Capítulo 15 – Primeiro Risco de Sorriso
Os dias seguintes correram num ritmo estranho para Haru. Não era exatamente tranquilidade, mas também não era o caos que ele esperava. Era uma constante tensão no peito, como se o universo estivesse apenas esperando o momento certo para puxar o tapete.
Mas naquela tarde, a fundação estava surpreendentemente calma. As crianças estavam envolvidas em uma atividade de pintura e Kaori ria, com o rosto sujo de tinta azul e vermelha. Haru observava de longe, encostado na parede com os braços cruzados, permitindo-se, por alguns segundos, esquecer tudo.
Até que uma sombra familiar se projetou no chão ao seu lado.
— Isso na bochecha dela é tinta ou ela brigou com um Smurf?
Haru girou o rosto e lá estava Akira, apoiado contra a parede, com uma sacola nas mãos e um leve sorriso de canto. Usava roupas casuais — nada da jaqueta escura com a qual ele geralmente se escondia. Aquilo já era estranho o suficiente por si só.
— Você não deveria estar aqui — disse Haru, mesmo que sua voz não tivesse convicção.
— Talvez. Mas eu trouxe algo.
Ele ergueu a sacola.
— O que é isso?
— Chá de gengibre.
Haru arqueou a sobrancelha.
— Você tá brincando.
— Prometi pra Kaori. E também... achei que você podia precisar de um pouco. Dizem que ajuda com coisas que apertam o peito.
Haru não sabia o que responder. Estava surpreso. Desarmado. Akira estendeu a sacola para ele com um sorriso leve. E então, algo raro aconteceu.
Haru riu.
Baixo. Rápido. Mas riu.
Akira arregalou levemente os olhos.
— Você... riu?
— Cala a boca. — Haru virou o rosto, mas não conseguiu esconder o leve arquejo nos lábios.
— Achei que só saberia disso no meu funeral. — Akira cruzou os braços com uma expressão debochada, mas não disfarçava a surpresa satisfeita.
Haru suspirou, pegando a sacola.
— Você tem o dom de me deixar desconfortável.
— E você tem o dom de fazer isso parecer bonito.
— Você flerta com todo mundo assim?
— Só com quem vale o risco.
Silêncio. Mas dessa vez, um silêncio confortável. O tipo que preenche, em vez de esmagar.
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Naquela tarde, Haru preparou o chá com Kaori, que parecia encantada com o cuidado de Akira. O cheiro doce e picante tomou conta do pequeno apartamento. Haru observava a irmã sorrir e brincar, e por um momento, pensou que talvez estivesse tudo bem em ter momentos assim.
Akira ficou até o fim da tarde, sem forçar presença, apenas ajudando com pequenos gestos. Limpou a mesa, lavou os potes de tinta, até secou o cabelo de Kaori com uma toalha quando ela molhou a cabeça na pia sem querer.
— Você parece... normal — Haru comentou, sentado ao lado dele no sofá, quando Kaori foi dormir.
— Você fala como se eu fosse um monstro.
— Eu ainda não tenho certeza se não é.
Akira riu.
— Tá tudo bem. Eu também não tenho certeza.
Haru virou o rosto para ele. A expressão de Akira estava serena, mas havia algo nos olhos dele. Cansaço. Feridas não ditas.
— Às vezes eu esqueço que você também carrega peso.
— Às vezes eu torço pra você esquecer. — Akira respondeu. — É mais fácil fingir que sou só o cara perigoso.
— Mas você não é só isso.
Akira o encarou. O silêncio entre eles se esticou como um fio invisível.
E então, Akira disse:
— Você sabe... seu sorriso de antes. Mesmo pequeno. Fez o meu dia. Eu queria ver mais disso.
— Não se acostuma.
— Não vou. Mas vou lembrar. Como uma pequena vitória.
Haru desviou o olhar, mas seus lábios ameaçaram outra curva.
E Akira viu.
O segundo risco de sorriso.
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Naquela noite, enquanto Akira se afastava pelas ruas estreitas, Haru ficou parado à janela, observando a silhueta sumir sob os postes de luz. Não entendia o que estava sentindo. Mas algo dentro dele parecia mais leve. Como se, por um momento, ele pudesse respirar.
Talvez aquele sorriso não tivesse sido um erro.
Talvez...
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No caderno, ele escreveu:
“Ele me fez sorrir. E por um instante, não odiei o reflexo no espelho.”
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Atualizado até capítulo 42
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