Fome

Ser concebido através do Verbo? Como seria isso? Mãe infernal?! Madeline tentou entender o plano dele. Mas não fazia sentido. Por que ele só não entrava no corpo de alguém e fazia o que queria?

Analisou o janelão de vidro, vendo o reflexo dele novamente ao seu lado. Dessa vez, não se assustou. Seu corpo inteiro estremeceu se lembrando dos toques ousados que recebeu.Deixou os olhos escuros encontrarem os rubros dele sem o horror de antes. Sentiu as garras pretas em seu cabelo e sentiu o afago distraído dele no seu cabelo com corte chanel. Relaxou um tanto sob o afago carinhoso. E ele apenas sorriu para ela gentilmente. Madeline sorriu de volta. Não era um sonho era? Por que ele agia tão carinhoso sendo o que era?

“ Mestre. Por que só não possui um corpo humano?”

Devia prestar atenção na aula, Mad. O professor é chato, mas não quero uma seguidora burra. E você tem dificuldade em cálculos. Precisa dessa…

“ Seria mais fácil o corpo humano, mestre. Não entendo porque precisa de mim. Como te invoquei sem cuidado, pode só me possuir e viver. Eu não tenho muito amor a minha vida mesmo.”

Deveria ter. Mesmo tendo nascido sem pedir ao criador, houve vários mínimos detalhes para que você pudesse existir. A vida é uma dádiva por si só, não porque o criador a deu a você, mas porque na luta para viver você teve a chance que muitas almas não tiveram de nascer. Seja grata por isso e para de tentar dar fim a ela. Quanto a possessão… Não sou um tipo simplório de demônio buscando sentir as sensações humanas porque estou entediado. Um corpo com energia yin como o seu me enfraqueceria já que minha energia é yang. Possuir só possuir é burrice. Só possuir, como você descuidadamente oferta, causa muitos efeitos colaterais como os do filme exorcista. Mesmo quando estamos na mesma vibração e com você tendo um talento mágico invejável de criação, ainda não estaria em toda minha força. Posso ser expulso do corpo com qualquer mera prece ao altruísta masoquista que gosta de sangrar numa cruz em prol de uma humanidade falha. Quero um corpo meu nesse mundo , com todo meu esplendor e poderes.Quando se tornar famosa e minha história for lida por milhões, e eles me adorarem através da sua magia , Mad. Eu terei um corpo físico. E o mundo será nosso.

“ E se ninguém ler. E se…”

Eles vão te amar e me amar, minha mãe infernal.

“ Não quero ser sua mãe, mestre”

Mad apenas sentiu o beijo em seus lábios.Era suave. Uma leve pressão gostosa.

Modo de falar, querida. Vai me conceber através das suas palavras e isso te faz uma mãe de certa forma.

Mad analisou a mão em seu cabelo ir para seu pescoço. A garra preta enorme que era unha dele raspou no pescoço alvo e elegante dela e fez um corte, o que a fez se remexer na carteira laranja sem graça da sala de aula. O ser passou a língua no filete de sangue que escorreu sem intenção de ser sensual, mas Mad suprimiu um gemido primitivo e tapou a boca, envergonhada. Ninguém percebeu. O demônio analisou-a e beijou-a novamente nos lábios como um amante. Moveu com a mão o queixo dela para longe da vidraça e a fez olhar para o quadro cheio de cálculos.

Agora preste atenção a aula. A mãe de todos os pecados será você. Acostume-se a alcunha desde já minha adorada bruxa.

“ Sim, mestre.”

Boa menina.

Madeline ofegou. Apenas sentiu um beijo em seu cabelo e em sua testa. Os recebeu sentindo-se acolhida mesmo que pela escuridão. Sentiu então o abraço quente e acolhedor dele. Não ousou olhar para a vidraça novamente se focando nos cálculos no quadro sem realmente prestar atenção.

…

Fome! Fome! Fome!

Sua cabeça doía de tanta fome. Madeline suspirou analisando o lanche do refeitório, esperando pacientemente na fila e seguindo todos os protocolos. Quando finalmente chegou sua vez e ia encher sua bandeja, Todd tomou sua frente e a empurrou.

— Baleias não precisam comer, precisam? — Todd zoou com ela tomando a frente da fila, se servindo. Era seu vizinho. O odiava profundamente.

O garoto derrubou a bandeja das mãos dela.

Madeline suspirou. Ele tinha razão, não é? Se ela não comesse podia ser magra como Samanta e Katherine. Virou de costas tentada a recuar.

Ia desistir da comida, quando, de repente, o rapaz desconhecido pegou outra bandeja e a estendeu. Os olhos do menino eram de um verde intenso. Ela podia jurar que ele não estava ali antes.

— Coma! Não fique com fome por causa de idiotas que não sabem esperar na fila como todo mundo. Você fez tudo certo e agora recua numa coisa que é direito seu? É sempre tão fraca?

Ela assentiu aceitando a bandeja do rapaz. Quando Todd ia falar mais algo, sangue começou a sair do nariz dele e uma lâmpada do refeitório estourou horrendamente. Madeline arqueou a sobrancelha.

Quando se focou no lugar onde o menino gentil estava, ele havia sumido. A bandeja que ele a estendeu era real porém. Será que estava mais maluca do que pensou? O que foi aquilo? Por que parecia que estava sendo protegida? Era o demônio aquele menino? Por que ele tomou partido em algo tão trivial? Por que se disfarçou de humano e a ajudou?

Todd começou a entrar em pânico porque o sangramento nasal não parava. Madeline o ignorou abertamente enquanto os amigos dele se horrizavam com a jaqueta amarela e preta do time de futebol americano se enchendo de sangue, e ela foi se servir.

Todd era um garoto bonito e forte, tinha o cabelo loiro, olhos azuis e a pele bronzeada. Ele e Madeline costumavam brincar quando crianças até ele se tornar um atleta idiota que contava vantagem sobre as garotas. Ele não parecia em nada com o sensível garoto de antes.

Mas agora tinha o demônio agindo tão protetoramente. Por que ele tomou partido em algo tão simplório? Ela podia ter ficado sem comer. Por que a protegia até nisso? Nesse simples ato que a fazia se sentir tão horrível!

Por que deve ficar sem comer para ser aprovada por eles? Eu te prometo o mundo e você mesma cancela suas vontades por medo de ser julgada. Tanto poder desperdiçado numa figura insegura que nem você, Mad! Quanto desperdício. Se anula até sua fome apenas para não criar conflito, como pretende lidar com a fama que me pede? Pare de deixar os outros te validarem como algo útil. É você tem que se achar útil e acreditar em você!

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