Cheguei em casa com a cabeça cheia, as palavras de Andréh ainda ecoando em minha mente. O dia parecia interminável, e tudo que eu queria era descansar. Joguei minha bolsa em cima da cadeira e me esparramei no sofá. A luz suave da tarde entrava pela janela, mas minha mente estava um turbilhão. Peguei o notebook e coloquei no colo, aproveitando que estava sozinha para finalizar um trabalho que já estava atrasado. A verdade é que a faculdade me cobrava mais do que eu podia entregar, mas eu precisava seguir em frente.
Logo, minha mãe chegou em casa, suas botas ecoando no corredor. Ela entrou na sala e me olhou, como sempre fazia, com aquele olhar atento e cheio de compreensão.
— Como você está, filha? — perguntou, tirando o casaco e se sentando ao meu lado no sofá.
— Bem... a faculdade... o de sempre. Filosofia vazia, debates sem sentido, — respondi, com um sorriso cansado. Não tinha muito mais o que dizer. Já sabia o que minha mãe pensaria. Para ela, eu sempre tinha uma percepção aguda sobre as coisas.
— Você é incrível por perceber isso, filha. Eu sempre fico impressionada com a sua capacidade de ver além, — ela disse com um olhar carinhoso. Isso sempre me confortava, mesmo quando tudo ao meu redor parecia confuso.
Eu dei de ombros, não achando que tinha feito mais do que o necessário. Minha mente estava focada em outras coisas, como o que aconteceu na faculdade, o que Andréh havia dito e as conversas com os meus amigos. Eles estavam todos tão distantes do que eu sentia.
Minha mãe então levantou o olhar, como se ainda estivesse pensando sobre algo que não tinha sido dito.
— E você, mãe, como foi na delegacia? — perguntei, tentando mudar de assunto, mas ao mesmo tempo interessada.
Ela suspirou, tirando os sapatos e jogando-os ao lado da cadeira. Era um gesto simples, mas que carregava o peso de anos de serviço.
— O de sempre... Muitos óbitos, despachos a serem feitos... — respondeu com um tom cansado, mas sem se queixar. A aposentadoria ainda estava longe, e enquanto isso, ela se ocupava com a parte burocrática da delegacia. Já não era mais a mesma policial ativa de antes, mas ainda assim, era um trabalho pesado.
Eu sabia que ela nunca falava muito sobre os casos. O trabalho de policial era algo que se fechava com o tempo, e minha mãe sempre preferiu manter os detalhes distantes de nós.
— E cadê seu irmão? Trouxe nosso jantar? — perguntei, tentando mudar a conversa mais uma vez.
— Está no escritório, — ela respondeu com uma leve frustração na voz. — Aquele lugar suga até a alma dele.
Daniel, meu irmão mais velho, estava sempre atolado no trabalho. Ele estava finalizando a faculdade de direito e já trabalhava em um escritório que só pegava casos de pessoas poderosas. Por isso, raramente conseguíamos vê-lo à noite, apenas pela manhã, quando ele parecia ainda mais distante, como se o trabalho o tivesse absorvido por completo.
— Ele já vai aparecer, — minha mãe completou, sem muita convicção. Sabíamos que, mesmo quando ele aparecesse, teria a cabeça em outro lugar.
O silêncio tomou conta da sala por alguns minutos. Minha mãe olhava para a parede, como se estivesse longe, refletindo sobre algo. Eu então me peguei pensando no meu pai. Fazia cinco anos que ele falecera, mas ainda parecia tão presente em nossas vidas, mesmo sem estar mais aqui. O câncer levou-o rapidamente, mas o vazio deixado foi algo que nunca conseguimos preencher.
Eu não falava muito sobre ele. Não falávamos. Era estranho, mas de algum modo, falar dele era como mexer em uma ferida que nunca cicatrizava.
— E meu pai... ele faleceu há cinco anos, — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. — Não conversamos muito sobre isso... ele era nosso porto seguro, mãe.
Ela me olhou, e pude ver a dor no fundo de seus olhos, mesmo que tentasse esconder.
— Eu sei, filha... Ele ainda é, — ela respondeu com suavidade. — Ele sempre vai ser.
Ficamos em silêncio por mais alguns segundos, como se as palavras tivessem um peso demais para serem ditas. Então, minha mãe se levantou, deu-me um beijo na testa e foi até a cozinha preparar algo para nós. Eu a observava sair, sentindo uma mistura de saudade e uma gratidão silenciosa. Ela estava tentando manter tudo junto, como sempre, mesmo quando a vida parecia mais difícil do que deveria ser.
Eu respirei fundo, sentindo o peso do dia e das conversas. Minha mente estava dispersa, mas algo me dizia que aquele momento, entre minha mãe e eu, era mais do que apenas uma troca de palavras. Era a maneira dela de me dizer que, não importa o que acontecesse lá fora, nós sempre teríamos um ao outro.
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Atualizado até capítulo 92
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