Capítulo 17 – No Beiral do Telhado
A cidade se tornava um sussurro abafado sob a brisa fria da noite. Lá do alto do prédio da fundação, tudo parecia mais calmo — as luzes miúdas dos postes, o brilho solitário da lua, os ecos distantes de carros e passos apressados. Era como se o mundo real estivesse lá embaixo, e Haru pairasse à parte dele.
Sentado no beiral do telhado, com os pés pendurados, ele mantinha os olhos fixos no horizonte, sentindo o concreto frio sob as mãos. Não sabia bem o que procurava naquela altura. Talvez clareza. Talvez coragem.
O recado dos Ōkami ainda martelava em sua cabeça. A ameaça à Kaori havia sido como uma faca girando dentro do peito — ele não dormira direito desde então. Não comia. Cada som no corredor fazia seu coração acelerar. Precisava fazer algo, precisava proteger sua irmã, mas não sabia como.
E, no fundo, sabia que só havia uma pessoa capaz de ajudá-lo.
Mas essa pessoa estava afastada por sua própria ordem.
Ele suspirou, fechando os olhos.
— Sabia que você viria aqui.
A voz veio como um trovão suave, quebrando o silêncio.
Haru se virou bruscamente. Akira estava parado ali, a poucos metros, as mãos nos bolsos, os cabelos bagunçados pelo vento. Seus olhos o encaravam com aquela intensidade que parecia atravessar camadas.
— Como me encontrou?
— Eu conheço seus esconderijos. — Akira deu alguns passos, mas parou antes de se aproximar demais. — Era aqui que você vinha quando estava cansado de tudo.
— Você não devia estar aqui — murmurou Haru, mesmo que sua voz soasse... mais alívio do que reprovação.
Akira ignorou.
— Por que veio?
Haru olhou para frente outra vez, encarando o céu.
— Porque aqui parece mais longe de tudo que me assusta. Como se o perigo não pudesse escalar até o topo.
— Mas ele escala — Akira respondeu. — Às vezes, está esperando exatamente aqui.
Silêncio. Haru não respondeu de imediato. O vento passou entre eles como um aviso.
— Eles ameaçaram a Kaori.
Akira travou o maxilar.
— Eu imaginei.
— E eu... eu não posso protegê-la sozinho. Eu achei que podia. Achei que, se me afastasse de você, o perigo sumiria. Mas ele só ficou pior.
— Eles te machucaram?
— Não fisicamente. Ainda.
— Mas te quebraram por dentro. — Akira deu mais um passo, agora mais perto do beiral. — Eu sei como é. E odeio que tenha acontecido com você.
Haru o olhou, com os olhos carregados de um misto de raiva, medo e algo mais tênue: necessidade.
— Eu te afastei. Disse pra ir embora. E mesmo assim você veio.
— Porque mesmo quando você me odeia, eu ainda quero te proteger. Mesmo quando você me manda embora... eu ainda volto. — Akira suspirou. — Eu não sei o que a gente é, Haru. Mas sei que não consigo ignorar quando você precisa de mim.
Haru olhou para o próprio colo, os punhos fechados. Seu corpo tremia. De raiva, de frustração, de exaustão.
— Eu tô com medo, Akira.
Era a primeira vez que ele dizia aquilo em voz alta. E, de certa forma, a mais difícil.
Akira não respondeu imediatamente. Apenas se aproximou, devagar, e sentou ao lado dele no beiral. Nenhum dos dois olhou o outro nos olhos. Era como se o ar entre eles fosse delicado demais para ser cortado com palavras.
— Eu prometo — disse Akira por fim, em voz baixa — que ninguém vai encostar um dedo na sua irmã. Nem em você. Nem nesse lugar.
Haru respirou fundo. A tensão em seu peito pareceu aliviar, mesmo que por um instante.
— Você fala como se pudesse enfrentar o mundo inteiro sozinho.
— Não sozinho. — Akira virou o rosto e finalmente o olhou. — Contanto que você me deixe ficar do seu lado.
Haru encarou os olhos escuros e intensos por alguns segundos. E então, pela primeira vez desde o início de tudo, ele disse:
— Fica.
Uma palavra. Pequena. Mas que valia mais que qualquer promessa.
Akira sorriu. Um sorriso leve, cheio de alívio e um toque de esperança.
E então, como se aquele momento pedisse por um gesto, ele estendeu a mão. Não para puxar Haru, não para invadi-lo — apenas para que ele decidisse se queria segurar.
Haru olhou a mão estendida por alguns segundos. Hesitou. Mas, por fim, seus dedos tocaram os de Akira. E ficaram ali. Entrelaçados. Firmes.
Naquele beiral, os dois se permitiram respirar.
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Mais tarde, antes de descerem do telhado, Akira falou:
— Eles vão voltar. Vão tentar algo. E talvez eu precise fazer coisas que você não vai gostar.
— Contanto que você não se perca de quem é... — Haru disse, encarando o céu — ...eu não vou te virar as costas de novo.
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No quarto, Kaori dormia abraçada ao urso velho de pelúcia. Haru passou os dedos pelos cabelos dela com carinho. A paz no rosto da menina era como um lembrete do que estava em jogo.
E então ele sussurrou:
— Vamos proteger você. Juntos.
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No caderno, escreveu:
“No beiral, entre o medo e o vento, encontrei uma mão. E decidi não soltá-la.”
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Atualizado até capítulo 42
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