem jeito por não ter dado sinal de vida desde aquele dia, só que era muito difícil encontrá-la na agência, mesmo que eu estivesse sempre correndo de um lado para o outro, a área administrativa ficava distante, então conseguia trabalhar sem me preocupar muito, mas naquele dia eu não contava que devido uma matéria elogiando a agência, Rafaela faria questão de parabenizar a todos durante uma reunião.

A mulher entrou na sala com todo aquele ar de superioridade e elegância, trajando um término azul escuro. Ela fez um breve discurso parabenizando a todos e anunciando a festa em comemoração aos 5 anos da agência. Seus olhos passando sempre pelos rostos de todos me permitia ter a liberdade de observa-la sem medo, mas quando aquelas duas jóias brilhantes cravam em mim, tive que piscar várias vezes tentando manter minha atenção em suas palavras. Foi algo breve, ela não demorou a ser aplaudida por todos e se retirar para que a pauta da reunião retornasse ao foco.

Eu nem percebi que Mari não estava mais ao meu lado. E remexendo os papéis sobre a mesa percebi que tinha esquecido minha agenda, por isso levantei rapidamente par ir buscar, mas enquanto seguia pelo corredor ouvi a voz conhecida que me fez parar antes de dobrar e dar de cara com as duas pessoas que alí estavam. Devagar, dei uma olhada rápida só para confirmar que eram Mari e Rafaela paradas no meio do outro corredor.

— Eu vou buscar ele, já falei...

— Você não pode estar falando sério. Aqui não é lugar para isso! — disse Rafaela parecendo se esforçar em demonstrar calma. — Tem noção do ponto em que chegou? Faz meses desde que terminamos e agora vem me dizer que está com saudades do meu gato e que ele é seu.

— Ele não é só seu, Rafa! Nós duas o adotamos...

— O Shrek era um gato de rua, por sinal na rua da sua casa. Sua mãe mesma disse que ele vivia solto e ela dava comida de vez em quando. Você, o que fez por ele antes que eu o levasse para criar?

— Vou visitá-lo — garantiu a outra.

— Eu sei muito bem o que deseja visitar.

Caramba eu tinha mesmo que ficar bisbilhotando aquela conversa? Mas não dava para seguir em frente, seria constrangedor demais passar por elas.

— Então por que está dificultando as coisas dessa vez? — Ouvi Mari dizer. — Nos damos tão bem na cama...

Me afastei da parede e voltei para a sala de reuniões, deixando para ir buscar a agenda depois da DR do casalzinho. De fato, por mais que Rafaela tentasse, Mari era impossível, estava sempre levando problemas pessoais para a agência. Eu no lugar dela já teria demitido.

Calma Giulia, para de viajar na maionese. Se concentra, você conseguiu esse emprego graças a Mari, agora não seja ingrata.

O que deu em mim?

O dia seguiu chato, estressante. Meu mal humor prevalecendo. Confesso que fiz tudo na força do ódio.

Me perdi pela milésima vez na lista que analisava e praguejei alto demais chamando atenção de outras pessoas.

— Calma Giulia — falou Mari que estava de pé ao meu lado, lendo não sei o quê.

Por que ela não ia fazer aquilo na sala dela e me deixava em paz?

— Olha aqui, achei o erro — disse ela inclinando para mostrar a folha em mãos. — Você está muito desatenta!

— Se você não ficasse me pressionando sempre que estou tentando digitar algo corretamente, talvez isso estivesse mais bem feito que o TCC de um estudante de letras! — Cuspi as palavras graças a minha língua solta e Mari arqueou uma sobrancelha me encarando de cima.

Eu não ia retirar o que disse, nem me desculpar pela forma que disse. Era a mais pura verdade.

Cheguei a conclusão de que Rhuan e Mel tinham toda razão. Na época eu estava começando na agência, não fazia idéia do inferno que seria trabalhar com Mari, aturar seu mal humor e dramas pessoais.

Quem era ela para me julgar? Alguém que sai de uma reunião para discutir sobre um gato como desculpa para descolar uma transa com a ex.

— Giulia? — chamou ela me retirando me meus pensamentos. — Corrija!

Bateu os dedos nas folhas jogadas sobre a mesa e saiu. Eu quase podia notar os raios lasers em meus olhos seguindo a mulher até entrar na sala.

Quando o dia acabou tudo o que eu queria era um banho, minha cama, uma pizza e uma série boa para assistir até dormir. Por isso fiquei fantasiando isso enquanto caminhava até o ponto de ônibus, mas fui retirada de meus pensamentos quando vi o carro de Rafaela passando na rua, me fazendo lembrar aquele dia em que me deu carona.

Droga, eu não ia ligar para ela de jeito nenhum. Minha amiga tinha toda razão.

Quando cheguei em casa minha mãe estava na cozinha toda animada porque Mauro ia jantar com a gente. Depois de dar um beijinho nela, fui para meu quarto onde me livrei das roupas e quando estava prestes a ir para o banho meu telefone vibrou. Como achei que poderia ser Jéssica e eu estava louca para falar com ela, voltei até a cama e sentei, mas ao abrir o chat me deparei com uma mensagem de nada menos que Rafaela.

Meu coração começou em uma batedeira desenfreada que não entendi, já que a mensagem era bem simples.

Ok, respira Giulia, são apenas mensagens, aja como a adulta bem decidida que você é. Mantenha distância dela!

...Rafaela: Se Maomé não vai até a montanha......

...06:46 PM...

...Giulia: Oi Montanha! ...

...06:47 PM ...

...Rafaela: Se eu for muito direta você ainda vai me responder?...

... 06:47 PM...

...Giulia: Se você enrolar muito é mais provável que eu não responda!...

... 06:48 PM...

...Rafaela: Gosto disso... Topa sair comigo qualquer dia desses após o expediente?...

... 06:49 PM...

Ok, é agora que eu tenho um ataque cardíaco.

Calma Giulia respira, mantenha o controle! Essa aproximação é devido o relacionamento de seus pais. Com certeza ela ainda se sente agradecida pela forma que você agiu no dia do aniversário.

Ai senhor, estou até mesmo pensando em terceira pessoa. Olha o que essa mulher faz comigo!

...Rafaela: Giulia? 06:51 PM...

...Giulia: Topo sim! 06:51 PM...

Ok, não deu muito certo mentalizar isso de "mantenha distância".

O dia seguinte eu quase não consegui me concentrar no trabalho, mas como a Mari estava mais uma vez aquela pilha de nervos devido um fornecedor que ligou cancelando a entrega encima da hora, eu acabei tendo que me concentrar na marra para evitar que rolasse muita discussão sem sentido e eu fosse demitida.

Após uma tarde inteira no salão em que ocorreria o evento, vendo Mari de fato colocando a mão na massa em termos de decoração, saí da empresa ao anoitecer. Exausta.

Eu havia combinado de encontrar a CEO na sexta-feira, após o expediente, mas para minha surpresa naquele momento o já conhecido carro dela parou no acostamento — próximo a calçada onde eu caminhava em direção ao ponto de ônibus — e deu duas buzinadas chamando minha atenção. Quando o vidro baixou eu fui agraciada com o sorriso pra lá de encantador de Rafaela.

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