Will voltou pra me assombrar

Já tem alguns dias que estou instalada no apartamento novo. Fiz compras por um aplicativo e o porteiro recebeu pra mim, ele foi orientado por Paco a não deixar nenhum entregador ter contato direto com meu apartamento por pelo menos seis meses. Ele é o tipo de policial atento e paranóico.

Tenho um retorno médico daqui alguns dias e estou nervosa por sair, mas não posso deixar de ir. Fiquei com lapsos de memória e estou fazendo um acompanhamento com um neuro.

Sinto tanta raiva daquele tal de Egon e sou imensamente grata porque Paco o mandou para o quinto dos infernos.

Coloco um vídeo no YouTube e acompanho uma receita de frango chasseur. A campainha toca e eu confiro no olho mágico, abro um sorriso enorme.

- Oi, Shonda!

Ela virou uma grande amiga minha.

- Oi, Alex. Está cozinhando? Você disse que não leva jeito pra cozinhar.

Passo o trinco na porta e giro a chave.

Ela se senta na bancada da cozinha colocando a arma na ilha.

- Tenho que me virar, passou da hora de aprender.

Sirvo uma taça de vinho rose pra ela.

- E como está Megumi?

Grayves suspira antes de me responder.

- Está se recuperando, foi barra. Não ia me perdoar jamais se ela não saísse dessa, ela e Lacey só se meteram nisso por minha causa. Além delas eu coloquei Manson em risco de vida outra vez, o tal do Croupier cravou de bala a porta do quarto dele no hotel. Um inferno!

Me sento de frente pra ela enquanto o frango cozinha.

- Nossa, dessa eu não sabia.

- Pois é Alex, esse Wolf é perigoso de verdade. Procurado por gente demais, tem capangas demais e é rico demais. Eu espero que consigam pegar ele, porque esse homem é muito mau, de verdade.

É, parece que Will não era o pior da família. Isso é horrível, só de pensar.

Mudo de assunto.

- E as provas na faculdade, como ficaram?

Ela abre uma sorriso pra mim.

- Mês que vem, vão abrir uma segunda chamada pra você. Vai ser uma semana inteira de provas Alex, mas foi o melhor que consegui fazer.

- Está ótimo assim, Grayves. Não sei nem como te agradecer por tudo que fez por mim desde que acordei.

Shonda segura minhas minhas e olha bem nos meus olhos.

- Sendo feliz, seguindo em frente. Eu reparei que você e Manson tinham um lance mal resolvido, vi o desconforto dos dois, mas agora parece estar tudo bem, então vou dizer pra que você siga nessa linha em sua vida e continue resolvendo os seus problemas.

Ela me diz que quer estar presente nas minhas conquistas e eu fico feliz porque fiz mais uma amiga.

***********

- Tudo certo?

Sharon olha pra mim quando termino de calçar as sapatilhas. É a primeira vez que vou sair do apartamento, a consulta chegou.

Sinto um frio na barriga.

- Tudo. Vamos lá, antes que eu desista.

Pegamos o elevador e quando saio na portaria eu sinto todo o sangue fugir do meu corpo, acho que minha alma está saindo, me dando tchau.

Um carro preto 4x4 passa do outro lado da rua, o vidro do banco de trás se abaixa e eu o vejo.

E ele!

Ele voltou, nem o satanás quis esse infeliz, expulsou ele do inferno com toda a certeza.

Will abre um sorriso perverso pra mim. É do jeitinho que eu lembrava, apesar de achar que tem cem por cento a mais de maldade agora.

Ele me dá um tchau antes de subir o vidro.

Eu paraliso, sinto meu coração acelerado. Estou suando frio.

- O que foi Alex? Você está gelada, suando e tremendo.

Sento na calçada não me importando com o fluxo de pessoas que passa, o apartamento que Martín me deu depois que Wolf depenou minhas contas fica em um ponto próximo aos comércios, então é meio movimentado por aqui.

Abraço meus joelhos e balanço meu corpo pra frente e pra trás.

- Will voltou pra me pegar. Ele acabou de passar naquele carro do outro lado da rua. Ele vai me levar prisioneira outra vez, Sharon, não deixa isso acontecer. Por favor, não deixa isso acontecer!

Estou surtando aqui e não estou tendo controle algum do meu corpo que está tremendo violentamente. Achei que estava progredindo e ao invés disso estou retrocedendo.

Ouço uma voz masculina e desconhecida.

- Posso ajudar em alguma coisa?

Sharon está desesperada.

- Ah, por favor. Ela está tendo uma crise nervosa, será que você pode me ajudar a levá-la para o hospital?

De repente eu percebo um par de braços em um terno claro me envolvendo.

- ME SOLTA, EU NEM TE CONHEÇO!

Sharon me pede pra ficar calma, eu não consigo fazer isso. Escuto a voz de novo.

- Eu sou seu vizinho, pegamos elevador juntos outro dia.

Olho pra ele que está me colocando no banco de trás de um Lexus sedan e prateado.

- Eu sou o Noa.

Tento mirar o foco nele e até acho que já o vi, mas estou tão nervosa que não consigo ter certeza. Noa tem o cabelo cor de avelã e olhos azuis de um tom cinza, um nariz retilíneo e um rosto de feições másculas. Não tem barba.

Não demora muito e nós chegamos no hospital. Eu continuo travada e tremendo, ele me pega outra vez no colo e me leva pra dentro.

Logo estou deitada em uma cama, enfiada em uma roupa hospitalar e sentindo os efeitos do sossega leão que me deram.

**********

Acordo meio grogue e olho pro teto.

💭 Merda! De novo?! 💭

Reconheço o padrão do teto do hospital.

Olho pra frente e vejo Martín em pé fazendo um gesto de silêncio pra mim.

Automaticamente eu entendo que se eu disse algo de errado vão me dopar outra vez.

A enfermeira mexe em mim e depois o médico vem me avaliar. Digo a ele que estou mais calma e está tudo bem, quando ele sai de dentro do quarto, os dois policiais entram.

Martín me consola, ele tenta me convencer de que eu vi errado, afinal de contas, ele próprio providenciou a encomenda de alma de Will, mas eu sei o que vi. EU SEI!

Me diz que vai me indicar para o psiquiatra dele e eu acho ótimo isso, se eu quero sair dessa merda eu preciso de um profissional, e pelo que eu entendi, ele tem experiência em lidar com os traumas que Will deixou em Martín.

Ele me abraça apertado e enquanto eu choro pra aliviar o meu coração.

- Está tudo bem aqui?!

Sharon aparece na porta do quarto junto com o cara que me ajudou. Diz que Paco a avisou que eu havia acordado. Estou p*ta com ela que incomodou os dois por minha causa, mas depois eu me acerto com a senhorita Chips.

Martín me solta do abraço e se levanta da cama.

- Estávamos conversando sobre as coisas em comum.

Minha amiga me olha preocupada, e acho que é por causa do meu estado emocional e do abraço que presenciou. Então me apresso em dizer.

- Está tudo bem sim, eu estava precisando desabafar com quem passou pelo mesmo que eu.

Ela confirma com a cabeça enquanto Manson se retira do quarto.

Olho para o homem parado me observando, está vestindo um terno azul escuro hoje, tem as mãos nos bolsos e uma expressão amigável no rosto.

- Você é Noa, não é?

Ele abre um sorriso pra mim.

- Sou sim, fico feliz de te ver bem.

Estou morta de vergonha, minha convivência com os vizinhos começou péssima.

- Muito obrigada por me ajudar.

- Imagina, eu fiz o que qualquer um faria. Eu não vou me demorar, só vim pra te ver. Até mais, Alex.

Noa sai do quarto e minha amiga se senta perto de mim.

- Está tudo bem mesmo?

Digo a ela que está sim e que não precisa se preocupar.

- Por que ligou pra Martín?

Ela revira os olhos.

- Eu não sabia como agir, ele é o único que te entende nessa merda toda. Ainda demos sorte que ele já estava pra voltar, me disse que estava em lugar longe.

Dou um suspiro desanimado.

- Ele vai me mandar o número do psiquiatra dele.

Sharon franze a testa pra mim.

- Ele comentou comigo mesmo, só que não levei fé. Parece tão forte e centrado.

Olho pra ela confirmando com a cabeça.

- Pois é, pelo que entendi em um dia que conversamos quando ainda estava internada, ele tem umas consequências bem barra de tudo que rolou com ele. De qualquer maneira eu vou aceitar a ajuda, isso que aconteceu comigo ontem é prova mais do que suficiente de preciso disso.

**********

Leva dois dias pra eu conseguir sair do hospital. Martín mandou instalar uma quantidade absurda de fechaduras na minha porta, maníaco por proteção, cheguei nessa conclusão.

Depois de me despedir dele e de Paco eu pego meu telefone.

📲🔊 - Alô, é do consultório do doutor Franklin Moses?

📲🔊 - Boa tarde, é sim. Em que posso ajudar?

📲🔊 - Ele me foi indicado por um paciente, o detetive Manson. Estou ligando para separar um horário de consulta remota, eu sou Alex Jhonson.

📲🔊 - Ah sim senhorita Jhonson, Frank me disse que você ligaria. Tenho horário nas segundas e quartas a noite, você pode escolher qual prefere, a princípio você se consulta com ele uma vez por semana, assim que Frank conseguir analisar a raiz do seu problema, vocês combinam se precisa de mais, tudo certo?

📲🔊 - Tudo bem, pode ser quarta, às oito. Tem esse horário disponível?

Ela me diz que sim e que está marcado.

Desligo a ligação e olho pra frente. Está difícil me manter serena com essa história que aconteceu, mas eu não quero cair. Eu nem posso fazer isso.

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