Capítulo 19 - A Flor na Gaveta

Capítulo 19 – A Flor na Gaveta

Era uma manhã morna, com a luz do sol invadindo o quarto de Haru através das cortinas finas. O dia parecia comum, mas Haru acordou com o peito apertado, como se estivesse sonhado algo que não conseguia lembrar, mas que deixara um peso estranho dentro dele.

Ao seu lado, Kaori dormia profundamente, a respiração suave e os cabelos espalhados pelo travesseiro. O relógio marcava pouco depois das sete da manhã, e o silêncio ainda dominava a fundação.

Haru se levantou sem fazer barulho, vestiu uma blusa leve e atravessou o corredor em direção à sala de estudos. Lá, em uma das estantes, havia um velho caderno que ele escondia do mundo — não por conter segredos perigosos, mas por guardar a parte de si que ele ainda não sabia como mostrar.

Ele o levou para o quarto e, antes que Kaori acordasse, abriu a última página escrita. Leu o que havia escrito na noite anterior: “Há algo no sorriso dele que desmonta as muralhas. E, por um instante, me faz querer ser alguém melhor.”

Engoliu seco. Queria entender por que escrever sobre Akira era tão... natural.

Fechou o caderno, o olhar caindo sobre a pequena gaveta da mesa ao lado da cama. Abriu-a devagar e, com cuidado, retirou um papel dobrado. Dentro dele, prensada e seca, havia uma flor.

Uma flor branca, pequena, quase desbotada.

Era a mesma flor que Akira lhe dera semanas antes, numa noite em que a tensão entre eles ainda era densa, carregada de ressentimento e desejo contido. Akira a havia deixado sem dizer nada, apenas apoiando-a no caderno de Haru como quem pede desculpas sem usar palavras.

Haru não jogara fora.

Pelo contrário, a guardara ali — como se aquilo fosse o único gesto puro em meio ao caos da vida deles.

Enquanto observava a flor, sentiu a porta se abrir atrás de si.

— Você sempre acorda cedo assim? — Akira perguntou, encostado no batente da porta, os olhos ainda sonolentos.

Haru fechou a gaveta com pressa.

— Não sabia que já estava acordado.

— Eu escutei passos. — Ele se aproximou devagar. — Algo te incomodou?

Haru hesitou, depois balançou a cabeça.

— Só acordei com a cabeça cheia. Normal.

Akira se sentou na beirada da cama, observando-o com atenção.

— Você tem escrito bastante.

— Me ajuda a entender o que tô sentindo.

— E você entende?

Haru deu um sorriso fraco.

— Às vezes. Outras vezes, só escrevo pra desabafar.

— E eu apareço muito nesses textos?

— Mais do que eu gostaria.

Akira riu, genuinamente.

— Fico feliz em saber que ocupo espaço na sua cabeça. E, talvez... no seu coração.

Haru não respondeu de imediato. O silêncio entre eles estava carregado de significados que nenhum dos dois ousava tocar diretamente.

Akira, então, se inclinou um pouco mais.

— O que tinha naquela gaveta?

— Curioso?

— Sempre. Principalmente sobre você.

Haru mordeu o lábio inferior, o olhar fixo na madeira do móvel.

— Era uma flor.

— Uma flor?

— A que você me deu, no dia em que Kaori cortou o joelho no beiral da calçada.

Akira piscou algumas vezes, surpreso.

— Eu nem achei que você tinha ficado com ela.

— Pois é. Guardei.

Silêncio. Mas era um silêncio gentil.

— Você é mais sentimental do que parece, Haru.

— Eu tento não ser. — Ele suspirou. — Mas você... bagunça tudo.

Akira sorriu de leve, depois se aproximou ainda mais. Seus joelhos quase tocavam os de Haru.

— Talvez eu esteja tentando reorganizar, não bagunçar.

— Às vezes, parece a mesma coisa.

— Mas você ainda guarda flores. Isso me dá esperança.

---

Mais tarde, naquele mesmo dia, Haru saiu para comprar frutas. Precisava espairecer — e ficar longe de Akira por uma ou duas horas para conseguir organizar os próprios pensamentos.

Enquanto escolhia maçãs em uma banca da rua de baixo, ouviu uma voz conhecida.

— Haru?

Ele se virou. Era Hanae, uma das vizinhas mais antigas da fundação. Uma mulher idosa que sempre cuidava de Kaori com carinho.

— Olá, senhora Hanae.

— Como você cresceu, meu filho. Mas continua com esse olhar distante.

— Isso é bom ou ruim?

— É... verdadeiro. — Ela sorriu. — Ainda tem escrito?

Haru ficou surpreso.

— Como a senhora sabe?

— Vi você com aquele caderno velho anos atrás. Você sentava na varanda e escrevia por horas. Sempre pensei que tinha alma de poeta.

Ele deu um meio sorriso.

— Talvez só alma de alguém que não sabe falar em voz alta.

Hanae o observou com olhos sábios.

— Quem escreve com o coração sempre é ouvido... mais cedo ou mais tarde.

Haru agradeceu, comprou as frutas e voltou para casa com a cabeça girando.

Talvez o que sentia por Akira estivesse, aos poucos, encontrando voz.

---

De noite, ao guardar as frutas na cozinha, Haru notou que a flor havia sumido da gaveta.

Correu para o quarto, abriu a gaveta com pressa — e sim, estava vazia.

Seu coração disparou.

Mas então viu, preso com fita adesiva na parede acima da cabeceira da cama, um quadrinho feito à mão.

No centro, a flor branca, agora protegida por uma fina película de vidro, e ao lado dela, escrito com caligrafia firme:

“Não é só um gesto. É memória.” — A.

Haru ficou parado, o peito apertado, os olhos levemente marejados.

Akira aparecera na porta, encostado, em silêncio.

— Eu queria que ela tivesse um lugar onde pudesse ser vista.

Haru se aproximou. Olhou para a flor, depois para ele.

— Você me transforma, Akira.

— Eu só tiro o que já tá aí dentro. Você que é bonito, Haru. Só não sabe.

---

Naquela noite, no caderno, Haru escreveu:

“Uma flor na gaveta era memória. Uma flor na parede... é coragem.”

Capítulos
1 Capítulo 1 - Encontro no Beiral da Noite
2 Capítulo 2 - Coração em Ruínas
3 Capítulo 3 - O Olhar Que Queima
4 Capítulo 4 - A Sombra e o Menino
5 Capítulo 5 - A Irmã e o Chá de Gengibre
6 Capítulo 6 - Tentativas e Cicatrizes
7 Capítulo 7 - Um Toque no Frio
8 Capítulo 8 - Os Muros de Haru
9 Capítulo 9 - Um Presente Inesperado
10 Capítulo 10 - O Início da Obsessão
11 Capítulo 11 - Tempestade no Mercado
12 Capítulo 12 - A Marca do Passado
13 Capítulo 13 - Silêncio ao Redor da Mesa
14 Capítulo 14 - Sonhos e Garras
15 Capítulo 15 - Primeiro Risco de Sorriso
16 Capítulo 16 - O Inimigo da Esperança
17 Capítulo 17 - No Beiral do Telhado
18 Capítulo 18 - Quando Ele Sorri
19 Capítulo 19 - A Flor na Gaveta
20 Capítulo 20 - Noite de Sangue e Confissão
21 Capítulo 21 - A Verdade Sobre os Pais
22 Capítulo 22 - Raiva em Chamas
23 Capítulo 23 - Entre Golpes e Palavras
24 Capítulo 24 - Um Pedido Impossível
25 Capítulo 25 - No Hospital,ao Amanhecer
26 Capítulo 26 - Promessas e Fragmentos
27 Capítulo 27 - A Cicatriz do Líder
28 Capítulo 27 - O Frio na Mão
29 Capítulo 29 - Proteção ou Prisão?
30 Capítulo 30 - A Primeira Festa
31 Capítulo 31 - Irmã em Perigo
32 Capítulo 32 - O Beijo que Não Devia
33 Capítulo 33 - Um Toque de Medo
34 Capítulo 34 - Festa Sob Tensão
35 Capítulo 35 - Declaração Velada
36 Capítulo 36 - A Guerra Começa
37 Capítulo 37 - O Refúgio de Haru
38 Capítulo 38 - A Queda de Akira
39 Capítulo 39 - Chuva e Confissão
40 Capítulo 40 - Entre Nós,Nada é Simples
41 Capítulo 41 - Gritos no Armazém
42 Capítulo 41 - A Escolha de Haru
Capítulos

Atualizado até capítulo 42

1
Capítulo 1 - Encontro no Beiral da Noite
2
Capítulo 2 - Coração em Ruínas
3
Capítulo 3 - O Olhar Que Queima
4
Capítulo 4 - A Sombra e o Menino
5
Capítulo 5 - A Irmã e o Chá de Gengibre
6
Capítulo 6 - Tentativas e Cicatrizes
7
Capítulo 7 - Um Toque no Frio
8
Capítulo 8 - Os Muros de Haru
9
Capítulo 9 - Um Presente Inesperado
10
Capítulo 10 - O Início da Obsessão
11
Capítulo 11 - Tempestade no Mercado
12
Capítulo 12 - A Marca do Passado
13
Capítulo 13 - Silêncio ao Redor da Mesa
14
Capítulo 14 - Sonhos e Garras
15
Capítulo 15 - Primeiro Risco de Sorriso
16
Capítulo 16 - O Inimigo da Esperança
17
Capítulo 17 - No Beiral do Telhado
18
Capítulo 18 - Quando Ele Sorri
19
Capítulo 19 - A Flor na Gaveta
20
Capítulo 20 - Noite de Sangue e Confissão
21
Capítulo 21 - A Verdade Sobre os Pais
22
Capítulo 22 - Raiva em Chamas
23
Capítulo 23 - Entre Golpes e Palavras
24
Capítulo 24 - Um Pedido Impossível
25
Capítulo 25 - No Hospital,ao Amanhecer
26
Capítulo 26 - Promessas e Fragmentos
27
Capítulo 27 - A Cicatriz do Líder
28
Capítulo 27 - O Frio na Mão
29
Capítulo 29 - Proteção ou Prisão?
30
Capítulo 30 - A Primeira Festa
31
Capítulo 31 - Irmã em Perigo
32
Capítulo 32 - O Beijo que Não Devia
33
Capítulo 33 - Um Toque de Medo
34
Capítulo 34 - Festa Sob Tensão
35
Capítulo 35 - Declaração Velada
36
Capítulo 36 - A Guerra Começa
37
Capítulo 37 - O Refúgio de Haru
38
Capítulo 38 - A Queda de Akira
39
Capítulo 39 - Chuva e Confissão
40
Capítulo 40 - Entre Nós,Nada é Simples
41
Capítulo 41 - Gritos no Armazém
42
Capítulo 41 - A Escolha de Haru

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