Passei a semana inteira pensando na oferta do candidato a governador. A lembrança daquela conversa inesperada não saía da minha cabeça. Ele tinha sido gentil, espontâneo, real. Nada daquilo parecia ensaiado, como os discursos que eu via na TV. Por que ele tinha sido tão sincero comigo? Por que não se importou em demonstrar cansaço, em beber uísque na minha frente, sentado despretensiosamente numa escada suja, como se não fosse um dos nomes mais importantes daquela campanha?
Não sabia o que ele queria comigo, mas, se fosse o que eu pensava, ele não teria.
Mesmo assim, me vi assistindo à sua campanha na TV todas as noites enquanto jantava com minha mãe e meu irmão. Não era como se eu estivesse interessada nele ou em sua política, mas algo em sua presença me fazia querer observá-lo.
— Esse cara é uma piada — Daniel resmungou, com o garfo ainda na boca. — Ele não tem experiência nenhuma.
— Todos merecem uma chance, mesmo os que estão começando — retruquei, quase sem perceber que estava o defendendo.
Meu irmão bufou e lançou um olhar cúmplice para minha mãe.
— Pelo visto, Laura vai votar no babaca do Miguel.
Revirei os olhos, irritada.
— O que mais existe na política são pessoas "experientes", e olha onde estamos. Nunca vi mudança alguma. E outra, na maioria das vezes, o que pesa mais é o partido, não o candidato.
Daniel arqueou as sobrancelhas, sarcástico.
— Se você diz...
Seu tom era de puro desdém, mas ele não insistiu no assunto.
Voltei minha atenção para a TV. Miguel falava com firmeza, com segurança. Eu já sabia de cor aquelas propostas — eram as mesmas do pôster que eu li naquele dia —, mas, ainda assim, eu gostava de ouvi-lo. Ele falava de um jeito que prendia minha atenção, como se, de alguma forma, suas palavras fizessem sentido mesmo que eu discordasse de algumas delas.
Diferente dos outros políticos, ele não gesticulava tanto, não parecia desesperado para convencer ninguém. Ele era calmo, quase enigmático. Tinha um jeito de olhar diretamente para a câmera como se estivesse encarando cada pessoa individualmente, como se fosse capaz de enxergar além das telas.
Era novo, devia ter no máximo 40 anos. Sempre aparecia vestido de azul, branco ou preto, como se essas cores fizessem parte de sua identidade. E, de certa forma, faziam. Ele era a imagem da seriedade, da sobriedade, do equilíbrio perfeito entre charme e confiança.
A política estava infestada de homens velhos e ultrapassados, homens que sorriam falsamente e faziam promessas vazias enquanto escondiam suas sujeiras. Mas Miguel... ele não parecia ser como eles.
Talvez fosse esse o motivo pelo qual eu estivesse interessada. Não no candidato. Mas no homem.
Ele tinha tudo o que um político de sucesso precisava: carisma, influência, aliados poderosos. E uma vida impecável. Uma esposa, dois filhos. A família perfeita para posar para as câmeras e reforçar sua imagem de homem íntegro.
Perfeito demais.
Perfeito até demais.
Para mim, ele parecia um fantoche meticulosamente moldado para se encaixar na política.
Mas, mesmo sabendo disso, não conseguia ignorar a forma como seu olhar ainda me assombrava. Como se, naquela escada, entre panfletos jogados no chão e adesivos descolando de sua camisa, ele tivesse me mostrado uma versão dele que ninguém mais conhecia.
E foi assim que minha galinha dos ovos de ouro começou a perder o brilho. Ou talvez estivesse brilhando de um jeito diferente.
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Atualizado até capítulo 92
Comments
Vanilda Costa
Estou adorando Autora.👏👏👏👏
2025-02-24
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