Eu ...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
— Florbela Espanca
POV MADELINE
Acordei com meu irmão no meu quarto. Peguei o celular da mesa de cabeceira, vendo que era 6:00, eu acordo 6:30 para ir para escola, então ainda tinha meia hora de vantagem. Daniel me estudou profundamente a medida que alimentava meu filhote com uma mamadeira. Eu me sentei na cama, enquanto assistia a cena. Eu ia tomar a mamadeira das mãos dele, mas meu irmão não deixou e apenas me avaliou.
— Continue dormindo. Ele estava miando e acho que era de fome. Deixe que eu conheça meu sobrinho e o mais novo integrante da família. — Ele pediu do jeito habitual e insondável dele.
Eu apenas permiti o analisando com Dante. Como Dante parecia gostar dele pelo modo que se jogava no colchão rolando e até mostrando a barriga, eu deixei.
Procurei por Dantalion, mas não o vi em nenhum lugar. Aonde será que ele vai quando não está comigo? Claro que ele tem a vida dele, mas ontem não fizemos amor e ele só bebeu meu sangue. Ele deve estar chateado.
Senti o dedo indicador de meu irmão mais velho no vale das minhas sobrancelhas e o estudei sorrindo.
— Pare de franzir essa testa ou vai ganhar rugas mais cedo. — Daniel chamou minha atenção.
— E as namoradas? — Eu perguntei sem resistir.
— Sei lá. E os namorados? — Ele revidou com um sorriso provocativo e eu me calei e o fuzilei com os olhos. E eu soube que assim como esse assunto era delicado para mim, era para ele. Mesmo ele sendo um protótipo extremamente atraente de homem por seu trabalho com papai nas férias de verdão, carregando madeira. O cabelo dele era dois tons mais claros que o meu e de um castanho mais puxado para o avermelhado. — Sean disse que seu gato o mordeu. Achei bem feito para o pirralho. — Comentou Daniel de repente. Eu ri e ele também. Então, ele me analisou sério e me tocou no rosto. — O padre Adam tem perguntado por você. — Comentou comigo e algo no olhar dele me inquietou, como se soubesse tudo o que ando fazendo. — Eu tenho tido sonhos com você. Sonhos perturbadores irmã.
— Que tipo de sonhos?
Daniel limpou a garganta. Os olhos dele continuavam nos meus.
— Eu quero largar engenharia. — Ele desabou mudando de assunto e tirando sua mão calejada do meu rosto. — Estava pensando em começar teologia e fazer seminário. Os sonhos me mostram muito pessoas possuídas, eu sinto que devo virar um exorcista. Conversei com mamãe e ela gostou bastante da ideia. Te confesso que achei estranha a empolgação dela considerando que o orgulho dela era eu poder competir com Rebecca. Mas essa manhã quando falei a ela do assunto ela disse algo do tipo: “ Se é o que o seu coração pede, então faça. Melhor perder o mundo inteiro do que sua alma. Pelo menos um de vocês não está perdido.” Sabe. por acaso, o que ela quis dizer com isso? Casou bem no momento dos sonhos. Você tem alguma confissão a fazer a Deus, Mad?
— Eu tenho curtido uns lances wicca. — Menti para ele. — Acho que agora ela pensa que bebo sangue de cordeiro e ofertei minha alma ao inferno. — Eu brinquei.
— Jesus te ama. Por favor, não esqueça disso. Você... você pode ter se perdido, mas Jesus morreu por você e o sangue dele cobre tudo. — Daniel ia começar o discurso dele. Eu amava isso quando eu acreditava em Jesus, mas agora eu só me irrito.
Não é aversão ao sacrossanto. É só que Deus parece que escuta uns e outros não. Eu nunca me senti acolhida por Jesus como me sinto por Dantalion. Mesmo Dantalion me manipulando, eu ainda me sinto amada e especial. Com Jesus só me sentia um lixo.
— Daniel, com todo o respeito... mamãe escolheu o nome de um anjo para você e você sempre sentiu mais Deus do que eu. — Eu falei séria e sentindo ligeira inveja dele ser um menino de ouro, não como Rebecca, era outra coisa. Não era só inteligência, era sabedoria e tanta graça e bondade. — Eu não quero desrespeitar sua crença, mas por favor, não me imponha a sua. Isso é injusto. — Eu senti essa parte defensiva dentro de mim. — Deus te ouve. — Eu resmunguei sentindo as lágrimas se formarem em meus olhos pela rejeição. — Ele só me ignora e acha que ensinar através do sofrimento e ausência é legal. Não sou a porra de uma masoquista como Cristo era.
— Olha a blasfêmia, Madeline. — Daniel reclamou atordoado.
— Ah querido irmão, você não tem mesmo ideia do que é blasfêmia. — Eu constatei e ri. Lambi os lábios saboreando o choque nele. O toquei no rosto e o fitei seriamente. — Você realmente não sabe o que é blasfêmia se só isso te incomoda tanto. Eu sou capaz de dançar nua com Satã só para ver se um raio cruza o céu e caí na minha cabeça. Aí eu sentiria que pelo menos assim Deus dá a mínima para mim. Se não pelo amor, pelo ódio. Não é isso o que dizem?
Daniel tirou minha mão do rosto dele, como se minha mão o queimasse, o peito forte dele subia e descia e ele desviou os olhos dos meus. O estudei confusa. Por que ele está agindo assim? Me sinto Salomé agora.
Dante se esfregava no meu irmão de um modo muito surpreendente, como se gostasse profundamente dele como de mim. Daniel acariciava a cabeça de Dante com afeição gentil que ele tinha com todos os animais, ele até tem tentado parar de comer carne porque acredita que tudo tem alma. Não entendo bem porque Dante gosta tanto de Daniel, sendo que meu irmão pertence a luz sem dúvida. Dante deixa as pessoas o tocarem, mas nunca é assim tão carinhoso com ninguém além de mim. Até meu gato prefere meu irmão a mim.
— Seu filho é fofo. — Daniel avaliou com um sorriso gentil para mim, que desfez minha raiva e ciúme. — Cuide bem dele e não seja irresponsável como é com tudo que não te interessa. Você é inteligente, mas tão preguiçosa. — Repreendeu meu irmão, beijando minha testa e então minha bochecha. — Não se esforça com nada que não te excita e é sempre guiada pelas paixões.
— E isso é ruim por que? Amar o que eu faço é um crime? — Eu revidei. Ele sempre me tira da minha zona de conforto.
— Não. Mas... você não pode fazer só o que ama. — Daniel explicou com a paciência cristã irritante.
— E quem disse? Por que tenho que me submeter a ordem e a disciplina só para agradar outras pessoas? — Eu revidei sem me segurar.
— Porque você não é uma ilha e não está isolada do mundo, por mais que tente se isolar, Madeline. Por que é tão teimosa?
Esse maldito tem sempre respostas inteligentes e filosóficas. Irritante sabe tudo.
— Te amo tanto. — Ele falou calmo e beijou minha testa várias vezes. — Pare com esses lances que assustam a mamãe. E me deseje sorte quando falar com o pai sobre desistir de engenharia para me tornar padre. Ele vai querer me matar.
— Peça para seu maravilho Deus tocar no coração bronco de papai. — Eu deixei esse amargor escapar sem querer.
Daniel suspirou e tocou meu lábio com o dedo indicador como se pedisse para eu me calar. Eu senti sua mão em meu cabelo.
— Eu te amo tanto, sabia disso? — Ele falou com os lábios contra minha testa e os olhos dele se encheram de lágrimas. — Eu farei de tudo por você e por sua alma. Lutarei e até o fim. Você é aquela que tem meu coração além de mamãe. Vocês duas são as únicas mulheres que amarei por toda a minha vida. Inclusive agora que tomei a decisão de me tornar padre.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 82
Comments