Capítulo 18 – Quando Ele Sorri
O sol daquela manhã era tímido, escondido atrás de nuvens esbranquiçadas que se arrastavam preguiçosamente pelo céu. Dentro da fundação, no entanto, havia uma sensação diferente no ar — algo leve, como se o tempo tivesse segurado a respiração por um momento.
Haru estava na cozinha, preparando uma bandeja com bolinhos de arroz e chá de hortelã para Kaori. Ela tinha acordado com dor de garganta, e ele queria fazer algo que a acalentasse. Estava tão concentrado em posicionar as xícaras que não percebeu a aproximação de passos suaves atrás de si.
— Isso cheira bem — disse Akira, encostado na porta, observando-o com um sorriso contido.
Haru virou-se, com um leve sobressalto. Ainda não se acostumara com a presença dele ali de novo, como se cada vez fosse um teste.
— Não é pra você — respondeu, tentando esconder o calor repentino no rosto.
— Que pena. Achei que fosse uma tentativa de reconciliação comestível.
— Tentar te envenenar, talvez.
Akira soltou uma risada baixa, o tipo de riso que nascia com sinceridade e ficava preso entre o peito e a garganta. Haru o olhou, e por um breve momento esqueceu o mundo fora da cozinha.
Aquele riso.
Era diferente de todos os sons de Akira que ele conhecia: dos gritos, dos suspiros irritados, das ameaças veladas. Aquilo era... puro.
— Kaori está melhor? — Akira perguntou, agora mais sério.
— Um pouco. Ela dormiu bem. Mas ainda está quieta.
— Posso vê-la?
— Ela perguntou de você ontem. — Haru hesitou, depois acrescentou: — Acho que ela sente sua falta.
— Eu também sinto a dela. — Akira olhou para as próprias mãos, como se tentasse conter algo. — Sabe... nunca imaginei que ia me apegar a uma criança. Mas a Kaori... ela me lembra como era antes de tudo dar errado.
Haru observou o rosto dele. A suavidade nas feições. A sinceridade nos olhos. E sentiu algo estranho crescer dentro de si. Uma espécie de admiração. Ou, talvez, esperança.
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Mais tarde, no quarto de Kaori, Akira sentou-se ao lado da cama com cuidado, tentando não acordá-la. Mas ela abriu os olhos devagar, sorrindo ao reconhecê-lo.
— Akira...
— Ei, pequena. Voltei, como prometido.
Ela sorriu, ainda sonolenta.
— Haru ficou menos rabugento desde que você voltou.
— Sério? — Akira olhou para Haru com uma sobrancelha arqueada. — Isso é um elogio?
— Eu não sou rabugento — retrucou Haru, cruzando os braços.
— Você é, sim. — Kaori riu baixinho. — Mas eu gosto mesmo assim.
Akira riu também, e Haru tentou não sorrir junto. Mas foi impossível. O som do riso da irmã, leve e feliz, era como música. E, ao lado dela, estava Akira — com um sorriso tão real que o peito de Haru doeu um pouco ao ver.
Era isso.
Era disso que ele sentia falta.
Não dos conflitos, não da adrenalina, não das conversas tensas. Mas do Akira que sorria com Kaori, que ria baixo na cozinha, que o olhava como se enxergasse mais do que Haru queria mostrar.
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Naquela tarde, eles saíram juntos pela primeira vez desde o retorno de Akira. Caminharam até uma feirinha no bairro próximo. Era movimentada, mas pacífica — o tipo de lugar onde Haru costumava se sentir seguro. Ainda assim, ele estava alerta. Os Ōkami poderiam estar à espreita.
Akira notou a tensão dele e falou, enquanto passavam por uma barraca de doces:
— Você está esperando que algo dê errado.
— Sempre espero.
— E eu... estou começando a entender o porquê.
Haru olhou para ele, sem palavras.
Akira estendeu um doce de arroz com recheio de ameixa.
— Não precisa aceitar. Mas é só um doce. Nada escondido.
Haru hesitou, depois pegou. E comeu. Devagar.
Akira sorriu.
— Tá vendo? Aos poucos, você vai começar a confiar em mim.
— Talvez. — Haru limpou a boca com um guardanapo. — Ainda estou vigiando.
— Eu sei. Mas mesmo quando você me vigia... você me olha diferente.
Haru desviou o olhar, o rosto começando a corar.
— Você se acha, né?
— Não. Eu só observo. E eu notei... que você sorri quando acha que eu não tô vendo.
Haru parou. O coração batia um pouco mais rápido. Como ele sabia?
Akira continuou:
— Hoje mesmo. Quando Kaori disse que você era rabugento. Você sorriu. Um sorrisinho mínimo. Mas eu vi.
— Isso não prova nada.
— Prova que tem coisa em você que ainda pode ser leve. — Akira o encarou. — E eu quero ajudar a trazer isso à tona.
Haru se sentiu vulnerável. Mas também... visto. E isso era mais assustador do que qualquer ameaça externa.
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Na volta para casa, Kaori dormia nos braços de Haru. Eles haviam comprado livros usados, doces para a despensa e até uma plantinha pequena para colocar na janela da cozinha.
— Isso foi... estranho — disse Haru, olhando para o rosto sereno da irmã.
— Estranho bom ou estranho ruim?
— Bom. Mas eu não quero me acostumar.
— Por quê?
— Porque tudo que é bom na minha vida... termina rápido demais.
Akira ficou em silêncio por alguns passos.
— E se dessa vez não terminar?
Haru o encarou. Era difícil acreditar. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele queria tentar.
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Mais tarde, enquanto Kaori dormia, Haru e Akira ficaram na varanda.
— Você vai mesmo ficar? — perguntou Haru, sem olhar diretamente para ele.
— Até você mandar eu ir embora de novo.
— Talvez... eu não mande.
Akira sorriu. Um sorriso leve, mas carregado de significado.
E, naquele momento, Haru pensou:
"É assim que ele sorri quando não está fingindo."
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No caderno, escreveu:
“Há algo no sorriso dele que desmonta as muralhas. E, por um instante, me faz querer ser alguém melhor.”
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Atualizado até capítulo 42
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