Capítulo 9 – Um Presente Inesperado
O sábado amanheceu nublado, mas sem chuva. Haru acordou com um silêncio incomum. O quarto de Kaori, ao lado, estava calmo — e isso já era um alívio. A febre havia passado. A noite anterior parecia um borrão, mas um borrão aquecido pela presença inesperada de Akira.
Ele havia dormido no sofá. Haru se lembrava de tê-lo observado em silêncio, a respiração lenta, o corpo grande demais para o velho estofado gasto. E, por mais que quisesse negar, uma parte dele se sentia... protegida.
Kaori acordou sorrindo.
— Ele ainda tá aqui? — sussurrou.
— Não. Saiu cedo. Deixou uma garrafa de chá quente e um bilhete.
Haru tirou o papel dobrado do bolso e mostrou à irmã. A caligrafia de Akira era firme e bonita. Quase formal.
"Cuidem-se. Volto em breve, se vocês deixarem."
Kaori riu, tossiu e depois riu de novo.
— Ele é bonitinho quando tenta ser educado.
Haru revirou os olhos. Mas também sorriu, contra a própria vontade.
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Naquele mesmo dia, ao sair para comprar pão, Haru encontrou um pequeno pacote em frente à porta do apartamento. Não havia nome. Apenas uma fita preta envolvendo o embrulho com precisão. Ele olhou em volta, desconfiado, mas não viu ninguém no corredor.
Levantou o pacote, sentindo o peso leve. Entrou, fechou a porta com o ombro e abriu com cuidado.
Lá dentro, havia dois itens.
O primeiro era um par de luvas escuras, feitas de couro macio por dentro. Quentes. Novas.
O segundo, um caderno de capa dura, simples, com uma caneta presa ao elástico. Na primeira página, apenas duas palavras, escritas à mão:
“Para quando não couber no peito.”
Haru sentou-se, sentindo um nó apertar sua garganta.
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Ele passou o resto da tarde olhando para o caderno.
Escreveu uma palavra.
Depois riscou.
Escreveu outra.
Riscou de novo.
Por fim, deixou a caneta cair e fechou a capa com firmeza.
Mas não jogou fora.
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À noite, enquanto Kaori dormia, Haru saiu para respirar. O ar estava úmido, o céu encoberto por nuvens cor de chumbo. Andou até o beco atrás da fundação, o lugar onde, dias atrás, Akira o tocara pela primeira vez.
E lá estava ele.
Akira.
Encostado na parede, como se soubesse que Haru viria.
— Você tá virando um stalker, — Haru disse, tentando soar seco.
— Só sei onde você costuma ir quando precisa fugir.
— E como sabe que eu precisava?
— Porque... se fosse eu, também viria pra cá.
Haru ficou em silêncio. Depois tirou o caderno do casaco e ergueu devagar.
— Foi você?
Akira assentiu, sério.
— Não sabia se era idiota demais... mas achei que podia te ajudar.
Haru andou até ele, parando a poucos passos.
— Não é idiota. — murmurou. — Mas me irrita como você sabe o que eu preciso antes de mim.
Akira sorriu de lado.
— Acho que é porque... eu presto atenção.
— Isso não deveria ser perigoso, vindo de um gangster?
— Eu sou perigoso. Mas não pra você.
Haru respirou fundo. Estava cansado de fugir de si mesmo. Cansado de fingir que o toque de Akira não fazia falta, que o cuidado dele não causava uma revolução em silêncio dentro do peito.
— Por que... você me dá tudo isso? — perguntou. — Por que se importa?
Akira hesitou. Depois respondeu:
— Porque você foi o primeiro que não quis nada de mim. Nem respeito. Nem medo. Nem dinheiro. Só queria que eu fosse embora. E mesmo assim... continuou ficando na minha cabeça.
Haru encarou os olhos escuros dele. Viu ali a mesma dor, a mesma ausência, o mesmo peso. E alguma coisa dentro dele cedeu.
— Eu ainda não consigo te perdoar pelo que você representa. Mas... — Haru respirou fundo. — Você me faz querer tentar.
Akira não disse nada.
Apenas sorriu — um sorriso discreto, como quem entende que ganhar espaço dentro de alguém como Haru leva tempo.
Mas ele estava disposto.
E agora, Haru também estava.
Mesmo que fosse só um passo.
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Na volta pra casa, Haru usava as luvas.
E na mochila, o caderno já tinha uma página preenchida.
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Atualizado até capítulo 42
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