Capítulo 3: Ecos do passado

O papel amarelado do diário transportou Imani séculos atrás, para uma Coreia distante, a era Joseon. As palavras ganhavam vida, pintando um quadro sombrio e dramático.

"… O mar bramava como um deus furioso, engolindo o céu e a terra. A madeira do navio rangia e gemia sob o ataque implacável das ondas. Há dias que não vejo nada além de água salgada e o rosto sombrio do céu. Estamos exaustos, famintos, e a esperança definha a cada dia que passa..."

As palavras de Abena se misturaram com as imagens que se formavam na mente de Imani. Um flashback cinematográfico a envolveu, transportando-a para o convés de um navio negreiro em alto mar.

O ar era denso e fétido, impregnado pelo cheiro nauseabundo de suor, doença e medo. O sol implacável castigava a pele, enquanto o balanço incessante do navio revolvia o estômago. Homens, mulheres e crianças, acorrentados e amontoados como carga, gemiam e choravam em desespero. Seus corpos esqueléticos, marcados pela viagem brutal e pela desnutrição, contrastavam com os rostos exaustos e vazios. No meio do sofrimento, alguns olhos ainda guardavam um brilho tênue de esperança ou a faísca da revolta silenciosa.

No meio daquele inferno flutuante, uma jovem mulher se destacava, mesmo em sua fragilidade. Seus traços africanos eram inconfundíveis, a pele ébano contrastando com os andrajos que mal cobriam seu corpo. Seus olhos, escuros e profundos, observavam o horizonte com uma mistura de resignação e desafio. Esta era Abena.

O navio avançava, cortando as ondas implacavelmente, impulsionado por ventos impiedosos e a ganância humana. No horizonte distante, uma linha tênue de terra começou a surgir, crescendo lentamente a cada hora que passava. A Coreia. O destino final daquela jornada de horror.

"… Chegamos a terra firme, mas não à liberdade. Fomos arrastados para um mercado, como animais, para sermos vendidos ao melhor lance. Humilhação e desespero eram o meu manto naquele dia…"

A cena mudou, o convés do navio desaparecendo para dar lugar a um mercado movimentado e barulhento. O ar agora vibrava com sons de negociação, gritos de vendedores e o cacarejar de aves engaioladas. O sol castigava o mercado, criando um calor sufocante e poeira densa.

Abena, agora limpa e vestida com roupas simples, mas ainda marcadas pela viagem, foi colocada em um estrado improvisado. Nobres e mercadores examinavam-na com olhares avaliadores, como se inspecionassem um objeto inanimado. Sussurros em coreano ecoavam ao seu redor, palavras que ela não compreendia, mas cujo tom era inequivocamente mercador.

Um nobre em particular se aproximou, seu traje de seda impecável contrastando com a sujeira do mercado. Seu rosto era frio e calculista enquanto examinava Abena de cima a baixo, como se buscasse defeitos em um cavalo de raça. Ele tocou seus dentes, examinou suas mãos, e observou seus movimentos com um olhar crítico. Este era Lord Park Chung-hee, patriarca da família nobre Park.

Após uma breve negociação com o mercador de escravos, Lord Park fez um gesto final de aprovação. O martelo bateu, selando o destino de Abena. Ela foi comprada. Agora pertencia à família Park.

Escoltada por servos silenciosos e obedientes, Abena foi levada para fora do mercado movimentado e em direção a uma residência imponente, cercada por muros altos e jardins exuberantes. A casa da família nobre Park. Seu novo lar. Sua nova prisão.

"… No meio da opulência e da frieza daquela casa, encontrei um raio de sol inesperado. No jardim secreto, sob a sombra dos bambus, nossos olhares se cruzaram pela primeira vez…"

A propriedade dos Park era um mundo à parte, um contraste gritante com a brutalidade do navio negreiro e a impessoalidade do mercado. Jardins exuberantes se estendiam por todos os lados, fontes murmurantes refrescavam o ar, e a arquitetura elegante da casa principal transmitia uma sensação de poder e tradição.

Abena foi designada para trabalhar nos jardins, um alívio físico após o confinamento do navio, mas ainda uma forma de servidão. Enquanto cuidava das flores e plantas exóticas, sentia-se observada. Um olhar discreto, curioso, pairava sobre ela, vindo de um canto do jardim.

Lee Jun-ho. O filho mais novo de Lord Park. Um jovem de beleza melancólica, com traços delicados e um ar pensativo. Ele a observava de longe, escondido entre as árvores de bambu, seus olhos escuros fixos em Abena com uma intensidade silenciosa.

Seus olhares se cruzaram. Um instante fugaz, mas carregado de eletricidade. Abena sentiu um choque percorrer seu corpo, uma faísca de algo desconhecido acendendo em meio à sua resignação. Havia curiosidade, talvez até mesmo simpatia, nos olhos do jovem nobre. Era diferente do desprezo frio dos outros membros da família.

Aquele foi o primeiro encontro. Um momento silencioso, mas significativo. Um prenúncio de algo que estava por vir.

"… Ele me olha, não como uma escrava, mas como… uma pessoa? É estranho, este sentimento. Em seus olhos não vejo desprezo, apenas uma curiosidade silenciosa. Seu nome é Lee Jun-ho. Ele é diferente de todos os outros nesta casa. A Coreia… mesmo em minha condição, não posso negar sua beleza. As montanhas verdejantes que abraçam a casa, as flores vibrantes que desabrocham nos jardins, e o céu… ah, o céu coreano, tão vasto e azul. Às vezes, esqueço por um instante a minha dor, absorvida pela beleza que me cerca. Mas a lembrança da minha liberdade perdida logo retorna, como uma sombra escura…"

As páginas do diário revelavam os pensamentos e sentimentos de Abena. Sua voz era poética e introspectiva, mesmo em meio ao sofrimento. Ela descrevia a beleza da Coreia com detalhes vívidos, como se encontrasse consolo e força na natureza que a cercava. As montanhas, os jardins, o céu… eram testemunhas silenciosas de sua dor e esperança.

E então, havia Jun-ho. Sua presença era um raio de luz em sua escuridão. A curiosidade em seus olhos, a forma como ele a observava, plantaram uma semente de esperança em seu coração. Um sentimento novo, confuso e proibido começava a germinar.

Os dias se transformaram em semanas. Abena seguia sua rotina de trabalho na casa e nos jardins, tentando se adaptar à sua nova realidade. Ela aprendia lentamente algumas palavras em coreano com os outros servos, esforçando-se para entender as ordens e navegar pelas complexidades da vida na casa nobre.

Enquanto trabalhava, Abena frequentemente sentia aquele olhar sobre si. Jun-ho a observava secretamente, de janelas entreabertas, de cantos dos jardins, sempre mantendo uma distância respeitosa, quase tímida. Seus olhares se cruzavam por breves instantes, trocando mensagens silenciosas que apenas eles pareciam entender.

Jun-ho não se aproximava, não falava com ela abertamente. Apenas observava. Mas em seu olhar, Abena sentia algo mais do que mera curiosidade. Havia uma melancolia compartilhada, uma compreensão silenciosa que começava a criar um laço invisível entre eles. Um eco do passado ressoava em seus corações, o prelúdio de uma história de amor que desafiaria todas as barreiras.

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