As páginas seguintes do diário se abriram para um novo capítulo, transportando Imani para um mundo vibrante e desconhecido - a vida de Abena antes da escravidão. As palavras ganharam cores, sons e aromas da terra natal de Abena, um lugar ensolarado e fértil, distante em espaço e tempo da Coreia Joseon.
"… Antes de ser Abena, a escrava, eu era Ama Serwah, filha da terra vermelha, do povo Asante. Minha casa era um círculo de barro sob o céu vasto, cercada por risos de crianças e canções de mulheres moendo o fufu. Os tambores falavam a linguagem da nossa alma, guiando nossos passos na dança, nossos corações em tempos de alegria e luto..."
As palavras de Abena evocavam imagens de aldeias vibrantes, tecidos coloridos, mercados fervilhantes de vida e rituais ancestrais sob o sol africano. Ela descrevia sua família extensa, o calor do abraço de sua mãe, a sabedoria silenciosa de seu pai, as brincadeiras com seus irmãos e irmãs à sombra das árvores de baobá.
O diário narrava os costumes do povo Asante, a importância da comunidade, a reverência pelos ancestrais, as histórias transmitidas oralmente ao redor das fogueiras, a beleza da língua Twi e a riqueza de suas tradições. Abena descrevia a dança Adowa, os tecidos Kente vibrantes, os contos de Anansi, a aranha astuta, e a sabedoria contida nos provérbios de seu povo. Era um mundo de riqueza cultural e laços comunitários profundos, brutalmente interrompido pela violência da escravidão.
A narrativa então se tornava sombria, o tom poético dando lugar à dor crua e ao trauma. "… O dia em que os homens brancos chegaram com seus navios altos e seus olhos frios… O som dos tiros rasgou a manhã como trovões. Gritos de terror, sangue na areia, o cheiro acre da pólvora… Minha aldeia, antes um lugar de vida, se tornou um inferno de chamas e morte..."
Abena descrevia a invasão repentina, a violência brutal, a separação forçada de sua família, as correntes frias em seus pulsos, o terror da viagem para o desconhecido. As páginas seguintes eram fragmentadas, cheias de frases interrompidas e exclamações de dor, como se a própria escrita falhasse em conter a magnitude do trauma. Imani sentia o coração apertar a cada palavra, lágrimas silenciosas manchando as páginas amareladas. A história de Abena, antes distante e abstrata, agora a atingia com a força esmagadora da realidade.
Em meio à escuridão da oposição familiar e ao medo constante da descoberta, Abena e Jun-ho encontraram refúgio e consolo na troca íntima de culturas. Nas páginas do diário, Abena descrevia com carinho os momentos em que ensinava palavras de sua língua materna, o Twi, para Jun-ho.
"… Para partilhar um pouco da minha casa com ele, ensinei-lhe as palavras da minha língua. 'Medaase' - obrigado. 'Menye asem' - de nada. 'Efie' - lar. Ele repetia as palavras com cuidado, sua pronúncia coreana hesitante no início, depois ganhando confiança. O som da minha língua em seus lábios era como um bálsamo para a minha alma…"
No jardim secreto, sob a sombra das árvores, Abena e Jun-ho pronunciavam as palavras em Twi juntos, como se conjurassem um pedaço da África na Coreia Joseon. Jun-ho repetia os sons melódicos com curiosidade e respeito, esforçando-se para imitar a pronúncia de Abena, rindo suavemente quando tropeçava nas consoantes complexas. Abena, por sua vez, sentia um raio de alegria em compartilhar sua língua materna, um elo tangível com seu passado e sua identidade. Era um ato de resistência silenciosa, uma forma de afirmar sua humanidade e sua cultura em um mundo que tentava apagá-las.
Através da linguagem, a intimidade entre Abena e Jun-ho se aprofundava. As palavras em Twi se tornaram um código secreto entre eles, uma linguagem do amor que transcendia as barreiras culturais e sociais. Cada palavra aprendida, cada frase compartilhada, era um tijolo a mais na construção de uma ponte entre dois mundos, um gesto de afeto e respeito mútuo que fortalecia o laço proibido que os unia.
As páginas do diário também revisitavam a traumática viagem do navio negreiro, não apenas descrevendo o horror, mas também revelando a resiliência extraordinária de Abena, sua força interior que florescia mesmo nas condições mais desumanas.
"… Os dias se arrastavam como séculos naquele inferno flutuante. Fome, sede, doença, morte… A cada amanhecer, menos rostos ao meu redor, mais corpos jogados ao mar como lixo. Mas em meio ao desespero, uma chama teimosa se recusava a apagar dentro de mim..."
Um flashback sombrio e angustiante se materializou na mente de Imani. O porão do navio negreiro, escuro e fétido, superlotado de corpos acorrentados, o som lancinante de gemidos e orações silenciosas, o cheiro nauseabundo da morte pairando no ar. Em meio ao sofrimento coletivo, a figura de Abena se destacava, não como uma vítima passiva, mas como uma sobrevivente, agarrada à sua força interior como a uma tábua de salvação.
No meio do caos e da brutalidade, Abena encontrava formas de manter viva sua humanidade. Ela confortava os mais fracos, compartilhava sua ração escassa de água, sussurrava palavras de esperança em sua língua materna, mantendo acesa a chama da solidariedade em meio à escuridão. Seus olhos, mesmo marejados de lágrimas, ainda brilhavam com uma determinação silenciosa, uma resiliência inquebrantável que desafiava a desumanidade da escravidão. Era essa força interior, essa capacidade de resistir e florescer em meio à adversidade, que definia Abena e que agora ressoava tão profundamente no coração de Imani.
Enquanto Imani lia sobre a jornada de Abena, sobre sua vida na África e sua resiliência no navio negreiro, uma onda de emoção a invadiu. As lágrimas escorriam livremente pelo seu rosto, não apenas lágrimas de tristeza e dor, mas também lágrimas de admiração, orgulho e profunda conexão.
A força de Abena, sua capacidade de amar e resistir em meio à opressão, sua beleza interior que brilhava através das páginas do diário, tocavam Imani em um nível visceral, despertando um sentimento de parentesco espiritual que transcendia o tempo e o espaço. Ela sentia Abena viva dentro de si, sua voz sussurrando em seu coração, sua história ecoando em sua alma.
Não era apenas a história de uma ancestral distante que Imani estava desvendando, mas sim um espelho de sua própria jornada, de sua própria busca por identidade e pertencimento. Em Abena, ela via refletida sua própria força, sua própria capacidade de superar obstáculos, sua própria herança africana que agora pulsava com uma nova vitalidade dentro dela. A leitura do diário se transformara em um ritual de conexão ancestral, um despertar espiritual que a ligava para sempre à história de Abena e à força indomável de seu espírito.
Joon-ho observava Imani ler, o rosto banhado em lágrimas, mas também iluminado por uma luz interior. Ele via a profunda emoção que a consumia, a conexão visceral que ela sentia com a história de Abena, e a transformação silenciosa que acontecia dentro dela a cada página virada.
Ele admirava a força de Abena, a resiliência que florescia em meio ao sofrimento, o amor que desafiava a proibição. E admirava ainda mais a forma como Imani se identificava com Abena, como sua própria busca pessoal se entrelaçava com a história da ancestral, criando uma tapeçaria complexa de passado e presente, dor e esperança, opressão e resistência.
“Ela era extraordinária, Imani,” Joon-ho disse suavemente, quebrando o silêncio reverente do quarto, sua voz carregada de emoção. “Abena… Ama Serwah… Sua força… é inspiradora.”
Imani ergueu os olhos do diário, encontrando o olhar de Joon-ho, um brilho de compreensão e carinho compartilhados entre eles. "Sim," ela sussurrou, a voz embargada, mas firme. "Ela era… E ela está comigo agora. Eu posso sentir isso." Naquele momento, na intimidade da casa de hóspedes, cercados pela história viva do diário, Imani e Joon-ho se uniram não apenas pela paixão da pesquisa ou pela chama do desejo, mas também por um profundo respeito mútuo e uma admiração compartilhada pela força indomável do espírito humano, personificado na história inesquecível de Abena e em sua descendente, Imani.
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Atualizado até capítulo 20
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