Capítulo 2 – Coração em Ruínas
O céu ainda estava encoberto na manhã seguinte, como se a cidade continuasse presa na mesma tristeza da noite anterior.
Haru acordou antes de Kaori. Seus olhos estavam pesados, não por causa do sono, mas da angústia. Dormira sentado, encostado na parede fria do mercado abandonado, com a irmã em seu colo, enrolada no casaco que o tal Akira havia deixado.
O cheiro do tecido ainda estava ali — uma mistura de cigarro e algo caro demais para ser identificado. Haru o detestava, mas não teve coragem de tirar o casaco de Kaori. Ela dormia com o rosto sereno, e pela primeira vez em dias, não tremia de frio.
Ele desviou o olhar, encontrando o cartão no chão. Preto. Simples. Quase ameaçador. Como tudo naquele homem.
Akira.
O nome pesava nos pensamentos de Haru. Havia algo estranho naquele cara. Não era só a forma como o olhara, como se o enxergasse de verdade. Era também a voz — fria, mas sincera. E aquilo que dissera... interesse. Haru não sabia se sentia nojo, raiva ou confusão.
Ele queria jogá-lo fora. Mas... não jogou.
---
Do outro lado da cidade, Akira observava a fumaça do cigarro se dissolver no ar enquanto pensava em Haru.
— Vai me dizer que tá pensando nele de novo? — disse Ren, seu braço direito, ao entrar na sala.
Akira não respondeu de imediato. Estava de pé, diante da janela de seu apartamento, com vista para os prédios cinzentos que se estendiam como um mar de concreto. Seu olhar estava distante.
— Ele é diferente, — disse por fim.
Ren soltou uma risada curta.
— Diferente? Cara, você tá virando poeta agora?
— Ele me olhou como se já me conhecesse. Como se me odiasse, mas ainda assim... visse algo além.
Ren cruzou os braços.
— E você gosta disso?
Akira deu uma tragada lenta.
— Não sei. Mas não consigo parar de pensar nele.
— Isso é perigoso. Você sabe disso, não sabe?
— Sempre gostei do que é perigoso.
Ren suspirou e se aproximou.
— E o que vai fazer agora? Mandar vigiar o garoto?
— Não. — Akira jogou o cigarro fora. — Vou esperar ele me procurar.
— E se ele não procurar?
Akira virou o rosto, como se a ideia o irritasse. Mas não respondeu.
---
Haru passou o dia tentando conseguir alguma comida. Bateu em portas, lavou pratos em um restaurante barato em troca de um pouco de arroz e peixe seco. Não era muito, mas era o suficiente para dividir com Kaori.
Ela estava mais animada naquela tarde. Sorria fraco, mas sorria. Haru fingia que tudo estava bem, mas por dentro, estava em pedaços.
— Haru-nii, quem te deu esse casaco? — perguntou ela, comendo lentamente.
— Um estranho. Só por uma noite.
— Ele foi legal?
Haru hesitou.
— Foi... gentil. Mas isso não faz dele bom, Kaori.
Ela o olhou com aqueles olhos grandes e confiantes que só uma criança consegue ter.
— Talvez ele só esteja triste também.
A frase o atingiu em cheio. Como se sua irmã tivesse enxergado algo que ele mesmo tentava ignorar.
À noite, enquanto Kaori dormia outra vez, Haru segurou o cartão entre os dedos. O nome ali era simples: “Akira S.”
Não tinha endereço. Só um número.
Ele apertou os lábios.
Não. Não podia se envolver com alguém assim. Era perigoso. Contraditório. Ele odiava tudo o que gangsters representavam.
Mas a fome. A chuva. A impotência...
E o jeito como Akira olhara para ele. Como se tivesse visto sua dor — e não a tivesse virado o rosto.
Haru bufou e enfiou o cartão de volta no bolso.
---
Naquela madrugada, Akira estava sentado sozinho em seu escritório, fitando o celular. O número que dera a Haru não tocava. Nem uma mensagem. Nem uma ligação.
E ainda assim...
Ele esperava.
---
No terceiro dia, a chuva voltou mais forte. Haru teve que buscar abrigo com Kaori em uma estação de metrô desativada. As paredes estavam úmidas. O vento atravessava as frestas. A menina começou a tossir.
Foi nesse momento que o medo venceu o orgulho.
Haru pegou o celular velho que guardava escondido e discou o número do cartão.
O coração batia forte. As mãos suavam.
Chamou uma vez. Duas.
Na terceira, a voz dele atendeu.
— Haru?
A voz era grave. Calma. Como se já soubesse que era ele.
— A Kaori... ela tá mal. Eu não quero nada seu. Não quero ficar devendo. Mas... preciso de ajuda.
Akira demorou um segundo para responder. Depois, disse apenas:
— Onde vocês estão?
---
Quarenta minutos depois, um carro preto parou em frente à estação abandonada. Akira desceu do banco de trás com o capuz da jaqueta cobrindo parte do rosto.
Encontrou Haru encolhido ao lado da irmã, tentando protegê-la com o próprio corpo.
Sem dizer uma palavra, Akira se ajoelhou, pegou Kaori nos braços com uma delicadeza que Haru jamais esperaria de um homem como ele, e levou os dois até o carro.
— Não quero caridade, — repetiu Haru, tenso.
Akira olhou de relance para ele.
— Então encare como um pagamento antecipado por algo que ainda vai me dar.
— E o que seria isso?
Akira abriu um meio sorriso, quase imperceptível.
— Ainda não sei. Mas vou descobrir.
---
Naquela noite, enquanto Kaori era examinada por um médico particular que Akira chamara, e Haru observava de um canto, nervoso e desconfiado, o coração dele se partia um pouco mais.
Porque ele sabia, lá no fundo, que estava se deixando envolver. E odiava isso.
Mas, pior ainda...
Talvez, só talvez… uma parte dele também quisesse.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 42
Comments
✶Mii-chan✶
essa obra tá muito foda é olha que eu ainda tô no segundo capítulo!
2025-04-17
2