Sob o Mesmo Céu Cinzento
Capítulo 1 – Encontro no Beiral da Noite
A cidade nunca dormia.
Pelo menos, não para Akira.
Naquele fim de noite, ele caminhava pelas ruas escuras do distrito leste, mãos nos bolsos do sobretudo preto, a fumaça do cigarro escapando de seus lábios como névoa. As luzes da cidade tremeluziam distantes, alheias ao sangue que manchava o asfalto a cada esquina. Para ele, era só mais uma noite — até que não foi.
O beiral do mercado abandonado sempre foi um ponto de descanso para alguns moradores de rua. Mas naquela noite chuvosa, era apenas um abrigo estreito onde um garoto magro se encolhia, protegendo algo nos braços. Akira teria passado direto, como sempre fazia, mas parou. Foi o olhar. Um par de olhos castanho-escuros, cheios de raiva e desafio, encarando-o como se ele fosse a pior coisa que o mundo já criou.
— Não tem nada pra você aqui, — disse o garoto, firme, mesmo com os lábios tremendo.
Akira arqueou uma sobrancelha. Estava acostumado a olhares de medo, desprezo... mas raramente de resistência.
— Você sempre trata quem passa com tanta delicadeza? — respondeu com a voz baixa, arrastada, como se estivesse entediado.
O garoto apertou mais o cobertor que envolvia o que parecia ser uma criança dormindo em seu colo.
— Eu conheço caras como você.
— É mesmo? — Akira deu mais um passo, parando debaixo do beiral, onde a chuva já não o alcançava. — E que tipo de cara eu sou?
— Gangster.
A palavra saiu como veneno. Odiada. Sincera.
Akira riu, mas sem humor.
— Inteligente.
— Não é preciso ser inteligente pra reconhecer uma ameaça.
O silêncio se instalou entre os dois. A chuva caía pesada no concreto, e Akira, por alguma razão que ele mesmo não soube explicar, não foi embora.
— Qual o seu nome? — perguntou ele, encostando-se na parede.
— Haru.
— Haru... — repetiu, como se estivesse testando o som. — E quem é ela?
Haru hesitou antes de responder. Seus braços apertaram instintivamente a menina contra o peito.
— Minha irmã. Kaori.
Akira observou os dois por um momento mais longo do que gostaria. O cobertor mal cobria os dois. As roupas estavam encharcadas. Ele se perguntou há quanto tempo estavam na rua. Algo dentro dele... doeu. Uma pontada incômoda, que ele tentou ignorar.
— Não tem onde ficar?
Haru o encarou com aquele olhar cheio de pedras e cicatrizes.
— Tínhamos uma casa. Até gangsters matarem nossos pais e nos deixarem na rua.
Silêncio.
A frase caiu como um soco no estômago de Akira. Ele poderia ter rido, ou dado as costas. Mas não o fez.
— Sinto muito. — disse, e percebeu o quanto aquelas palavras soavam estranhas vindas da própria boca.
— Sente mesmo? — Haru respondeu, sem suavidade. — Porque vocês não sentem nada, não é? Só sabem destruir.
Akira abaixou o olhar. Era verdade. Em partes. Mas naquele momento, algo nele vacilou. A imagem do garoto segurando a irmã como um escudo humano o perseguiria nos dias seguintes.
Ele tirou o casaco sem dizer uma palavra e o estendeu.
— Não quero nada seu.
— Ela está tremendo. Aceita pelo menos por ela.
Haru hesitou, mas o instinto de proteger venceu o orgulho. Pegou o casaco e cobriu Kaori. A menina nem acordou. Estava exausta demais.
— Não quero a sua piedade, — murmurou.
— Não é piedade. É... — Akira procurou uma palavra e não encontrou. Então disse a única coisa que conseguiu: — interesse.
— Interesse? Em quê?
Akira olhou para ele. Longamente.
— Em você.
Haru ficou em silêncio. Seus olhos se estreitaram.
— Tá brincando comigo?
— Não brinco com nada, Haru.
E então, Akira fez algo que surpreendeu até a si mesmo. Tirou do bolso um cartão — preto, discreto — e o colocou no chão, próximo ao garoto.
— Se precisar de algo... qualquer coisa... me procura.
Haru nem olhou para o cartão. Só apertou a irmã contra si, como se o gesto o protegesse do mundo.
Akira deu meia-volta e caminhou pela calçada, deixando a chuva lavar o concreto atrás dele. Não olhou para trás.
Mas naquele momento, sob o mesmo céu cinzento que cobria os dois, algo havia começado. Uma história sem volta. Uma obsessão que tomaria forma. Um amor que nasceria entre ruínas.
E Haru, mesmo sem saber, jamais esqueceria aquele primeiro encontro — no beiral da noite.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
✶Mii-chan✶
gente que capítulo maravilhoso!
2025-04-17
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★𝕺𝖘𝖈𝖆𝖗 𝕬𝖑𝖍𝖔★
Uau!! Que interessante mano!
2025-04-14
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