Capítulo 6 – Tentativas e Cicatrizes
A chuva cessou, mas o ar ainda estava úmido e pesado quando Kaori recebeu alta. Haru segurava sua mochila enquanto ela pulava ao seu lado, animada por finalmente sair da clínica. Seu riso leve contrastava com o nó constante que se formava no estômago do irmão.
Ele ainda não sabia se era ansiedade ou outra coisa. Algo que tinha a ver com Akira. Com o olhar dele. Com o chá. Com tudo que acontecia rápido demais.
Akira os esperava do lado de fora, encostado no carro preto. Vestia algo mais informal — uma jaqueta de couro surrada, jeans escuros, o cabelo levemente bagunçado pelo vento. Haru queria olhar para outro lado, mas foi atraído de novo.
— Está melhor, Kaori? — Akira perguntou, abrindo a porta do carro.
— Muito! O chá ajudou. Você devia vender!
Akira sorriu. Haru desviou os olhos. De novo aquele sorriso que não parecia combinar com a reputação que o mundo sussurrava pelas ruas.
— Não precisava vir buscar a gente, — Haru murmurou, tenso.
— Eu quis vir. E também... queria conversar.
Haru sabia que vinha algo ali. Algo que não queria ouvir, mas que já esperava.
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O carro os levou de volta à pequena pensão onde estavam hospedados. Ao chegar, Kaori correu para o quarto, animada com um gibi antigo que ganhara de uma enfermeira. Haru e Akira ficaram do lado de fora, sob o toldo, com o cheiro da terra molhada no ar.
— Eu tenho algo pra te oferecer, — Akira começou, direto.
— Já ofereceu demais.
— Não é dinheiro. Nem ajuda.
Haru franziu o cenho.
— Então o que é?
— Um emprego.
O silêncio foi imediato. Haru piscou, confuso.
— Você quer me contratar?
— Não pra gangue. Não pro “mundo sujo” como você costuma dizer. Quero que trabalhe comigo. Legalmente. Na fundação que criamos há anos como fachada — mas que hoje serve pra algo útil. A gente ajuda famílias afetadas por conflitos de rua. Apoio psicológico. Cestas básicas. Abrigo.
Haru cruzou os braços.
— Desde quando um líder de gangue se importa com isso?
— Desde sempre. Só não tenho o luxo de mostrar esse lado. Mas agora... quero mostrar. Pra você.
O coração de Haru bateu mais forte.
— Por quê?
— Porque quando olho pra você, vejo alguém que ainda não se partiu. Alguém que carrega cicatrizes, mas ainda tenta. E porque... eu quero te ver todos os dias.
A última frase ficou no ar como uma confissão. Haru recuou meio passo, o peito apertado.
— Eu não sou um projeto pra você, Akira.
— E eu não sou um monstro, Haru. Mas sim... tenho sombras. Muitas. E você é a única luz que me atravessa sem me queimar.
Por um momento, o mundo pareceu calar ao redor.
Mas Haru não podia permitir que isso o levasse. Ainda não.
— Eu vou pensar, — disse, virando-se para entrar.
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Mais tarde naquela noite, Haru observava as cicatrizes nos próprios pulsos. Algumas eram antigas, outras mais recentes. Cada uma um lembrete. Uma batalha silenciosa.
Ele se lembrava de quando sentia vontade de desaparecer. De quando a única coisa que o mantinha respirando era Kaori, doente e frágil, pedindo que ele ficasse.
Agora havia Akira. Com suas próprias cicatrizes. Seus próprios silêncios.
E Haru começava a pensar... que talvez as cicatrizes pudessem se tocar sem ferir.
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No dia seguinte, ele apareceu no escritório da tal fundação.
O lugar era limpo, bem cuidado, com funcionários jovens e dedicados. Uma sala com brinquedos para crianças. Outra com prateleiras cheias de alimentos doados.
Haru observou tudo em silêncio até ser levado à sala de Akira. Ele estava ao telefone, mas ao ver Haru, sorriu — como se esperasse por aquilo.
— Eu aceito o emprego, — Haru disse, antes que qualquer palavra fosse trocada.
Akira o olhou com surpresa, depois assentiu.
— Só uma condição. — Haru continuou. — Nada de me tratar como alguém especial. Eu sou só mais um ajudante aqui.
— Você nunca vai ser “só mais um”, Haru.
— Então finge bem.
Akira sorriu de novo, mas respeitou o tom. Entendia que aquele era um passo importante. Pequeno, mas real.
Uma tentativa.
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Nas semanas que seguiram, Haru mergulhou no trabalho com seriedade. Aprendeu a lidar com as mães que choravam ao buscar ajuda. Brincou com crianças que haviam perdido os pais, como ele. E pouco a pouco... viu que a dor diminuía.
Mas também notou outra coisa: o jeito como Akira sempre dava um jeito de estar por perto.
Às vezes com café. Às vezes com piadas ruins.
Às vezes... só com silêncio.
E Haru, por mais que tentasse resistir, começou a sentir que a presença dele já não era uma ameaça.
Era uma âncora.
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Certa noite, ao encerrar o expediente, Haru encontrou um bilhete sobre a mesa:
> “As cicatrizes ainda doem.
Mas obrigado por não se esconder atrás delas.
– A.”
Haru passou os dedos pela caligrafia firme, depois olhou para o céu escuro pela janela.
Não respondeu. Mas guardou o bilhete.
Bem dobrado. Bem perto do coração
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Atualizado até capítulo 42
Comments
✶Mii-chan✶
A cada capítulo é uma emoção e um surto diferente^^
2025-04-17
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★𝕺𝖘𝖈𝖆𝖗 𝕬𝖑𝖍𝖔★
Eles são fofos, emocionados e bastante sentimentais.
2025-04-14
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