A casa de chá "Lua Cheia", refúgio habitual de encontros tranquilos e conversas amenas, naquele dia se transmutara em um palco para um drama familiar secular. A atmosfera, outrora leve e acolhedora, agora se tornara densa e palpável, impregnada de uma tensão quase física. Os delicados biombos de papel, usualmente a moldura de confidências sussurradas, pareciam deslocados, quase incongruentes com o peso das palavras que pairavam no ar. A melodia suave do gayageum, que normalmente embalava o ambiente, soava agora como uma trilha sonora irônica para o confronto iminente. O aroma herbáceo do chá verde, servido em xícaras de porcelana branca, parecia exalar uma ironia amarga, contrastando com a verdade pungente que estava prestes a ser revelada.
Imani, sentada à mesa baixa de madeira polida, segurava o pergaminho ancestral do "casamento" como um trunfo decisivo, uma arma silenciosa, mas incisiva. O papel amarelado pelo tempo, com sua caligrafia elegante em hanja, era mais do que um documento histórico; era a chave para desvendar os segredos mais profundos da linhagem Park, um portal para um passado cuidadosamente oculto. Sua expressão facial era de uma seriedade inabalável, traços de determinação vincados em torno de seus lábios finos e olhos escuros fixos em Kim Ji-hoon, esperando por cada palavra, cada hesitação, cada vestígio da verdade que ele finalmente se dispusesse a compartilhar.
Joon-ho, a seu lado, irradiava uma compostura tensa. Seus olhos, que usualmente brilhavam com a excitação da descoberta acadêmica, agora eram fendas escuras e penetrantes, fixos em Kim Ji-hoon com uma intensidade silenciosa. A busca incessante pela história de Abena e Jun-ho havia se transformado em uma demanda por justiça e reconhecimento. Ele ansiava por respostas, não apenas como historiador, mas como alguém que se conectara profundamente com o drama humano que se desenrolava diante deles. Ele queria ver Kim Ji-hoon confrontar o peso de seu legado familiar, desvendar as amarras do silêncio e confessar a verdade, por mais desconfortável que fosse.
Kim Ji-hoon, por sua vez, permanecia sentado em uma postura quase encolhida, curvado sob o peso da expectativa e da iminência da revelação. Seu terno impecável, símbolo de sua posição social e do legado que ele tanto se esforçava para proteger, parecia paradoxalmente frágil e inadequado diante daquela verdade ancestral prestes a emergir. Ele evitava o contato visual, o olhar fixo em um ponto indeterminado da mesa, como se buscando refúgio na madeira polida, tentando se esquivar da confrontação inevitável. Seus dedos, meticulosamente cuidados e adornados com um discreto anel de ouro branco, tamborilavam nervosamente sobre a superfície da mesa, um sinal visível de sua crescente ansiedade. Ele parecia um animal encurralado, dividido entre a relutância em expor os segredos de sua família e a crescente consciência de que o silêncio já não era mais uma opção viável. Aquele aroma delicado de chá verde, que pairava no ar, parecia quase ofensivo, uma fragrância suave e enganosa mascarando o sabor amargo da verdade que estava prestes a inundar a casa de chá.
Imani rompeu o silêncio opressivo, sua voz firme, desprovida de qualquer artifício ou amabilidade. “Kim Ji-hoon,” começou, a voz ressoando com uma determinação resoluta, “nós encontramos isso ontem, no arquivo.” Ergueu o pergaminho antigo, estendendo-o em direção a ele, como se oferecesse uma prova irrefutável, um desafio silencioso. “Um registro da família Park. Um ‘casamento’ entre Lee Jun-ho e Abena. O que isso quer dizer? Por que existe esse registro?” A pergunta, lançada como uma flecha certeira, exigia uma resposta direta, inequívoca. Não havia espaço para evasivas ou subterfúgios. Kim Ji-hoon precisava confrontar a verdade, e Imani e Joon-ho estavam ali para garantir que ele o fizesse.
O silêncio retornou, mais pesado e denso do que antes, como se o próprio ar se recusasse a se mover, esperando em suspense a resposta de Kim Ji-hoon. Os segundos se estenderam em uma eternidade desconfortável, marcados apenas pelo som suave do gayageum ao fundo, agora quase um lamento melancólico. Kim Ji-hoon permanecia imóvel, quase petrificado, como se estivesse travando uma batalha silenciosa consigo mesmo, ponderando as consequências de suas palavras, avaliando o peso da verdade que ele relutava em liberar. Uma fina camada de suor começou a brilhar em sua testa, minúsculas gotas cintilando sob a luz suave da casa de chá, delatando o conflito interno que o consumia. Seus dedos, antes tamborilando nervosamente, agora jaziam imóveis sobre a mesa, crispados em um aperto tenso. Ele hesitava, relutante em abandonar o escudo do silêncio, mas a pressão crescente da evidência e o olhar fixo de Imani e Joon-ho o forçavam a ceder, a iniciar a dolorosa jornada rumo à verdade.
Finalmente, após o que pareceu uma eternidade suspensa no tempo, Kim Ji-hoon começou a falar, sua voz inicialmente hesitante, quase inaudível, como se temesse quebrar o silêncio com a própria confissão. “Eu… eu não sabia desse papel específico,” murmurou, as palavras mal audíveis, escapando de seus lábios como um sussurro relutante. Seus olhos continuavam fixos na mesa, evitando o contato direto, buscando refúgio na inexpressividade da madeira polida.
“Registros da família… arquivos antigos… são muitos papéis na família Park. Uma vasta coleção de documentos velhos… que foram… com o tempo… esquecidos, arquivados em desordem.” Ele tentava minimizar a importância da descoberta, reduzir o registro do "casamento" a um mero detalhe perdido em meio a uma montanha de papelada ancestral, mas a fragilidade de sua defesa era palpável. A prova estava ali, inegável, tangível, desafiando suas tentativas de dissimulação.
Joon-ho, percebendo a hesitação de Kim Ji-hoon, mas também o início de uma abertura para a verdade, decidiu insistir, intensificando a pressão com uma pergunta direta e incisiva. Interrompeu o fluxo hesitante de palavras de Ji-hoon, sua voz agora firme e resoluta, desprovida de qualquer traço de hesitação. “Kim Ji-hoon, por favor, seja honesto com a gente. Pare de enrolar,” pediu, o tom de voz exigente, mas ainda respeitoso. “O que aconteceu com Abena depois que Lee Jun-ho foi preso? O que aconteceu com ela? E com esse ‘casamento’ da família? O diário de Abena fala de um amor forte, profundo e genuíno. E esse papel...", indicou o pergaminho com um gesto firme, "...mostra que a família, de alguma forma, reconheceu isso, mesmo que fosse considerado escandaloso e estranho para a época. Precisamos da verdade, Kim Ji-hoon.
Qual é a história toda?” A voz de Joon-ho ressoava com convicção, ecoando o anseio por uma narrativa completa e autêntica, despojada de omissões e meias-verdades. Ele não buscava acusações ou julgamentos, mas sim a elucidação de um mistério histórico, o resgate de uma história humana silenciada pelo tempo e pelas convenções sociais.
As palavras incisivas de Joon-ho pareciam ter rompido as últimas barreiras da resistência de Kim Ji-hoon. Lentamente, como se libertasse um peso ancestral de seus ombros, ele começou a revelar a verdade, permitindo que as palavras fluíssem, ainda que hesitantes no início, mas ganhando ímpeto à medida que a narrativa se desenrolava. “Depois do que aconteceu no templo,” iniciou Ji-hoon, sua voz agora mais clara e audível, como se, ao se entregar à narração, encontrasse uma certa libertação, “…e quando Lee Jun-ho foi preso por meus antepassados… Abena… foi trazida de volta para a casa Park.” A frase evocava uma imagem sombria, um retorno forçado à prisão dourada da casa nobre, onde Abena, agora ainda mais vulnerável e desamparada, enfrentaria o julgamento implacável da família Park.
Um flashback em tons sépia e dourados se materializou na mente de Imani, como se as palavras de Ji-hoon tivessem aberto um portal para o passado. A cena que se formava era carregada de tensão e incerteza. Abena, visivelmente exausta pela fuga e angustiada pela separação de Jun-ho, era conduzida de volta à propriedade Park, escoltada por servos rudes e impassíveis, como uma prisioneira sendo levada para o cadafalso. A gravidez, agora mais evidente, protuberante sob as vestes simples, era um testemunho silencioso do romance proibido, uma marca indelével de sua transgressão. Seus passos eram hesitantes, sua postura curvada sob o peso da dor física e emocional, mas ainda emanava uma aura de força interior, uma resiliência silenciosa que desafiava o desespero aparente. Lady Choi, a matriarca imponente da família Park, a Anfitriã, como era reverenciada na casa, observava a chegada de Abena da varanda elevada da hanok, sua figura imponente recortada contra a arquitetura tradicional. Seu rosto, usualmente adornado por uma expressão serena e aristocrática, agora se mostrava sério e inescrutável, mas em seus olhos perspicazes, Imani percebeu uma nuance inesperada, um brilho de determinação protetora, um cálculo silencioso que transcendia a fúria e o julgamento esperados. Lady Choi, a guardiã inflexível das tradições familiares, parecia estar ponderando um curso de ação surpreendente, um desvio inesperado do caminho da punição e da rejeição. O futuro de Abena, grávida do herdeiro Park, ainda era uma incógnita, suspenso no fio tênue da decisão da matriarca, envolto em um clima denso de incerteza e suspense.
“E aí,” Ji-hoon continuou, a voz agora carregada de um misto de surpresa e respeito, como se ele mesmo ainda se maravilhasse com a reviravolta inesperada na história de sua família, “aconteceu algo que ninguém esperava. Algo que… foi considerado radical e profundamente estranho para a época, algo que desafiou todas as convenções sociais da Coreia Joseon.” Ele fez uma pausa dramática, como para preparar Imani e Joon-ho para a revelação surpreendente que estava por vir, o ponto de inflexão que mudaria para sempre a compreensão da história de Abena e do legado da família Park.
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Atualizado até capítulo 20
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