Menu degustação

Estou olhando no espelho e vendo se a roupa que comprei pra usar hoje a noite é boa.

Escolhi um vestido branco feito em chiffom, de saia plissada e alças finas, em comprimento midi. Coloquei uma sandália prateada de tiras, fiz cachos largos no cabelo e uma maquiagem leve no rosto.

Saio do quarto e chego na porta do de Sharon.

- Tem certeza de que vai ficar bem?

Minha amiga pegou um resfriado daqueles, está com febre e tudo que eu consigo ver dela agora, são os olhos aparecendo de um pequeno buraco que ela deixou no cobertor.

Sharon quase me agrediu quando eu disse que iria ligar pra Noa e pedir pra remarcar nossa reserva. Nós pesquisamos o nome do restaurante na internet, e ficamos surpresas por ver que ele e Luigi são tipo celebridades gastronômicas. O restaurante deles é concorrido e a fila de espera chega até dois meses. Realmente arrumaram duas cadeiras pra nós duas por vontade própria.

- Já disse que vou, mas se você ousar voltar pra casa sem comida nenhuma pra mim, eu junto minhas coisas e vou embora amanhã no canto do galo.

Dou uma risada do exagero dela e da voz completamente anasalada que Sharon está usando.

Ligo pra portaria e peço a Jerome pra arrumar um táxi pra mim, quando o carro chega eu respiro fundo e vou até o tal jantar.

O restaurante tem uma fila na porta, e já pela entrada dá pra perceber que é um lugar maravilhoso. Tem a fachada de pedra, um canteiro bem iluminado com plantas ornamentais que enfeitam a calçada.

Noa me mandou uma mensagem hoje mais cedo pedindo para que eu avisasse quando chegasse com Sharon. Então tiro meu celular da bolsa e faço isso.

Não demora muito e ele aparece, usando um terno preto bem alinhado e um colete vinho aparecendo nos botões abertos.

Me cumprimenta com dois beijinhos e depois abre um sorriso.

- Você está linda.

Devolvo o sorriso pra ele.

- Obrigada! Você também está.

E está mesmo. O homem é bonito em um grau que chega a ser desconsertante.

- Onde Sharon está?

Digo a ele que ela ficou doente de repente, e que me intimou a levar comida pra ela.

Noa dá uma risada pra mim.

- Pode deixar que eu vou arrumar pra você levar como eu levo pra casa, a diferença que você vai levar fresco, eu levo congelado pra não dar trabalho a minha governanta.

Ele faz um gesto com a mão direita e eu ando pra entrar no restaurante deixando a fila pra trás.

Avisto Luigi no salão vestindo um domo branco e conversando com alguns clientes. Ele se aproxima de mim.

- Veio sozinha?

Dá dois beijos no meu rosto e eu respondo:

- Sharon está resfriada.

- Que pena, mas aí vocês vêm juntas em outra oportunidade.

Os dois me acompanham até a mesa para dois e eu me sento depois de Noa puxar uma cadeira pra mim. Luigi me oferece um cardápio e a carta de vinhos.

- Se você me dá licença, tem um cozinha esperando pra ouvir os meus gritos.

Assim que Luigi sai eu olho pra Noa.

- Não vai ir gritar na cozinha também?

Mas ele me surpreende quando puxa a cadeira de frente pra minha e se senta me olhando.

- Bom, já que sua amiga não veio, eu pensei em te fazer companhia. O que acha?

Ai meu Deus.

Tá, vou aproveitar e pôr em prática aquilo que Frank me disse.

- Acho ótimo.

Ele abre um sorriso pra mim.

- Posso sugerir o vinho?

Concordo com ele e Noa faz um gesto pra um garçom jovem que passa perto de nós.

- Rondo, traz pra mim uma garrafa de Lafite tinto, safra de noventa.

O rapaz abre um sorriso e se retira.

- E então, o que achou do lugar?

Dou uma boa olhada em volta e aprecio o restaurante. É todo em linhas clássicas, toalhas brancas, paredes em marrom e bege, pé direito alto e vários lustres lindos no teto. As poltronas de couro marrom e preto compõem o lugar, e no lado esquerdo um bar com uma bancada enorme de mármore marrom.

- É lindo.

Nós estamos conversando sobre como eles escolheram esse lugar para se instalar, quando uma mulher se aproxima. Ela tem tez azeitonada, olhos grandes e castanhos, um nariz delicado mas ao mesmo tempo pronunciado, os cabelos são castanhos escuros e vão até próximo dos quadris, tem uma boca carnuda e parece uma modelo envolta em um vestido justo de veludo vermelho, que vai até os joelhos e tem um fenda quase indecente.

Ela chega por trás de Noa e dá um beijo na bochecha dele.

- Saudade de você meu amor.

Noa ri fechando os olhos.

- Olha o exagero, você me viu dois dias atrás.

Dou um gole na minha taça enquanto tento disfarçar o desconforto com a situação.

Não é ciúme, é que estou deslocada. Me entende?

- Cadê aquele outro do seu marido?

Meu Deus, os dois tem um caso?

- Está entrando, já disse que quer as lagostas gigantes.

Ela revira os olhos de um jeito exagerado.

- Nossa, dessa vez ele está mesmo com vontade da comida daqui.

De repente a mulher pergunta:

- Não vai me apresentar essa loira linda com você?

Noa olha pra mim e abre um sorriso.

- Claro! Mãe, essa é Alex Jhonson, minha vizinha nova. Alex, essa Esther Webster, minha mãe.

Reprimo o riso. Achei que os dois tinham alguma coisa, ela parece ser muito jovem pra ter um filho desse tamanho.

Só quando Esther sorri na minha direção estendendo a mão pra mim, é que consigo perceber uns poucos sinais discretos de idade.

Os dois não tem nada de parecidos.

Quando um homem alto, do tamanho de Noa se aproxima, eu imediatamente deduzo que é o pai dele. O mesmo tom dos olhos, o mesmo tom do cabelo e o mesmo nariz retilíneo em um rosto másculo. A diferença são os fios brancos surgindo em alguns pontos.

Ele abre um sorriso pra mim e estende a mão pra me cumprimentar.

- Oi, eu sou Félix Webster, prazer em conhecê-la.

Estendo a mão também e me apresento.

Quando os pais dele vão se sentar em uma mesa mais afastada eu não resisto.

- Sua mãe parece muito jovem pra ter um filho da sua idade.

Ele dá uma risada enquanto serve mais vinho que na minha taça.

- E olha que eu sou o mais novo, tá? Rebeca é três anos mais velha do que eu, vai fazer trinta e um no mês que vem.

Nossa, Esther está mesmo conservada. É isso ou foi mãe muito jovem.

- Sua mãe tem uma beleza diferente. Ela não é daqui, não é?

Ele olha pra mim e confirma com a cabeça.

- Minha mãe vem de Israel. Filha de judeus ortodoxos, ela conheceu meu pai quando ele passou um tempo ensinando na faculdade em que ela estudava. Ele é oito anos mais velho que ela, na época minha mãe tinha só dezoito, mas sabia que mesmo que fosse mais velha não iriam permitir que ela se casasse com um estrangeiro. Crente no falso Messias ainda por cima.

Nossa, os avós dele são radicais mesmo!

- Minha mãe até tentou abordar os assunto com a minha vó, mas assim que percebeu o perigo a dona Miriam conversou com meu avô Asher, e eles decidiram casar minha mãe com o filho de um primo de segundo grau. Então a dona Esther fez algo que arrastou o nome da família pelos pátios das sinagogas: ela engravidou fora do casamento, e de um pagão pra eles. E não parou por aí, eles terminaram de morrer, por assim dizer, quando ela decidiu que não ia mais seguir a religião e nem viver de acordo com a Torá. Ela continua acreditando em Deus, mas agora acha que o Messias já veio e que vai retornar em breve.

Isso é que eu chamo de jogar tudo pro alto por amor.

- E como é o relacionamento de vocês com seus avós?

Noa coça o queixo antes de me responder, depois da uma risada baixa.

- Rebeca e eu somos a personificação do que os nossos primos não devem se tornar. Sem exagero, somos usados pelos tios e demais parentes como exemplo para as crianças e adolescentes da família. Ela é uma mulher de negócios que vive enfiada em terninhos e roupas justas como minha mãe, e que muita vezes faz coisas sozinha sem a presença do marido. Mas o pior pra eles sou eu. Sou o homem das panelas, que trabalha em uma cozinha, onde só as mulheres devem comandar na concepção deles. Pra piorar minha mãe colocou em mim um nome que aqui é bem masculino, mas que lá é feminino. Você já pode imaginar o que os homens mais velhos da família dizem sobre mim.

Noa ri e eu não seguro, acabo rindo com ele.

Esse homem não tem nada de gay, de onde pessoal tirou isso?

Ele continua.

- Além do mais, eu não ligo pra comida kosher, nem eu e nem ninguém lá de casa. Preparo e como porco e outras comidas "proibidas" sem problema algum, zero peso na consciência.

Webster me pergunta se eu quero pedir.

- O que me sugere?

Antes que ele possa me responder, Rondo aparece outra vez.

- Noa, eles estão aí.

Noa se vira em direção a porta e franze os rosto.

- Tem certeza?

Rondo confirma com a cabeça e indica de maneira discreta uma mesa com um homem e uma mulher.

- Chegaram às sete e meia em ponto. Ela pediu o menu degustação, ele pediu a carta de vinhos. Ela pediu água e ele meia garrafa de tinto, e eu acabei de retirar o garfo debaixo da mesa.

Noa abre um sorriso enorme para o garçom.

- Vou te dar um bônus de mil dólares esse mês garoto!

Ele parece realmente feliz com o tal garfo que foi retirado debaixo da mesa.

- Luigi já sabe?

- Sabe sim, está quase arrancando os cabelos lá dentro. Ele e Morgan estão até sussurrando pra não correr o risco de quebrar a elegância do lugar.

Noa pega a garrafa de vinho e se vira pra mim.

- Vem, você vai comer no coração da casa.

Estende a mão pra mim e eu me levanto colocando a palma da minha na dele.

Não estou entendendo absolutamente nada, mas ele está tão empolgado que me deixa fascinada.

Nós andamos até a porta da cozinha e assim que entramos eu vejo Luigi olhando tão de perto um prato, que chega a dar angústia.

Ele está limpando as laterais com um cotonete.

Noa me pede pra prender os cabelos, lavar as mãos e vestir um domo branco que ele me entrega. Termino de fazer o que ele me pediu e me sento em um canto da cozinha enquanto o vejo trabalhando com Luigi.

Assim que o prato sai, ele vem me servir um, montado a perfeição. É retangular, branco, e tem quatro pequenas porções de comidas em talheres pequenos para finger food.

Noa aponta cada um e me fala os nomes.

- Palmier de roquefort e nozes. Caponata de beringela. Terrine de queijo com pesto e amêndoas. E Ceviche de tilápia e manga.

Ele pisca pra mim e volta pro movimento frenético da cozinha.

Depois de um tempo volta com o mesmo tipo de prato retangular.

Aponta cada uma das porções outra vez.

- Cervo com laranja, madeira, balsâmico e cogumelos. Costelinha de porco com molho de romã. Wagyu selada no ponto. E salmão com molho de maracujá.

Meu Deus, a comida desse lugar é de fazer o coração acelerar.

Mais um tempo depois ele chega com as sobremesas. Todas elas parecendo obras de arte.

Brilhando de um jeito incrível.

- Rosa de damasco e brigadeiro de pistache. Tiramisu. Mousse de matcha. E frozen iogurte de limão siciliano.

Dessa vez Noa senta do meu lado enquanto eu como.

- Agora você vai me explicar o que está acontecendo?

Olho pro lado e vejo todo mundo relaxando como se tivesse acabado de apagar um incêndio.

Luigi está andando com uma garrafa de whisky na mão e bebendo no bico.

- Aquele casal que Rondo me mostrou, bom, os dois são críticos Michelin. Eles não se identificam na maioria das situações, só quando querem ver a cozinha, mas o comportamento dos críticos do guia é padrão. Sempre em dupla, chegam às sete e meia, menu degustação, um pede água e o outro vinho. O garfo em baixo de mesa é colocado de maneira discreta, sem alarde, uma maneira de testar a atenção dos funcionários com os clientes. A estrela não vem só pela comida, mas pelo atendimento também.

Fico curiosa pra saber mais.

- Então você me serviu o que eles comeram?

Noa diz que sim e eu continuo perguntando.

- Nunca entendi porque uma marca de pneus é envolvida com algo tão sofisticado.

- Bom Alex, lá em 1900 André Michelin queria promover o turismo automobilístico. Carros ainda eram uma novidade, e os pneus dele também. Foi aí que ele teve a idéia de listar os melhores hotéis e restaurantes da França, a coisa toda ganhou uma proporção enorme, e hoje quando se fala de qualidade em pneus e restaurantes, se fala Michelin. A nossa unidade em Paris está no Gourmands, o guia exclusivo de restaurantes franceses, ele também aparece no Vermelho, junto com esse daqui e o da Austrália.

Pergunto a ele se está confiante com a estrela.

- Estou sim, Luigi e eu estamos nos dedicando em tempo integral pra isso. Acho que fizemos o melhor hoje.

**********

Nós acabamos de chegar no prédio, Noa desce no oitavo andar comigo.

Ele segura a sacola de papel pardo com as embalagens de comida, montou um degustação só para Sharon.

- Obrigada pelo jantar, a comida de vocês é incrível.

Ele me encara por uns instantes.

- Eu que agradeço por você ter ido.

Giro a chave na maçaneta e quando me viro pra pegar a sacola com ele, Noa me surpreende e me beija.

Ele para de repente e olha nos meus olhos, não diz nada, só deixa a sacola no chão e me agarra forte. Eu enrosco meus dedos no cabelo dele e correspondo ao máximo o ataque.

Sei que não é o que Frank me aconselhou, mas não dá pra dizer não pra esse homem. Ontem quando eu vi ele sem camisa e todo suado no elevador, quase tive um colapso. Custei a me concentrar na entrevista de emprego que eu participei.

A terapia tem mesmo surtido efeito. Dois meses atrás eu faltava entrar em pânico quando Sharon me falava sobre pegar alguém, e agora estou aqui, agarrada no chef de cozinha gato que mora na cobertura.

Quando Noa me solta eu estou desorientada.

- Me desculpa, mas não deu pra resistir. Tem tempo já que eu queria fazer isso, sua boca é tentadora.

Eita p*rra!

Ele faz um carinho na minha bochecha esquerda.

- Boa noite, Alex.

Sinto minhas pernas vacilando.

- Boa noite, Noa.

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Comments

Raynna melice Santos

Raynna melice Santos

Top demais🥰

2024-09-14

0

Renascida das cinzas

Renascida das cinzas

Uau!!! Nossa autora também é cultura!!!🤗👏🏽👏🏽👏🏽 Não sabia disso. Lendo e aprendendo!!!🥰🥰🥰

2024-08-09

0

Renascida das cinzas

Renascida das cinzas

uau! Que interessante essa história do garfo!

2024-08-09

0

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Atualizado até capítulo 62

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