Estou sentada na sala de casa tomando um café é dando uma olhada nas vagas de emprego. Eu sei, eu não preciso trabalhar, mas não vou passar o dia inteiro atoa, ou então batendo perna na Quinta Avenida pra gastar dinheiro. Embora eu esteja precisando fazer isso, vou começar a trabalhar e eu sempre usei coisas mais joviais, os vestidos de alta costura e mais sofisticados eram usados só nas saídas com Will. Sempre em eventos clandestinos.
Deixei todas aquelas peças pra trás, aquilo me embrulhava o estômago.
Talvez eu não vá mesmo na Quinta, onde tudo é um deslumbramento só, mas em um bom centro de compras com várias lojas de departamento boas, eu vou. É mais próximo do que eu gosto. Sei que dinheiro é bom, ô se é! É ele que me proporciona o conforto em que vivo hoje, isso não dá pra discutir. Mas eu vivi por anos cercada de um luxo e conforto sujos, o dinheiro do Will era mais do ilícito, era arrecadado com sangue e lágrimas, e não só sangue dos homens que trabalhavam pra ele, sangue de muito inocentes até. As lágrimas? Todas de mães desesperadas por perder e enterrar os filhos cedo demais.
Vivi por muito tempo com ele e sei que Will era especialista em destruir sonhos, em arrancar a vontade de viver das pessoas. Ele fez isso comigo por muito tempo. Mas foi só quando a notícia da morte dele saiu nas páginas policiais, é que eu tive dimensão real do que ele era, sempre se manteve discreto quanto ao ser o líder daquela gangue maldita, mas ele já era conhecido no meio. O dia em que ele e Martín se cruzaram pela primeira vez ele estava iniciando o negócio de imigração ilegal, levou um prejuízo gigantesco e todos os parceiros dele foram presos. Ele não destruía só os meus sonhos, destruía os de desconhecidos também, várias pessoas morreram nas fronteiras, e Vincent, quando chegou, e aquele velhos babões continuavam extorquindo os familiares dessas pessoas.
Pensar nessas coisas faz eu me sentir desconfortável demais. Morei, comi, bebi e vesti a dor de incontáveis pessoas. Talvez até agora eu esteja fazendo isso, esse dinheiro e a casa que eu tenho são fruto da maldade de Will, também. Mas saber que foi um dinheiro vingado, e muito bem, diga-se de passagem, me deixa tranquila.
Dou um suspiro enquanto rolo a tela do tablet. Quando me candidato em três vagas diferentes para editoriais de moda, eu me levanto pra tomar banho.
É quarta feira, tenho uma consulta com Frank e hoje decidi que vou falar sobre meu interesse por Noa. Acabei pensando nele algumas vezes enquanto estava visitando minha tia, que ele chama a minha atenção é fato, não posso negar, mas não sei como lidar com essa situação.
Saio do banho e me aprontou pra começar a consulta.
Frank aparece com o mesmo ar cordial de sempre.
- Como foi a volta pra casa?
Abro um sorriso pra ele.
- Foi boa, bem tranquila.
- Conseguiu fazer tudo o que queria?
Ele está me perguntando sobre o lance do perdão.
- Consegui, ajeitei tudo para eles e voltei com a minha mente limpa e coração aliviado nessa parte.
Frank ajeita os óculos e abre um sorriso pra mim.
- E então, sobre o que você quer falar hoje?
Olho um pouco pra baixo e depois o encaro por uns instantes em silêncio.
- Bom Frank, eu acho que estou tendo interesse por uma pessoa.
Ele franze a testa e inclina a cabeça pro lado direito.
- Acha?
- É... tenho pensado nele as vezes e parece que tem também um certo nível de interesse em mim. Só não sei como agir nessa situação, fico pensando no que você me disse e também se eu mesma estou preparada pra isso.
A ruga na testa do meu médico continua.
- Me conte quem é, e como conheceu essa pessoa.
Respiro fundo e conto tudo pra ele, nos mínimos detalhes.
- Olha, pelo que entendi, você quer o meu aval para ir em frente?
Me pego pensando se é isso mesmo que quero, se preciso de uma opinião positiva do meu psiquiatra sobre isso pra seguir em frente.
Frank percebe que estou ponderando sobre o que ele acabou de falar.
- Alex, você é uma mulher adulta. Eu não estou aqui pra decidir sua vida por você, pelo contrário, estou aqui para encoraja-la a fazer isso sozinha e usando de inteligência emocional. Minha posição quanto a relacionamentos sérios você já tem, mas parece que seu interesse nessa história é pra ver como se sairia em algo casual. Estou certo?
Confirmo com a cabeça.
- Será que sou capaz pelo menos disso?
Frank tira os óculos. Eu já reparei que ele faz isso todas as vezes que chegamos no ápice da consulta. É o cacoete profissional dele.
- Esse é um ponto que você só vai esclarecer se resolver tentar. Está progredindo Alex, a cada semana que passa você está mais confiante e desfazendo um nó do seu emaranhado pessoal. Confesso que achei que precisaria até de mais tempo, e de pelo duas vezes na semana comigo, mas está me surpreendendo. O seu interesse por Noa é sinal claro de que sua autoestima e autoconfiança estão se acendendo aí dentro, e de um jeito que nunca foram acesas. Vou te sugerir um exercício mental, quero que faça isso e veja se vale a pena arriscar em uma casualidade com ele ou com qualquer outro, se a resposta for sim aí no seu íntimo, você decide se prossegue ou não.
Pergunto a ele qual exercício.
- Quero que você se olhe no espelho todos os dias e enumere suas qualidades, pelo menos três. Isso tem que ser feito em voz alta. Depois disso quero você pondere sobre a pessoa que está interessada, se ela consegue se equiparar ou ter mais que você.
Não seguro a risada.
- Frank, meu julgamento é péssimo. Me interessei duas vezes seguidas por homens errados, fantasiei demais, principalmente com Will. É meio que óbvio que sou uma estúpida pra essas coisas. Não sei se meu senso crítico é confiável.
Ele me encara sério. Tipo, sério mesmo.
Enquanto anota no bloquinho ele diz:
- Auto depreciação adicionada nos pontos a serem trabalhados.
Ah, que ótimo, estou acrescentando ao invés de eliminar.
Ele continua.
- Esse exercício é justamente para afiar seu senso crítico, Alex. Se as pessoas tivessem o hábito de observar quem vira alvo de desejo delas antes de se envolver de fato, eu não teria tantos pacientes aqui nesse escritório com problemas de cunho sentimental. Todo mundo deveria ter esse hábito, independente de ser traumatizado ou não. Quero que você faça isso pra te ajudar a se enxergar como a mulher deslumbrante que é, tem pouco mais de dois meses que você é minha paciente e a cada vez que surge nessa tela eu tenho notado sua mudança de postura, vai por mim, você vai notar também.
Será?!
- *Não estou dizendo que nunca vá ocorrer de você conhecer um cara na balada, por exemplo, por quem vai se interessar e acabar tendo uma noite pura e simplesmente pelo fato de querer só s*xo. Mas aí vai ser algo rápido, sem maiores consequências depois, mas com Noa não. Vocês moram no mesmo prédio, vai correr o risco de encontrar com ele sempre. Você precisa ter certeza de que ele vai se tornar um amigo, vamos dizer, diferenciado, e não um imbecil pedra no seu sapato e inimigo da sua terapia*.
Mais uma vez Frank tem razão. É arriscado fazer isso sem ter a certeza.
- Tudo bem, vou fazer sim.
Ele abre um sorriso pra mim.
- E quanto a área profissional? Já pegou o resultado das provas?
Nós mudamos o curso da conversa e eu me distraio.
**********
É quinta feira a noite.
Olho para o celular na minha mão.
Já tem um tempo que saí do banho, estou enrolada na toalha e sentada na cama pensando no que Frank me disse na consulta de ontem. Martelei o dia inteiro sobre isso.
Se eu preciso observar Noa tenho que vê-lo, não é?
Já está um pouco tarde, mas não vou conseguir dormir se não fizer isso, noite passada já foi difícil.
Decido arriscar.
📲 - Oi, passando só pra dizer que já voltei. Está me devendo uma reserva, senhor Webster.
Me pego batendo os pés no chão de ansiedade. Isso me assusta. Não é sinal de inteligência emocional.
Respiro fundo e deixo o telefone na mesinha de cabeceira. Me levanto para pegar uma camisola no closet e escuto o celular apitando.
Abro um sorriso, mas não vou responder agora, nem vou abrir. Eu queria ter coragem pelo menos pra mandar a mensagem, já que tive estou aliviada.
Vou me controlar agora e responder o senhor Webster só amanhã. Isso é pra mim mesma, pra me mostrar que eu não sou nenhuma desesperada.
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Atualizado até capítulo 62
Comments
Júlia Caires
que mulher controlada é essa gente
2024-06-17
1
ARMINDA
🤭🤭🤭🤭🤭 MAS TAVA ANSIOSA ESPERANDO RESPOSTA.
2024-05-04
2
Maria Pinheiro
Muito legal essa conversa dela com o psiquiatra. Esse exercício vai ajudá-la a reforçar a auto-estima .
2023-05-03
3