Capítulo 3 – O Olhar Que Queima
O apartamento era luxuoso demais.
Demais para Haru, demais para Kaori, demais para qualquer lembrança que ele tivesse de casa. Pisos de mármore, paredes lisas e frias, cortinas pesadas escondendo o mundo lá fora. Havia silêncio demais — um silêncio caro, elegante... e sufocante.
Kaori dormia em um dos quartos, deitada em uma cama grande demais para o próprio corpo. O médico dissera que ela estava só gripada, mas precisava descansar e comer direito. Nada grave — por enquanto.
Haru não conseguiu relaxar. Mesmo depois de um banho quente, roupas limpas e um prato de comida que mal conseguiu tocar. Estava encostado em uma das paredes da sala, de braços cruzados, observando tudo com olhos desconfiados.
Akira estava sentado no sofá, as pernas cruzadas, com um copo de uísque nas mãos. A luz baixa destacava seus traços marcados — os olhos escuros, o maxilar forte, a expressão controlada como se cada emoção precisasse de permissão para existir.
— Ainda não consigo entender por que está fazendo isso, — Haru disse, quebrando o silêncio.
Akira ergueu os olhos para ele, lento, como se estivesse voltando de algum pensamento distante.
— Já te disse, não é caridade.
— Então o que é? Interesse?
— Você me odeia. Mas ainda assim me ligou.
Haru desviou o olhar, irritado com a precisão daquela frase.
— Foi por ela. Pela Kaori.
— Mas você não confiaria sua irmã a alguém que considera um monstro.
Haru trincou os dentes.
— Eu não confio em você. Só estou sem escolha.
— Todos têm escolha, Haru. Você só fez a sua.
Aquela calma era o que mais o irritava. Akira falava como se tudo estivesse sob controle. Como se soubesse exatamente onde cada passo deles os levaria.
— Por que eu? — Haru perguntou de repente. — Você podia ter escolhido qualquer pessoa pra se “interessar”. Mas me escolheu. Alguém que te odeia. Por quê?
Akira não respondeu de imediato. Levou o copo até os lábios, tomou um gole, e então pousou o olhar sobre Haru — direto, penetrante.
— Porque você não abaixou a cabeça quando devia.
— E isso faz de mim especial?
— Faz de você real.
Haru sentiu a respiração falhar por um segundo. Aquilo... aquilo não era o tipo de resposta que esperava. Esperava cinismo, segundas intenções, até mesmo sarcasmo. Mas Akira parecia genuíno. E isso era ainda pior.
— Você parece se importar, mas vive num mundo que destrói tudo o que toca.
— E você vive tentando consertar o que já foi quebrado.
O silêncio entre eles voltou, mas dessa vez, era mais denso. Mais quente. O ar parecia vibrar debaixo da tensão não dita.
— Cuidado com o que você sente, Akira. — Haru murmurou, quase num sussurro. — Isso pode te quebrar.
Akira levantou lentamente, cruzando a sala com passos firmes. Parou em frente a Haru, tão próximo que o garoto sentiu o calor do corpo dele mesmo sem encostar.
— Eu já estou quebrado.
Haru segurou o olhar dele por alguns segundos, mas logo desviou. Os olhos de Akira queimavam. Como se tudo que ele quisesse estivesse ali, a um centímetro de distância, mas ainda assim inalcançável.
— Não se aproxime demais.
— Tarde demais pra isso.
Haru recuou um passo.
— Eu vou dormir perto da Kaori hoje. Só por segurança.
Akira não insistiu. Apenas assentiu, e se afastou.
Quando Haru entrou no quarto onde a irmã dormia, fechou a porta com cuidado. Seu coração ainda batia acelerado.
A presença de Akira era sufocante. Mas... havia algo nela que também o atraía. Algo que ele não queria admitir.
Seus olhos pararam na janela. A chuva havia cessado, mas o céu continuava cinzento.
Talvez, em algum lugar dentro daquela tempestade, ele estivesse começando a se perder.
Ou a se encontrar.
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No dia seguinte, Haru acordou com o cheiro de pão quente vindo da cozinha. Encontrou Kaori sentada à mesa, comendo panquecas com olhos brilhantes.
Akira estava ali também. Simples, de camiseta preta e cabelo ainda molhado do banho. Parecia... humano demais. E isso confundia Haru mais uma vez.
— Dormiram bem? — perguntou Akira, sem tirar os olhos do café.
Haru não respondeu. Só se sentou, observando a irmã comer.
— Eu nunca comi panqueca de morango antes, Haru-nii! — ela disse, com a boca cheia.
— Não se acostuma. — ele respondeu automaticamente, sem conseguir ser duro com ela.
Akira levantou da mesa, pegou um pequeno envelope e o entregou a Haru.
— Dinheiro. Não é um presente. É pra você se virar por uns dias. Pode sair com ela, comprar roupas, o que for preciso.
— E depois disso?
— Depois... você escolhe. Pode voltar pra rua, ou pode voltar pra cá.
Haru o encarou, tenso.
— E se eu escolher não voltar nunca mais?
Akira apenas deu de ombros.
— Não sou do tipo que força. Mas aviso... eu não sou do tipo que esquece.
Os olhos de Haru encontraram os dele por um instante. O olhar que queimava ainda estava lá.
Forte. Firme. Feroz.
E era esse olhar que Haru carregaria com ele ao sair daquele apartamento — sem saber que, mesmo à distância, estava cada vez mais preso ao homem que jurara odiar.
E que, cedo ou tarde...
Acabaria amando.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
✶Mii-chan✶
O Akira tá te deixando sem argumentos Haru, acho melhor dá uma acalmada aí, sabe?
2025-04-17
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