Estávamos todos sentados no pátio da faculdade, conversando como de costume, mas minha mente estava distante. Eu escolhia as palavras certas para contar aos meus amigos que tinha conseguido o estágio. Não queria parecer convencida, mas, ao mesmo tempo, sabia que era algo grande demais para ser ignorado.
Júlia falava sobre seu estágio, animada, descrevendo cada detalhe. Ema, sempre desinteressada nesses assuntos, revirou os olhos e perguntou por Kelly, que chegou naquele momento com uma expressão nada animadora.
— Gente, fui horrível na prova! — ela desabafou, jogando a mochila sobre a mesa.
Aproveitei o silêncio momentâneo para me pronunciar.
— Gente… — chamei, tentando reunir coragem. Todos me olharam, esperando.
Kelly me encarou, preocupada.
— O que foi, Laura? Você tá com uma cara estranha…
Respirei fundo.
— Vocês lembram que fui ao evento sábado com a Júlia, né?
Eles assentiram, atentos.
— Então… enquanto a Júlia trabalhava, eu resolvi conversar com algumas pessoas. Acabei conhecendo um cara, o Carlos. Ele não era o mais bonito, mas foi legal conversar com ele. Não sei dizer se ele estava flertando comigo ou só sendo simpático, mas me ouviu quando falei da minha situação. Eu contei que estava tentando um estágio, e ele me disse para não me preocupar, que era só enviar o currículo, porque ele falaria com alguns contatos.
Júlia estreitou os olhos, desconfiada.
— Carlos? Quem é esse, Laura?
— Eu não sei. Você sabe que não entendo nada disso… Ele foi meio evasivo, mas foi legal.
— Que bom, amiga! Vamos trabalhar juntas! — Júlia comemorou.
Dei um pequeno sorriso, hesitante.
— Mais ou menos… Ele me colocou na equipe principal do governador.
O silêncio se instalou no grupo.
Todos me olharam de forma estranha, mas foi Júlia quem demonstrou mais incredulidade. Ela me conhecia bem o suficiente para saber que eu não conseguiria um estágio assim de forma tradicional. Não sem experiência, não sem um sobrenome influente.
— Como você conseguiu isso, Laura? — ela me enfrentou, cruzando os braços.
— Eu acabei de contar — respondi, já sentindo o peso da desconfiança em sua voz.
— Não, você não contou. Essa equipe só aceita gente com muita experiência. Eu não acredito nessa história.
Fiquei indignada.
— Júlia, qual o seu problema? Eu entrei, tá bom?
Foi então que Megan, sempre desbocada, soltou:
— Laura… você tá dando pra alguém?
Engasguei com a própria saliva.
— O quê?! Claro que não!
Ela deu de ombros.
— Pois vai ter que dar. Um emprego assim não cai do céu.
Senti meu rosto esquentar de raiva.
— Se for assim, eu saio!
Júlia ainda me olhava como se esperasse que eu admitisse algo.
— Eu não acredito em uma só palavra sua — insistiu.
Minha paciência estava por um fio.
— O que você quer que eu diga? Que fiz alguma coisa errada? Pois eu não fiz! Consegui essa vaga de forma limpa.
— Laura, você nunca nem trabalhou com algo remunerado antes. Como foi parar lá?
O tom dela doía mais do que as palavras. Eu esperava apoio, mas tudo o que recebi foi julgamento.
Suspirei, sentindo meus olhos arderem.
— Que belos amigos eu tenho… Sinceramente, não vou perder meu tempo tentando explicar. Júlia, quando você conseguiu seu estágio, eu fiquei feliz por você. Achei que sentiria o mesmo por mim. Mas acho que sou só a menina sem experiência, que não fala de política o tempo todo e que nunca teria uma oportunidade dessas, né?
Peguei minhas coisas e saí, sem olhar para trás.
A aula já não fazia sentido. Voltei para casa, ainda sentindo o peso das acusações. Na cabeça deles, eu tinha me vendido por uma vaga. Mas eu sabia que não era verdade.
E, sinceramente, eu tinha que me preocupar com isso?
O estágio era dos sonhos, e eu havia conseguido com minha própria personalidade. Miguel Vasconcelos podia ter simpatizado comigo, mas se ele esperava algo além disso, teria que esquecer. Eu não era esse tipo de pessoa.
Júlia tinha razão sobre uma coisa: ele não arriscaria tudo por um caso.
Adormeci com a mente cheia de pensamentos.
Fui despertada com o barulho da porta do quarto se abrindo.
— Querida, você está bem? Estava dormindo tão pesado…
Era minha mãe.
Esfreguei os olhos e me sentei.
— Estou bem, mãe. Só cansada.
Ela sorriu, acariciando meus cabelos.
— Você tem algo para me contar?
Levantei e a acompanhei até a cozinha, onde ela preparava o jantar.
Contei tudo, do mesmo jeito que havia contado aos meus amigos, esperando alguma reação negativa. Mas ela apenas sorriu, segurando minha mão.
— Parabéns, minha filha. Você merece isso.
Meu peito se aqueceu.
— Você não acha estranho?
Ela deu de ombros.
— Talvez o homem tenha se interessado em você. Mas me prometa uma coisa… — Ela apertou minha mão. — Não se sinta na obrigação de dar nada em troca.
Assenti, firme.
— Pode deixar, mãe. Se ele tentar algo, eu caio fora.
Ela suspirou, aliviada.
— E pra ser sincera, acho que nem trabalharei diretamente com ele.
— Mesmo assim, me conte qualquer coisa.
— Pode deixar. Mas é só um estágio de alguns meses, mãe. É pela experiência.
Ela me olhou com orgulho.
— Então aproveite e faça o seu melhor. Eu falo com seu irmão.
— Quando você começa?
— Segunda-feira.
— Nervosa?
Assenti.
— Bastante.
Ela riu.
— Relaxa. Vai dar tudo certo.
Abracei minha mãe, sentindo um alívio.
Se meus amigos não podiam confiar em mim, pelo menos minha mãe podia.
E, naquele momento, isso era tudo o que eu precisava.
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Atualizado até capítulo 92
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