Madrid fervilhava sob as luzes douradas do entardecer. As ruas estavam lotadas de turistas e locais, e os painéis luminosos dos prédios refletiam os tons alaranjados do céu.
Eu dirigia em silêncio, observando pelo retrovisor o reflexo de Clara, posicionado exatamente para olhá-la. Seus olhos estavam vidrados, com foco fora da janela do carro, absorvendo a paisagem movimentada da cidade, mas sua expressão era uma mistura de surpresa e nervosismo.
— Ainda não se acostumou? — Perguntei, desviando o olhar para ela.
— Com o quê? — Clara virou-se para mim, piscando algumas vezes como se estivesse voltando à realidade.
— Com a fama. — Sorri, girando o volante para pegar a saída da avenida principal. — Porque, pelo que vi essa semana, você está oficialmente no centro das atenções.
Ela soltou um suspiro.
— É surreal. Eu abro o Instagram e tem milhares de novas notificações. Tem fã-clubes com meu nome, vídeos nossos juntos, até gente analisando nossos olhares nas fotos promocionais.
Dei uma risada baixa.
— Isso é só o começo, patricinha. Daqui a pouco, vão começar a especular que estamos namorando.
Ela cruzou os braços e me olhou com uma expressão cética.
— E de quem seria a culpa? Do ator que me puxou para dançar no meio de uma sessão de fotos?
— Culpa minha? Eu só segui as instruções do Miguel. — Ergui as mãos como se fosse inocente.
Clara revirou os olhos, mas sorriu de canto.
— Sei...
Dirigi por mais alguns minutos até começarmos a nos afastar do centro da cidade. O céu estava se tingindo de tons avermelhados, e o clima estava fresco, perfeito para o que eu tinha planejado.
— Para onde estamos indo? — Ela perguntou, franzindo a testa.
— Só relaxa e aproveita a vista.
Depois de algumas curvas, estacionei o carro em um ponto mais alto da cidade, onde a vista era simplesmente espetacular. O mirante do Parque Cerro del Tío Pío.
De lá, Madrid parecia uma pintura. Os prédios altos reluziam com os últimos raios do sol, enquanto a cidade ganhava um brilho dourado sob a luz do entardecer. O momento estava perfeito, e o céu já começava a ganhar traços suaves de azul escuro, anunciando a chegada da noite.
Clara desceu do carro devagar, respirando fundo como se estivesse absorvendo cada detalhe.
— Uau... — Ela sussurrou, maravilhada. — Como você encontrou esse lugar?
Apoiei-me no capô do carro, cruzando os braços.
— Quando comecei minha carreira, costumava vir aqui sozinho para pensar. Me ajudava a lembrar que, por mais caótico que tudo parecesse, sempre havia algo bonito para olhar.
Ela me olhou por alguns segundos, e então se aproximou, apoiando-se ao meu lado.
— Nunca imaginei que você fosse tão... reflexivo.
Soltei uma risada baixa.
— É que a imagem de bad boy não combina muito com isso, né?
Ela balançou a cabeça, sorrindo.
— Nem um pouco.
O vento soprou suavemente, bagunçando os fios loiros dela. O perfume suave de rosas que Clara sempre usava se misturou ao cheiro fresco do entardecer.
— Obrigada por me trazer aqui. — Ela disse depois de um tempo. — Eu estava precisando de um momento assim.
— Imaginei. — Virei-me um pouco para encará-la. — Com toda essa exposição, você pareceu um pouco assustada.
Ela riu sem humor.
— Eu sempre quis atuar, mas não esperava esse nível de atenção tão rápido. É como se de repente todo mundo quisesse saber cada detalhe da minha vida.
— Bem-vinda ao nosso mundo. — Suspirei. — Mas você se acostuma.
Clara me olhou nos olhos, e naquele instante, algo mudou. Não era apenas o jeito que a luz do pôr do sol refletia no olhar dela, mas a forma como ela me olhava, como se estivesse tentando enxergar além do Gabriel que todo mundo via.
E, por algum motivo, eu queria que ela enxergasse.
— Você já pensou em desistir? — Ela perguntou baixinho.
Desviei o olhar para a cidade à nossa frente, sentindo um nó se formar no estômago.
— Algumas vezes.
Houve um silêncio carregado entre nós. Então, senti a mão dela tocar levemente meu braço.
— Mas você nunca desistiu.
Virei-me para encará-la novamente.
— Não. Porque eu sabia que, se desistisse, não conseguiria dar à minha mãe a vida que ela merece.
Clara franziu a testa, confusa.
— O que quer dizer?
Fiquei em silêncio por um momento. Eu poderia simplesmente mudar de assunto. Poderia soltar uma piada e fingir que não disse nada.
Mas, pela primeira vez, senti vontade de contar.
— Um dia, meu pai simplesmente desistiu da nossa família. — Comecei, com um meio sorriso. — Eu tinha acabado de fazer vinte e um anos e foi um dia depois do meu aniversário que ele apenas foi embora, deixando uma mensagem para a minha mãe. Ele alegou que não estava mais feliz, mas dois dias depois ele foi flagrado com uma das mulheres mais milionárias da Espanha.
Ela me olhou por mais alguns segundos, como se ponderasse se deveria perguntar algo. Mas, em vez disso, virou para frente e voltou a olhar para o horizonte.
— Adivinhe a manchete? — Eu ri com leve sarcasmo. — Marido de uma das maiores modelos do mundo é visto com possível amante.
— E como sua mãe lidou com isso? — Clara finalizou perguntou.
— Simples, ela não lidou. — Dei de ombros segurando o choro preso na garganta. — Desde então se afundou nas drogas e em bebidas, já fiz e ainda faço de tudo para ajudá-la a sair disso, mas parece ficar cada vez mais difícil... Ainda mais agora, que meu pai parece ter engravidado aquela mulher.
Senti vontade de fumar, mas não queria incomodar Clara com meu cheiro. Ou minhas lágrimas.
— Saiba que agora você tem alguém para poder desabafar, bad boy! — Ela disse dando um leve tapa no meu braço. — Isso é uma barra pesada demais para você carregar sozinho.
— Eu sei, mas ninguém sabe sobre a minha mãe e nem podem saber. Isso a destruiria ainda mais, ela tem muito orgulho da carreira dela, mesmo após ter se aposentado.
— E é perigoso para você... — Clara me olhou preocupada. — Sua carreira também entraria em risco se soubessem a situação da sua mãe.
Sem pensar muito, abracei Clara, praticamente a cobrindo por completo com meu corpo. Nunca havia tocado nela dessa forma sem estar vestido de Danniel e ela de Jully. Acontece que eu estava sentindo falta do contato dos nossos corpos mesmo após terminar de gravar qualquer cena que seja, para minha má sorte, nós interpretamos um casal que tem toque físico constantemente e isso está me corroendo por dentro.
— Você tem a mim agora e eu ajudarei com tudo que estiver ao meu alcance, entendeu? — Clara falou ao retribuir o abraço.
O céu estava em seu último suspiro de luz, e Madrid começava a se iluminar.
E, por um instante, senti que talvez Clara fosse o pedaço de paz que eu nunca soube que precisava.
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Atualizado até capítulo 21
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