Portland

Me despeço de Noa quando o elevador para no meu andar. Ele tem uma conversa agradável e é bem educado.

- Obrigada pela companhia.

Ele abre um sorriso pra mim.

- Eu que te agradeço, fui pra tratar de negócios e acabei tendo uma noite agradável.

Entro no meu apartamento e vejo Sharon assistindo a um filme.

- Como foi lá na faculdade?

As aulas pra Sharon já acabaram, eu estou na segunda chamada e hoje fui pra entregar uma quantidade absurda de trabalhos.

- Foi uma loucura, mas consegui entregar todos os meus trabalhos.

- E demorou por quê?

Tiro meus sapatos e me sento do lado dela no sofá. Enfio a mão no pacote de M&M's que ela segura antes de responder.

- Fui tomar um drink naquele bar que você me levou quando eu cheguei aqui. Sempre quis voltar lá, mas vivia com medo antes daquela merda toda acontecer comigo. Sabe quem eu encontrei?

Ela termina de mastigar.

- Quem?

Faço um gesto com o indicador para o teto.

Sharon arregala os olhos.

- Não... o gatão lá da cobertura?

- Uhum, eu já comecei o dia encontrando com ele no elevador. Você sabe que eu dei uma garrafa de vinho pra ele, pois ele me chamou pra bebermos juntos, eu desviei, mas aí nos encontramos de novo. Acabamos bebendo e conversando.

Sharon me submete à um interrogatório, me pergunta sobre tudo que falamos.

- Ele disse pra nós duas irmos no restaurante que ele tem aqui com um amigo.

Me levanto pra pegar alguma coisa de comer na geladeira.

- Olha, um boy cozinheiro, vai te salvar.

Dou uma risada dela.

- Você fantasia demais garota.

Mais tarde, depois do banho, enquanto eu estou lendo um livro na minha cama, meu telefone apita com uma mensagem.

📲 - Só mandando um "oi" pra você salvar meu número. É o Noa 😉

Acho graça do emoji, não tem nada a ver com ele isso, bom, pelo menos não parece que tenha.

Ele me pediu e eu acabei passando, não sei porque, mas passei.

📲 - Tá salvo aqui. Boa noite.

**********

Termino de conferir minha bolsa antes de sair com Sharon. Finalmente eu acabei as provas e estou indo ver minha tia Glória lá em Portland, não contei nada pra ela, quero fazer surpresa. Foram seis semanas me preparando pra isso.

Minha amiga vai comigo porque quero que ela conheça minha tia. Sharon vive do que rende a herança que os pais deixaram, ela só tem a avó materna viva e ela mora Vermont, não está trabalhando ainda, então não vai ter problema em me acompanhar. Nós duas temos cuidado uma da outra, admito que muito mais ela de mim.

- Você vai me levar em todos os lugares lá, não vai?

Digo a ela que vou sim.

Chegamos no hall de entrada e damos de cara com Noa e o homem que estava com ele no elevador quando eu me mudei.

Eu não o vi mais depois daquele dia no bar, não saio muito e fiquei focada nos meus compromissos de faculdade, então não tinha mesmo como esbarrarmos um no outro.

Ele cumprimenta nós duas com um beijo na bochecha. Está usando um terno risca de giz, e está bem cheiroso.

- Vão viajar?

Confirmo com a cabeça antes de responder.

- Vou visitar minha tia, e quero levar Sharon pra conhecê-la.

Noa apresenta o amigo.

- Quero que vocês conheçam meu amigo e sócio, Luigi Piacci. Luigi, essas são Alex Jhonson e Sharon Chips.

O homem alto de cabelos castanhos claros, e olhos pretos, estende a mão e abre um sorriso enquanto nos cumprimenta. Ele fala:

- Quando voltarem vocês precisam ir comer no nosso humilde estabelecimento.

Nós dizemos a eles que vamos sim, é aí que Noa decide dizer:

- Vocês já arrumaram um jeito de chegar até o aeroporto?

Não entendo o intuito da pergunta dele e Sharon responde.

- Vamos arrumar um táxi agora.

Ele me surpreende.

- Não, faço questão do meu motorista levar vocês.

Ele pega o telefone e liga pra alguém.

Depois se vira pra nós duas.

- Vamos até a garagem, Stanley está esperando.

Penso em recusar de um jeito educado, isso é um exagero, mas Sharon se adianta e aceita.

Ela é atirada.

Os dois nos acompanham até a garagem e nos ajudam com as malas.

- Obrigada!

Webster nega com a cabeça.

- Não precisa agradecer, boa viagem. Quando voltar me manda uma mensagem pra eu fazer uma reserva pra vocês duas.

Ele pisca pra mim e eu fico sem jeito.

Durante o caminho Sharon e eu conversamos sobre coisas aleatórias, mas assim que o homem simpático e prestativo nos ajudou com as malas e foi embora do aeroporto, ela resolveu me azucrinar.

- Amiga do céu, aquele homem está afim de você. E muito, do tipo que nem disfarça, aliás, acho que não teria nem como ele disfarçar.

Pior é que eu tenho que concordar com ela, ninguém disponibiliza o guarda costas assim.

- Estou começando a achar isso também.

- E como você vai fazer?

Olho pra ela meio desanimada.

- Não sei, quer dizer, eu não tenho boa experiência com essas coisas. O meu único envolvimento normal foi o que eu tive com Peter quando eu era uma adolescente ainda. As marcas que Will deixou em mim são profundas Sharon, eu não sei se estou preparada pra me deixar levar assim. Provavelmente Noa está querendo algo casual, e o risco de eu não conseguir fazer nem isso é gigantesco.

Ela aperta meu ombro esquerdo de leve.

- Eu te entendo, mas pode ser uma boa. Sei que Frank te disse pra ir com calma em um envolvimento mais sério, mas talvez uns beijinhos não sejam nada mal.

Quando nós entramos no avião eu me pego pensando no que ela me disse e em Noa. Talvez eu deva conversar com Frank a respeito dele, se está me chamando a atenção deve ser mencionado nas minhas consultas.

***********

Quando o táxi nos deixa na frente da casa da minha tia eu respiro fundo. Eu nem sei se ela ainda mora aqui, são tantos anos sem contato.

Bato na porta meio vacilante.

Não demora muito e ela abre, reparo bem na minha tia sentindo meu coração acelerado. Ela não mudou muito nesses pouco mais de cinco anos, apenas algumas rugas que aparecem no canto dos olhos verdes escuros, os cabelos curtos e castanhos estão no mesmo corte. Ela lembra meu pai e eu não consigo conter as lágrimas nos olhos.

Mas Glória está assutada me vendo. Os olhos estão arregalados, de verdade.

- Sou eu tia, a Alex.

Ela toca meu rosto com a mão direita, enquanto franze a testa em uma expressão confusa.

- Não pode ser.

Glória me abraça de repente e bem apertado.

Quando me solta está chorando muito.

- O que foi tia?

Ela nos diz pra entrar e nós a seguimos até a sala de jantar. A casa está um pouco diferente, tem sinais de que passou por uma reforma, e os móveis estão bem diferentes.

Nós nos sentamos na mesa de madeira escura de seis lugares, e ela começa a falar depois de algum tempo me olhando.

- Sete meses depois de você ir embora, quando você parou de me ligar regularmente, eu comecei a tentar entrar em contato, mas nunca conseguia falar. Insisti muito, mas muito mesmo, até que um dia um homem bem vestido apareceu aqui e me disse que era o advogado do seu namorado. Ele pediu para entrar e me entregou uma maleta cheia de dinheiro, me contou que Will estava me mandando o dinheiro que você conseguiu com a venda da casa dos seus pais e mais um pouco, para que conseguisse levar uma vida tranquila. Quando eu perguntei a ele o porquê disso, o homem me disse que você havia sofrido um acidente de carro, estava dirigindo sozinha a noite e seu carro despencou em um desfiladeiro lá em San Antônio, e explodiu.

Ah, miserável. Ele inventou que eu morri pra ela parar de me procurar.

- Não entendo porque um homem tão bom como Will mentiria desse jeito. Ele me deu o suficiente pra ficar bem, você sempre falava tão bem dele nas ligações.

Fecho meus olhos e inclino um pouco a cabeça pra cima. Quando olho pra minha tia outra vez eu resolvo falar.

- Will era um monstro tia. Ele se manteve no personagem por seis meses, me tratou muito bem por esse tempo, depois me fez prisioneira. Esse dinheiro que ele mandou não foi por ser bonzinho, por se preocupar com a senhora, já que me dava todos os meses uma boa quantia pra te mandar. Ele fez isso pra que a senhora não fosse atrás de mim, não desse dor de cabeça. Inventou a minha morte e teve esse ato de generosidade fingida, pra te deixar quieta aqui achando que ele era hum homem bom que se preocupou com mesmo depois da minha morte.

Espero que Will esteja ardendo no inferno!

É horrível pensar assim, eu sei, mas não vou ser hipócrita aqui.

Sem demagogia, ele mereceu o que teve!

- E como você escapou dele?

Conto pra ela tudo, até Wolf.

- Eles não voltam mais tia, estamos livres. Todos nós que fomos envolvidos por aqueles dois malditos, finalmente estamos livres.

Depois de conversar bastante com ela, Glória faz o jantar enquanto nos instalamos em dois quartos no andar de cima. Sharon fica no de hóspedes e eu vou para o que era meu quando morava aqui. Fico surpresa em ver que minha tia o manteve bem próximo do que era, está com uma pintura nova, o teto está trabalhado com gesso e tem uma luminária bonita no teto, mas é a mesma cama de ferro fundido e pintada de branco, o mesmo armário antigo que ganhou uma pintura branca também. Os ursinhos estão na cama, junto com a boneca de porcelana loira de olhos azuis que ela me deu quando cheguei aqui com doze anos de idade.

Essa eu vou fazer questão de levar.

Tomo um banho e troco de roupa, bato no quarto de Sharon e nós duas descemos pra comer.

Encontro um homem de cabelos grisalhos e olhos escuros, meio rechonchudo, ele usa uma calça de alfaiataria cinza e um suspensório preto em cima da camisa branca de botões, com as mangas dobradas.

Está ajudando minha tia na cozinha, prepara uma salada.

- Ah, que bom que vocês duas desceram. Esse é Herbert, meu marido.

Fico chocada que ela está casada e com um homem mais próximo da idade dela. Minha tia sempre gostou de garotões. Sinto um arrepio na espinha só de lembrar do fulano que ela namorava quando eu era adolescente.

Nojento!

Herbert abre um sorriso e estende a mão para cumprimentar à mim e Sharon.

- Prazer em conhecê-las, principalmente você Alex. Glória sempre me falou de você com muito carinho, sentiu muito sua falta durante todo esse tempo.

Me sento na cadeira.

Herbert parece ser um homem gentil, e eu fico feliz por Glória.

- Prazer é todo meu Herbert. Há quanto tempo estão juntos?

Ele mistura as nozes com a rúcula enquanto me responde.

- Namoramos por um ano e dois meses. Temos dois e oito de casados.

Sinto um alívio por ela não ter ficado sozinha por muito tempo.

Ele me pergunta onde estou morando agora.

- Moro em Nova York, mais precisamente, em TrieBeCa. Vou esperar a visita de vocês, ganhei um apartamento lindo e espaçoso, dá pra recebê-los muito bem. Prometo que até lá vou aprender a cozinhar, se não conseguir, lugar é o que não falta. Barraquinha de rua é o que mais se tem naquele lugar.

Ele dá uma risada junto comigo.

- Você faz o que da vida Herbert?

Ele me diz que tem um mercadinho e que foi assim que conheceu minha tia

Nós batemos um papo agradável e eu estou extremamente grata por ver minha tia de novo.

*********

- Tem certeza de que quer fazer isso?

Olho para Sharon e dou uma inspirada forte.

- Tenho sim.

Nós duas seguimos pelo gramado do cemitério bem conservado. Tem quase um mês que estou aqui, usei esse tempo pra matar a saudade de velhos amigos, muitos deles se assustaram ao me ver viva, acreditavam mesmo que eu tivesse sofrido um acidente. Também providenciei um espaço decente em um cemitério particular da cidade, nós não tínhamos grana pra isso quando papai se foi e eu fiquei na pior quando minha mãe decidiu que era hora de sair de cena. Agora eu posso, e vou fazer isso pelos dois, aliás, já fiz. Paguei vinte mil dólares no jazigo perpetuo, e mais dez mil pra remover os dois de onde estavam.

Estou trazendo quatro dúzias de rosas amarelas. Quero tudo florido e bonito para os dois. Amava papai e ainda o amo com todas as forças. Já minha mãe, por mais que não tivemos um bom relacionamento, ela ainda assim era minha mãe. Sei que sofreu muito, jamais vou poder medir o quanto, só sei que foi tanto que ela não suportou continuar sentindo, por isso também merece um bom lugar de descanso.

Aproveito que estou aqui e faço o que Frank me aconselhou pra fazer. A perdôo de verdade. Mas de verdade mesmo. E isso é libertador.

Durante as minhas sessões eu descobri que também tinha que perdoar meu pai, é estranho, não é? Eu sequer sabia que carregava um sentimento de acusação por ele, e isso desde criança ainda. Foi meu psiquiatra, com a infinita delicadeza dele, que me mostrou isso. Eu vivia esperando por meu pai abandonar minha mãe e me levar embora, não entendia que se ele ainda estava ao lado dela, era por amor. Um amor estranho, machucado por tudo, mas no fundo era amor. Depois fiquei suprimindo o sentimento de abandono por parte dele, como se ele tivesse escolhido morrer vítima de um assalto.

Me descobri uma Alex egoísta, que foi capaz de desenvolver isso no subconsciente, mas desenvolvi.

Depois entendi que mamãe também amava meu pai, do jeito torto dela, mas amava. A sobriedade a levou a perceber que ele jamais voltaria. Acho que no final foi a perspectiva de anos e anos sem ele, que a empurrou para aquele triste fim.

Amanhã nós vamos voltar e eu quero só passar em frente a casa em que morei por anos com os dois.

**********

Ando devagar pela calçada e vejo que a fachada foi toda reformada e a casa foi pintada de branco com as janelas de azul. O jardim da frente foi recuperado, e eu consigo ver alguns brinquedos espalhados pela grama.

Passo a mão direita pela grade da frente lembrando de quando brincava de pega pega com meu pai.

**********

Estou no meu quarto, sentada na minha cama e minha tia está comigo.

- Eu preparei isso aqui pra você. Tem fotos da vó, do seu vô, dos seus pais, de você criança.

Abro um sorriso pegando o álbum grande. Eu tenho pouquíssimas fotos de famílias, acho que umas cinco só.

Isso aqui pra mim é ouro!

É branco com arabescos em dourado e a primeira foto que vejo são dos meus pais juntos, sentados na grama, comigo bebê em uma piscininha de plástico apropriada pra minha idade.

- Você tinha dez meses nessa idade. Verona era tão alegre nessa época, e Alexander babava em você vinte e quatro horas por dia.

De fato, ele me fazia sentir especial.

Meus pais decidiram que se fosse um menino o bebê se chamaria como o senhor Jhonson, como eu acabei vindo, eles me batizaram de Alex.

Dou um abraço em Glória.

- Orbigada por tudo tia, por ter cuidado de mim, por ter me recebido agora, e por ter me dado esse presente maravilhoso.

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Comments

Renascida das cinzas

Renascida das cinzas

Quando a gente faz terapia, a gente descobre essas coisas... eu descobri coisas sobre mim também que eu nunca, por mim só, iria descobrir que sentia. E isso é gigante!!! Acho que todo mundo deveria fazer terapia um dia...

2024-08-09

2

Júlia Caires

Júlia Caires

tenho certeza que essa viagem foi fundamental no processo de cura de Alex. Unindo todas as pontas soltas

2024-06-17

1

ARMINDA

ARMINDA

MUITO BOM .QUE LIBERTADOR PRA ALEX . VER SUA TIA E TUDO DE ONDE ELA MORAVA.

2024-05-04

1

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Atualizado até capítulo 62

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