02

David Peterson

Vivi no inferno por tanto tempo, que esqueci como é bom estar no céu.

Quando entrei para o exército, eu tinha duas finalidades e uma era lutar pelo meu país. Eu lutei, mas o longo processo deixou marcas em mim. Vi pessoas vivendo em condições precárias, crianças em meio aos tiroteios, mulheres chorando debruçadas sobre os corpos de seus maridos já mortos... Enfim, lugares sem uma segunda chance, onde a sorte estava lançada. Comíamos enlatados e passávamos noites sem dormir, esperando o mínimo som dos inimigos.

Apesar de ter que confiar no grupo de homens com que convivia, eu tinha que zelar pela minha própria vida. Se por ventura eu fechasse meus olhos por cinco minutos, eu já era. Foram longos dias sobrevivendo a cada ataque e se comunicando com minha família por internet. Porém, nem tudo era horrível. Quer dizer, nós homens tínhamos divertimento. As mulheres que contratavam para tirar nosso estresse não eram beldades, mas serviam para alguma coisa.

No entanto, com os anos passando, a diversão já não se fazia tão presente. Às vezes me dirigia para uma das tantas tendas posicionadas para nós, somente para ter uma bebida e foi em um desses dias que resolvi deixar meu trabalho e me aposentar de vez da vida que levava.

Era tarde da noite quando saí da minha barraca vestido com a calça em tom verde e uma camiseta branca. O rádio tocava baixo do lado de dentro de uma tenda preta e podia se ouvir as risadas dos homens. Mal pude entrar no ambiente. Um cara bêbado saiu pela frente e assim que me viu, decidiu me usar como apoio. Tentei desviar, mas o bastardo caiu em mim, me levando ao chão.

Foi então que houve uma explosão. O lugar deveria ser tranquilo e protegido, mas por algum motivo não estávamos seguros. A tenda voou com o fogo e a pressão do ar. O zumbido alto como uma buzina de navio martelando em meus ouvidos causava pontadas de dor em minha cabeça. O cara sobre mim havia desmaiado, sua camisa estava queimada assim como os braços expostos. Sacudi a cabeça buscando equilíbrio e empurrei o homem que caiu desacordado para o lado. De um jeito surreal ele salvou minha vida. Levantei ficando sentado e olhando ao redor.

O caos parecia ter se instalado. Homens corriam e gritavam de dor, alguns com calças e camisas em chamas. A cada minuto uma voz se calava. Era o inferno sobre a terra.

— PROCUREM UM LUGAR SEGURO!

PODE HAVER MAIS! VÃO! VÃO! NÃO FIQUEM

PARADOS SEUS MOLEQUES! — gritou o

Tenente de outra base e me levantei ainda tonto.

Pode haver mais... Outras bombas.

Isso se repetia em minha mente e eu só pensava na minha família, como todas as outras vezes que eu sofria um atentado de surpresa. Corri rápido para um lugar seguro, já decidido no que fazer.

Meu Capitão não estranhou meu pedido de saída. Tenho trinta e três anos e uma longa jornada no exército. Estava na hora de parar. Meus pais ficaram felizes, assim como meus irmãos. Eles eram o outro motivo que me levou ao exército, de ser um exemplo.

Porém, voltar para a casa me deixou inquieto.

Estava mais acostumado com o silêncio do que a barulheira da cidade. Buzinas, sons altos, gritos de criança, avião passando... Tudo, qualquer som era alto demais e perturbador para mim. Até alguns filmes e documentários me deixam conturbado, como no dia seguinte da minha chegada.

Papai procurava um filme na sala e eu estava distraído folheando alguns papéis quando de repente, metralhadoras dispararam aumentando minha frequência cardíaca. Pulei sobre meu pai o protegendo, mas minha força acabou o machucando. Eu sabia que não seria fácil se livrar desse tormento, por isso eu regularmente ia a um psicólogo.

Foi assim que minha mãe vendo meu tormento teve a ideia de me mandar para um lugar mais calmo, assim não ficaria exposto a tantos barulhos e aos poucos meu cérebro se adaptaria de que não estava mais em uma guerra. Meu psicólogo gostou da ideia, mas não deu certeza de melhora. Eu ficaria longe das sessões e podia ser que eu não conseguisse controlar meus nervos e ataques, isso o preocupava. Dei razão ao que ele disse, porém, eu desejava um lugar mais tranquilo para ficar. Com o tempo, arranjaria um jeito de ir para as consultas.

É por isso que estou em uma fazenda, neste exato momento, encostado em uma parede, esperando ansiosamente que Jennifer receba minha mão estendida.

Quando minha mãe, falou da fazenda Dunnes, fiquei meio receoso de vir, afinal de contas não conhecia as pessoas e eu desejava ir para um lugar sem ninguém. Já havia escutado ela falar de Mary e que tinha uma filha. Lembro do dia em que minha mãe comentou que foi até Portland confortar sua família, pois o pai/marido havia falecido. As duas ainda se falam e não houve nenhuma negativa da parte de Mary em me aceitar.

Claro que ao chegar, não me arrependi nenhum pouco. Fiquei muito agradecido pela hospedagem e pela visão maravilhosa que tive há poucos minutos. Nunca passou pela minha cabeça que a melhor amiga de minha mãe tivesse uma filha tão linda. Óbvio que eu sabia que Jennifer Dunnes não passaria de uma amiga. Estou detonado demais para uma relação agora, e ela não merece ser enterrada no meu pesadelo.

Obstáculos! Isso é o que se deve fazer para evitar algo mais a frente, porém, eu seria um otário se não tivesse ficado excitado com tal aparição, apesar de ela estar com uma maldita calcinha de cachorro, para mim estava sexy como um demônio! Não deveria estar pensando nisso enquanto ela me olha com a cabeça esticada e olhos castanhos curiosos, eu não deveria, nem sequer, estar atrás de coisas que lembrasse a cor de seus olhos, no entanto uma avelã se assemelhava.

— Fique à vontade para se sentar no sofá. — diz firme e baixa o olhar para seu corpo, engulo a vontade de esticar meu pescoço para ver também e desço minha mão solitária após ela negar o aperto.

— Eu vou trocar de roupa.

Jennifer correu para um dos quartos talvez pensando que eu pudesse olhá-la enquanto estava de costas. Acontece que com ela senti a necessidade ser um cavalheiro e não um canalha. Sabia que ela estava com dúvidas sobre mim, por isso faço exatamente o que ela mandou e volto para o centro da sala sentando no sofá.

Percorro com os olhos o espaço mais uma vez. É uma sala grande e elegante, com móveis em lugares específicos. Televisão à frente, mesa de centro e poltronas em companhia com o sofá, atrás de mim está a mesa para refeições e mais atrás a cozinha, separada apenas por um balcão.

Uma casa com estilo próprio, mas charmosa. Ouço passos incertos e olho vendo Jennifer surgir do corredor, agora de calça jeans e uma camisa quadricular, típica de fazendeira. O rosto tinha um leve rubor e nem um pouco de maquiagem. É linda ao natural e com certeza chama atenção de muitos rapazes isso incluía a minha. Por que diabos eu estou nervoso? É apenas uma mulher, não é como se eu nunca tivesse visto uma.

Não uma como esta, caçoou minha mente.

Definitivamente, não uma como esta.

— Me desculpe à invasão. — antecipo rapidamente. — Sei que só deveria vir daqui umas semanas, mas decidi vir antes.

— Sem avisar? — indaga com uma sobrancelha erguida enquanto senta longe de mim.

Eu não tenho cara de maníaco, tenho?

— Eu tentei ligar. — defendo-me com pressa. — Liguei para o número de Mary e o número daqui, mas não tive respostas. Achei que não fosse ter ninguém em casa até você aparecer, apesar da porta estar aberta.

— Hmm... — ela parece ponderar e me sinto nervoso novamente. — Esqueci de trancar a porta quando entrei.

Abri minha boca para recriminá-la por ser tão irresponsável em deixar a porta aberta, mas fechei rapidamente. Sou um estranho, como posso reclamar de algo? Ela ficou em dúvida se continuava a falar devido minha quase não intromissão e optou por continuar levando em consideração meu silêncio.

— Eu liguei faz pouco tempo para minha mãe e ela surpreendentemente atendeu.

— Devo dizer que tentei ligar apenas uma vez? — indago com culpa, mas também não sou de ficar insistindo. Achei que ela estaria aqui quando chegasse.

— Sua mãe ligou para a minha avisando, mas a minha não me ligou. — continua e a vejo ficar relaxada momentaneamente. — Ela pede desculpas por não estar aqui.

— Eu não tenho que desculpar nada. — sorrio gentilmente. — Pelo contrário, eu agradeço muito por vocês terem permitido que eu ficasse.

Sem esperar pelo que acontece em seguida, ela sorri e de algum jeito me sinto melhor. Depois dos constrangimentos, vejo como é seu sorriso. Eu não deveria ficar olhando, mas a maneira que seus lábios foram puxados chamaram minha atenção. Sorrio acompanhando-a e me sinto descansar. Eu havia mencionado procurar obstáculos, não?

— Não foi nada, anos no exército deve acabar mesmo com qualquer um. — ela diz gentil com algum temor.

— Te garanto que não é fácil, mas, por favor, não fique sentida, foi minha escolha. — comunico e recebo um acenar.

— Bem, minha mãe só poderá vir daqui duas semanas. Ela acabou de ir para Seattle onde fica nossa maior fazenda de produção então...

— Vou procurar uma pousada na cidade mais próxima. — a interrompo com entendimento e levanto-me com minha bagagem na mão. Seus olhos crescem diante da minha decisão saindo da poltrona em seguida para ficar de pé. — Até mais Jenny!

Sorrio uma última vez e ando em direção a porta me esfaqueando por dentro. Por que diabos eu disse que iria embora? Provavelmente é o que ela pediria não? Não seria adequado ficar na mesma casa que uma mulher que me tenta todo o tempo só de me olhar com aqueles malditos olhos. Eu havia sim pensado em obstáculos e não, com certeza não virei nenhum virgem... E com certeza não estamos no século XIX! Ela poderia ser uma boa companhia e eu poderia colocar de vez na cabeça que ela é filha da melhor amiga de minha mãe. Sim... Poderia muito bem ficar tranquilo por um tempo e certamente não iria morrer de ter que compartilhar metade do dia com ela.

Ela tem a própria vida aqui, e eu ficaria somente quieto fazendo de tudo para não observá-la e não imaginá-la com uma calcinha de cachorro. Isso não faz um pingo de sentido. Eu sou um homem, não a porra de um adolescente!

Argh, porque eu disse que iria embora?

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Comments

Sarah Mylla

Sarah Mylla

kkkkk tô amando👏👏👏👏

2024-06-11

0

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