Com os cumprimentos do senhor Wolf Montenegro

Tem um mês que eu estou em Nova York. Fiquei uns dias em um hotel até conseguir um apartamento, depois consegui um ótimo senhorio que já aluga os imóveis mobiliados.

Consegui resolver minha transferência toda remotamente e isso foi ótimo, mas eu sei que só consegui isso porque a notícia da morte de Will saiu em vários lugares. Se ele estivesse vivo não ia ter ninguém pra me ajudar. As pessoas na faculdade sabiam quem ele era. Estou me preparando para assistir as aulas de hoje.

Eu fiz uma amiga aqui, a primeira que eu faço que não seja ligada a nada escroto e nem a minha outra vida.

- E aí gata?

Sharon tem um cabelo cacheado lindo e a pele bem clarinha. Ela adora vestidos com cintos marcando a cintura, tem um de cada cor. Tem uma personalidade divertida e é bem mais pra frente que eu, ainda estou me soltando no mundo. Sharon é três anos mais nova que eu, entrei na faculdade um pouco mais tarde e como curso no turno da manhã, a maioria absoluta dos alunos está em idade regular. Nós estamos no último ano, a diferença é que ela cursa direito.

- Oi, tudo bem?

Nós duas andamos pelo campus da faculdade juntas, e ela me pergunta:

- Como estão as coisas, já conseguiu acompanhar a turma?

Faço uma cara de desespero fingido.

- Custou várias noites de sono, mas consegui.

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Peguei pouco mais de trezentos e oitenta mil dólares do cofre de Will. Não era tudo dinheiro físico, muito daquilo era títulos ao portador que equivalem a ouro, então eu vendi. Os euros eu troquei em casas de câmbio aos poucos pra não chamar a atenção e enfiei tudo em um banco. Tem me rendido uma quantia razoável por mês, o suficiente pra pagar aluguel, a facul, e me manter. Tenho feito algumas entrevistas em jornais, quero ser uma colunista e manter as pessoas informadas.

Engraçado que eu já tinha o sonho de fazer jornalismo antes de conhecer aquele infeliz, mas foi só depois de ter a liberdade cerceada, e enfiada em uma redoma de vidro por anos, é que eu descobri que quero manter as pessoas informadas, e quero mais ainda ter liberdade de falar e escrever o que eu quero.

Está tudo muito bem, mas de vez em quando eu me pego pensando Martín. É um inferno isso. Queria odiar ele, queria mesmo, mas infelizmente a mágoa não é maior do que o sentimento bom no meu peito. Eu não sei quanto disso é verdade e quanto disso é fantasia, apego sabe, ao que ele me proporcionou. Vocês podem até estar pensando: "p*rra, mas que garota burra! Foi um sábado só". Acontece que quando se é completamente infeliz e se vive o que eu vivia, você acaba se tornando uma pessoa carente. É o que eu sou. Não que eu esteja louca pra estar com outra pessoa, isso está longe, eu não confio em ninguém, aliás, em ninguém daqui. A pessoa que eu confiaria não vai mesmo aparecer e ficar comigo, então eu vou seguir sozinha por enquanto, isso já está decidido na minha mente, mas não me impede de sentir falta de amor e carinho. Muito embora sejam coisas com as quais eu não tenha tido contato por muito tempo eu sei que são boas e que fazem muita falta, eu só tive do meu pai e já fazem muitos anos.

Tem também os pesadelos com Will. Sempre sonho com aqueles olhos verdes vindo me pegar na escuridão, é tudo tão real, sinto a dor dos tapas, o nojo de ter que me deitar com ele e tudo o mais. Sempre corro e tomo um banho pra me lavar da sensação ruim, queria mesmo é lavar ele e essa merda toda minha mente.

Tenho me preparado pra ver minha tia Glória assim que eu puder. Não quero que ela me veja na pior, e também não quero sair daqui no meio das aulas, está tudo muito conturbado já. Então vou usar esse tempo pra me preparar.

**********

📲🔊 - Escuta amiga, você não vem mesmo pra balada?

Já tem um tempinho que estou em NY. Sharon segue tentando me fazer seguir o curso, mas eu ainda não estou pronta pra balada. Nós saímos pra muitos lugares legais juntas, ela é uma amiga muito boa pra mim e eu quero de verdade retribuir o que ela faz, só estou pensando ainda em como vai ser uma saída dessa. As únicas boates em que estive na vida foram de pr*st*ição, não faço a mínima ideia como é esse lance de só sair pra dançar.

📲🔊 - Não vou não, Sharon. Estou cheia de coisas pra estudar.

Ela resmunga do outro lado da linha.

📲🔊 - Você é muito careta, tem alguma coisa aí que não me contou ainda.

Ela tem razão, não sabe de nada da minha vida. Só contei a ela sobre meus pais. Sharon pensa que eu cansei de viver em Portland com as lembranças dos dois, por isso vim pra cá.

📲🔊 - Não tem nada disso. Escuta, vem amanhã aqui em casa, a gente resolve o que fazer. Talvez um cinema?

📲🔊 - Tá, tá bom senhorita Jhonson.

📲🔊 - Te espero, senhorita Chips.

Resolvo pedir uma pizza. Ainda estou aprendendo a cozinhar, eu sei, eu sei, tenho quase vinte e seis anos e não sei fritar um ovo direito, mas era o meu pai que cozinhava a noite e eu só aquecia a comida. Depois fui morar com a minha tia e ela sabia que eu tinha que me virar muito sozinha, não me deixava fazer muitas coisas, quando voltei pra casa da minha mãe a grana era curta e a gente vivia de macarrão instantâneo e comida congelada.

Sharon tem me ajudado nessas coisas, mas depois que eu me formar vou procurar um curso de culinária para iniciantes. Não dá pra viver assim.

A campainha toca, em questão de minutos eu estou envolvida em uma merda sem tamanho. O entregador se enfiou no meu apartamento, está me levando pro quarto.

💭 Meu Deus, eu vou ser est*pr*da💭

Não, de novo não!

Pensei que coisas forçadas tivessem ficado pra trás.

Tento fazer barulho pelo apartamento, mas não tem ninguém morando em baixo de mim, eu estou no térreo.

Ele me joga no chão e me dá o primeiro soco.

Quando o segundo soco me atinge, eu o escuto dizendo:

- Com os cumprimentos do senhor Wolf Montenegro.

Esse homem não vai me violentar, ele vai me matar!

Apanho muito até não ter outra alternativa, a não ser, para de resistir e me entregar pra morte.

***********

Tenho a sensação de um soco no rosto.

💭 Com os cumprimentos do senhor Wolf Montenegro 💭

Puxo o ar de uma vez e me levanto assustada.

Percebo que estou presa a um monte de fios, todos conectados em aparelhos médicos.

- Alex, calma. Eu estou aqui, sou eu, a Sharon.

Olho pro lado e vejo minha amiga vestindo uma calça jeans clara e uma blusa florida de alcinhas. Ela tem uma expressão aliviada, mas ao mesmo tempo cheia de incerteza.

- O que aconteceu comigo?

Ela me pede pra esperar que vai chamar alguém.

Quando volta, ela se posiciona ao meu lado na cama hospitalar.

- Você foi atacada no seu apartamento. Eu fui te visitar como combinamos e te encontrei em uma poça de sangue, os médicos me disseram que por mais um pouco você não sobrevivia. Amiga, você ficou uma noite inteira desacordada, foi espancada.

Ah, que merda!

- Por quanto tempo eu apaguei?

- Um mês.

Não consigo segurar o choro.

Pensei que estivesse livre. Eu juro que eu pensei.

Sharon me abraça.

- Alex, me conta o que aconteceu. A polícia disse que nada foi levado do seu apartamento, você não foi violentada. O que seria razão pra te fazerem isso?

Olho pra minha amiga.

- Sharon, tem coisas na minha vida... eu... eu me envolvi com pessoas ruins. Talvez até eu mesma não seja boa, se fosse não teria caído na situação que me levou a chegar até aqui...

Somos interrompidas por um médico de meia idade.

Ele se apresenta e me explica o que aconteceu.

- Bom Alex, você sofreu vários traumas na face e na cabeça. Perdeu uma quantidade razoável de sangue, e não vou mentir, esteve muito perto da morte. Mas fico feliz de te ver bem e já conseguindo conversar. Nós vamos dar continuidade no seu tratamento aqui, e aí veremos como vamos proceder com sua alta médica.

Ele sai do quarto e eu ainda fico um tempo em silêncio.

- Anda Jhonson, desembucha.

Ah meu Deus...

Não posso esconder mais essa história, ou eu corro o risco de perder a única pessoa que está do meu lado nesse momento horrível.

Me viro pra Sharon mais uma vez.

- Tudo começou quando eu me vi sozinha no mundo e tive que recorrer a dançar em uma boate com o vulgo de Pandora...

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