Capítulo 5 – A Irmã e o Chá de Gengibre
A chuva voltou fina naquela manhã cinzenta, batendo suavemente contra a janela da clínica. Haru observava o movimento lá fora com os cotovelos apoiados no parapeito e as mãos entrelaçadas. Os olhos estavam cansados, mas atentos.
Kaori dormia tranquila na cama ao lado, finalmente sem febre, o rosto mais corado. A enfermeira dissera que ela teria alta em dois dias, desde que continuasse respondendo bem aos medicamentos.
E tudo isso só tinha sido possível por causa de Akira.
Esse pensamento irritava e aliviava Haru ao mesmo tempo. Ele não queria essa dívida. Não queria olhar para Akira e sentir aquele aperto estranho no peito — mistura de raiva, curiosidade... e algo mais que não ousava nomear.
O silêncio do quarto foi quebrado por uma leve batida na porta.
Haru se virou. Akira estava ali, como se o mundo não o afetasse nem um pouco. Vestia preto de novo — camisa de gola alta, casaco sobre os ombros e aquele olhar constante, firme, que parecia atravessar camadas da alma.
— Trouxe chá. — disse, levantando uma sacola térmica.
— Chá?
— Chá de gengibre com mel. A enfermeira disse que ajudaria com a tosse.
Haru arqueou uma sobrancelha, surpreso.
— Você fez isso?
Akira entrou sem pedir permissão e colocou a garrafa sobre a mesinha ao lado da cama de Kaori.
— Eu cozinhei antes de vir. Peguei a receita com uma senhora da rua de baixo. Ela cuida do meu alfaiate.
— Nunca pensei em você cozinhando, — Haru murmurou.
— Eu não cozinho. Só fiz o chá.
Haru ficou em silêncio por um momento, encarando o gesto. Era pequeno, quase ridículo, considerando o que Akira representava — poder, medo, violência. E ali estava ele, preparando chá de gengibre pra uma garotinha com tosse.
— Você não para de tentar, né? — Haru disse, cruzando os braços.
— E você não para de fugir.
— Talvez eu tenha meus motivos.
— Talvez eu queira entender todos eles.
Os olhos dos dois se encontraram. Haru desviou primeiro, como sempre fazia quando o peso daquele olhar o atingia demais.
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Mais tarde, enquanto Kaori tomava o chá com um sorrisinho de satisfação, ela olhou para Akira com aqueles olhos curiosos que viam mais do que deveriam.
— Você tem irmãos? — ela perguntou, entre goles.
Akira pareceu hesitar por um segundo. Depois, sentou-se na poltrona perto da cama e respondeu:
— Tinha um irmão mais novo.
— Onde ele está?
— Morto.
Kaori arregalou os olhos, e Haru se virou rápido, em alerta.
Akira continuou, a voz calma demais.
— Ele morreu quando éramos adolescentes. Foi atropelado por um carro durante uma briga entre gangues. Ele não era parte de nada... só estava no lugar errado, na hora errada.
Haru engoliu em seco.
— Por isso entrou pra esse mundo? — ele perguntou, a voz baixa.
— Entrei porque queria poder. Pra que nunca mais ninguém que eu amasse fosse atingido por uma bala perdida ou um erro de outros. Mas... com o tempo, você se perde nas sombras que cria.
Kaori estendeu a mão e segurou a dele com delicadeza.
— Eu sinto muito.
Akira sorriu de leve, tocado. Um sorriso verdadeiro, ainda que breve.
— Você é muito gentil, Kaori.
— O Haru-nii diz que eu sou inocente demais.
— Às vezes, a inocência é o que segura o mundo no lugar.
Haru assistia à cena, dividido entre a ternura e a estranheza. Era difícil acreditar que aquele homem, que todos temiam, estava ali... falando de irmãos mortos e servindo chá.
Era mais difícil ainda admitir o que sentia vendo isso.
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Mais tarde, quando Kaori dormia novamente, Haru e Akira ficaram a sós no corredor da clínica.
— Por que contou aquilo pra ela? — Haru perguntou.
— Porque é verdade. E talvez... porque ela me lembrou dele.
Haru o encarou.
— Você é cheio de camadas, Akira.
— E você é alguém que se recusa a olhar pra dentro.
— Porque não quero me encontrar em você.
— Talvez já tenha encontrado mais do que imagina.
O silêncio voltou, pesado. Mas dessa vez, havia uma conexão entre eles. Frágil, tênue, mas real.
Haru abaixou o olhar.
— Obrigado pelo chá.
— Obrigado por confiar em mim... mesmo que só um pouco.
Haru se afastou devagar, sem responder.
Mas no fundo, pela primeira vez, ele sentia que talvez... só talvez... estivesse permitindo que a sombra se aproximasse.
E que, dentro dela, havia algo quente o bastante para aquecer as partes frias e quebradas do seu coração.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
✶Mii-chan✶
Estou no quinto capítulo é já dei mini surtos com as falas do Akira mais de 30 vezes kk
2025-04-17
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