Estávamos sentados sob a sombra de uma árvore. Eu preenchia um formulário que a professora havia enviado, enquanto André estava ao meu lado, Kelly mexia no celular e Megan dedilhava seu violão. Ema, por sua vez, se maquiava tranquilamente. Tudo corria normalmente até que Júlia chegou esbaforida, praticamente gritando:
— Amigos, preciso da ajuda de vocês!
Todos pararam o que estavam fazendo para olhar para ela.
— No sábado vai ter um evento de abertura das campanhas eleitorais. Vai ter cerveja e comida barata, e de quebra os políticos estarão lá falando um pouco sobre suas propostas.
— E por que eu iria? — questionou Megan, sem se dar ao trabalho de levantar os olhos do violão.
— Porque meu chefe quer que levemos mais pessoas. Se eu chegar com alguém, ganho alguns pontos com ele. Por favor!
— Júlia, não dá — Andrehfoi o primeiro a se manifestar. — Eu trabalho para o partido opositor. Nem posso aparecer em eventos que não sejam do meu candidato.
— Justo — ela assentiu, compreendendo a situação.
— Ema, você também, né? — André completou.
— É, o nosso partido não ia gostar nem um pouco.
— Megan?
— Já tinha te avisado que vou viajar.
— Kelly?
— Preciso ajudar minha mãe com a mudança.
Júlia bufou e cruzou os braços.
— Sendo assim, sobrou você, Laura.
Ela realmente queria que alguém fosse com ela.
Suspirei.
— Tá bom… mas você vai pagar minha cerveja.
Júlia gargalhou, deu pulinhos e me abraçou.
— Ai, amiga, você é incrível! Meu colega de trabalho vai passar na minha casa e depois a gente passa para te pegar.
— Fechado.
Ela saiu radiante, dizendo que ainda ia tentar convencer mais pessoas.
No sábado, tanto Júlia quanto seu chefe estavam vestidos de jeans e camisa azul com branco. Tinham anéis, bottons, pulseiras, tudo com as cores do partido. Pareciam prontos para um desfile.
Eu, por outro lado, coloquei um vestido florido. Deixei claro desde o início que não usaria roupa de campanha, e Júlia concordou.
No momento em que chegamos ao local, me arrependi. Eu parecia um peixe fora d’água. Todas as pessoas estavam vestidas com as cores do partido, e eu destoava completamente no meio daquela multidão.
Fiquei próxima de Júlia e seus colegas, que ela fez questão de me apresentar. Eles passaram o tempo inteiro falando sobre política. Meu Deus, como eles amavam aquilo. Tudo era tão clichê.
O evento contava com brinquedos para as crianças, música e comida. Entreguei alguns panfletos para ajudar, mas sem grande entusiasmo.
Bebi pouco e comi nada. A comida parecia duvidosa, mas as pessoas pareciam gostar.
As horas se arrastaram, e metade dos presentes já havia ido embora. Júlia disse que ficaríamos mais uma horinha e então poderíamos ir.
— Fica tranquila — respondi. — Qualquer coisa, pego um Uber.
Ela assentiu e voltou para sua conversa animada com os militantes apaixonados pelo evento. Eu já não entendia mais nada.
Para me afastar um pouco, disse que precisava ir ao banheiro. Um amigo de Júlia me alertou:
— Não vai no do público, tá caótico. Vem aqui, tem um dentro do comitê.
O comitê era uma casa enorme, com algumas áreas isoladas, deixando um espaço específico para o público.
Passei por uma sala onde alguns homens conversavam e subi as escadas, que estavam repletas de panfletos e papéis espalhados.
Fiz minhas necessidades e, ao sair, me deparei com um pôster dele.
Seu olhar imponente, as promessas de campanha… Parei para ler.
Fiquei refletindo sobre algumas propostas. Como ele conseguiria cumprir aquilo? Eram ideias impossíveis, vazias.
— Você foi a única que parou para ler isso aqui.
A voz me pegou de surpresa. Meu coração disparou e me virei rapidamente.
Lá estava ele.
Miguel.
Não em adesivos ou cartazes, mas em carne e osso.
— Desculpa por te assustar — ele disse.
Estava sentado na escada que levava ao terceiro andar, que se encontrava escuro. Parecia exausto. Tinha olheiras profundas e a camisa suada, o que fazia com que os adesivos de campanha se soltassem do tecido.
— Você realmente parou para ler minhas propostas?
Ele levou um copo de plástico à boca. O líquido tinha cor de refrigerante, mas pela careta que fez, certamente não era.
Ele percebeu meu olhar curioso e respondeu:
— Whisky. Dia cansativo.
— Imagino — respondi. — Se pra mim já está assim, imagino pra você.
Olhei de volta para o pôster e continuei:
— Sim, estava lendo as propostas. Não assisto muita TV e só vejo aqueles jingles ridículos.
Ele gargalhou.
— Você parece ser uma eleitora consciente. Espero que eu seja sua escolha.
Ele limpou o suor da testa com as mãos, sem muita preocupação com a própria aparência.
Eu já o tinha visto mil vezes na TV, inclusive hoje, no evento. Mas ali, diante de mim, parecia uma pessoa completamente diferente.
Era bonito, mas não daquele jeito óbvio. Seu charme chegava primeiro. Tinha um equilíbrio estranho entre prepotência e humildade.
Os cabelos castanhos estavam bagunçados e agora molhados pelo suor. Os olhos castanhos eram marcantes.
— Ainda estou estudando — falei, tentando quebrar o silêncio.
— Não acredita em voto consciente?
— Que vença quem tem mais dinheiro.
Ele arqueou a sobrancelha.
— Vejo que não é adepta à política. Não está com as cores da campanha. Talvez seja da oposição? — apontou para meu vestido.
— Não. Minha amiga trabalha na sua campanha e me obrigou a vir. Não comprei sua causa, candidato.
Ele sorriu de lado.
— Então gosta de ser do contra?
— Ainda estou avaliando.
Ele me analisou por um instante.
— Sua amiga é estagiária na minha campanha?
— Sim. Somos da mesma faculdade de jornalismo.
— Jornalismo? Está gravando nossa conversa para postar em algum lugar?
— Pode ficar tranquilo. Se eu postar algo, será apenas para reclamar do tédio que estou sentindo aqui.
— Touché — ele riu. — Qual período?
— Quarto.
— Sua idade?
— Vinte e dois.
— Tentou o estágio aqui?
— Tentei, mas não fui qualificada.
— Por quê?
— Não tenho experiência suficiente.
Ele riu.
— Engraçado. Eu nunca tive cargo na política e estou sete pontos à frente nas pesquisas. Acho que deveria votar em mim, dar uma chance para quem está começando.
— Você é irônico assim no palco também?
— Aquilo é só uma parte de mim. Não posso me mostrar por inteiro.
— Imagino o que faz quando ninguém está assistindo.
Ele sorriu, malicioso.
— Você não pode nem imaginar.
Se levantou.
— Quem fez sua entrevista?
— Não lembro o nome. Uma loira bem arrumada.
— Também não sei quem foi.
Ele parecia bonito, mas exausto.
— Vai ao evento de sábado?
— Provavelmente não.
— Deveria ir.
Ao longe, alguém gritou:
— Miguel, onde você está?
Um homem chegou, visivelmente cansado.
— Estão todos te procurando.
— Calma, Francisco, estou apenas tirando dúvidas de uma eleitora.
O tal Francisco saiu, e Miguel voltou-se para mim.
— Traga seu currículo.
— Obrigada. Vou pensar no caso.
Ele sorriu.
— Te vejo sábado, Laura.
Eu ainda não conseguia acreditar. Tinha acabado de conversar com a galinha dos ovos de ouro. Ele era realmente duas pessoas: um candidato público e um homem que bebe whisky na escada.
E pela forma que ele me olhava, eu sabia que ele queria me tornar um de seus segrdedos. Mas se dependesse de mim ele esperaria sentado naquela escada.
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Atualizado até capítulo 92
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