Passei a semana atolada em trabalhos, mas entre uma folga e outra, minha mente voltava ao candidato que tinha sido surpreendentemente gentil comigo. Será que eu estava sendo ingênua ao pensar nele? Talvez fosse apenas um político carismático, como tantos outros. Mas havia algo nele que me fazia querer conhecê-lo melhor, entender suas motivações.
Ele parecia um bom candidato. Além da vantagem nas pesquisas, transmitia um ar de renovação. Propostas inovadoras, um discurso sólido e uma postura firme, mas sem exageros. Inspirava confiança.
— Qual a resposta do segundo quesito? — Kelly perguntou.
Pisquei algumas vezes, voltando à realidade.
— Letra B — respondi distraída.
Ela me olhou de lado.
— Amiga, tá tudo bem? Você anda tão pensativa ultimamente.
— Nada demais. Só estou preocupada em conseguir um estágio.
— Mas as vagas já acabaram…
— Ainda não desisti — respondi, forçando um sorriso. — Talvez eu consiga algo.
— Você e suas cartas na manga…
Júlia chegou animada, interrompendo a conversa.
— Oi, gente! Tudo certo para amanhã, Laura?
Kelly franziu o cenho, curiosa.
— Amanhã? O que vocês vão fazer?
— Vamos em outro evento do candidato — respondeu Júlia, animada.
— Espera aí… — Kelly cruzou os braços, desconfiada. — Você convenceu a Laura a ir de novo?
— Ei, calma lá! — protestei. — Dessa vez foi por vontade própria. O evento é mais restrito…
— E por que você tá tão interessada?
— Porque me interessei. Vai ser bom pra mim. Pessoas novas, um jantar, gravações, novas propostas…
— Quem diria! — Kelly riu. — Cuidado para não se tornar uma nova Júlia.
— Torço por isso! — Júlia sorriu.
Fiquei tensa. Não tinha contado para Júlia sobre minha conversa com Miguel, muito menos sobre a oferta de estágio. E Kelly me conhecia bem demais. Era questão de tempo até ela me confrontar.
Na sexta à noite, contei à minha mãe sobre o evento. Ela não gostava da ideia de eu me envolver com política, tinha medo de que eu virasse uma militante cega. Mas não era isso. Tentei tranquilizá-la. Meu irmão, por outro lado, ficou furioso ao saber que eu apoiava a oposição.
No sábado, Júlia me busaria no fim da tarde. Tomei um banho demorado, fiz esfoliação, hidratei os cabelos e os sequei, deixando-os mais lisos que o normal. Meu corte novo dava um ar de ousadia que eu nem sempre exibia. Escolhi uma calça jeans e uma blusa social branca. Dessa vez, estava usando uma das cores da campanha. Não a principal, mas já era alguma coisa.
Quando vi Júlia, percebi que não estava nem arrumada demais, nem simples demais. Ela vestia a blusa da campanha, um boné e acessórios chamativos.
Chegamos rápido ao evento. O estacionamento estava lotado de carros caros. Candidatos acompanhados de suas esposas impecavelmente vestidas, investidores, pessoas da equipe. Era um evento realmente exclusivo, com cerca de duzentas pessoas.
— Vamos socializar! — Júlia me puxou para um grupo de conhecidos.
— Bom saber que você está tomando gosto pela política, Laura — um deles comentou.
— Na verdade, só quero entender melhor como tudo funciona — respondi.
— Vai gostar. Eles vão falar um pouco, gravar discursos e depois tem um jantar e alguns anúncios.
Todos tomaram seus postos e me deixaram ali, procurando um lugar para sentar. No palco, os candidatos se revezavam nos discursos. Miguel se destacava. Ele não gesticulava tanto quanto os outros, era mais contido, direto.
— Está gostando? — Júlia me perguntou, trazendo um copo de cerveja.
— Estou entediada.
— Está acabando. Só mais um pouco.
Ela pegou um adesivo da campanha e colou na minha blusa.
— Assim está melhor!
Então, apontou discretamente para uma mulher sentada em uma das mesas.
— Ali está a futura primeira-dama.
Baixinha, loira, aparentando quase quarenta anos. Tinha um menino de uns seis anos dormindo no colo e uma menina mais velha, entretida no celular.
— Ela é médica e diretora de hospital. Eles se conheceram na faculdade.
— Miguel é bonito demais para ela — alguém comentou.
— Talvez ela seja inteligente — argumentei.
— Dizem que ela não apoia a candidatura dele e que ele anda ausente de casa.
— O que ela esperava? — dei de ombros.
— Ela vem de família rica, trata todos com frieza. Eles brigam o tempo todo, mas ela nunca tira a aliança.
— Ele trai ela?
— Você sabe como políticos são tem seus momentos de luxúria com acompanhantes… Mas, até onde sei, Miguel é certinho. Pelo menos, por enquanto.
Observei Miguel de canto de olho. Era difícil acreditar que alguém como ele jogaria tudo para o alto por um caso extraconjugal. A campanha tinha investimentos milionários e ele carregava muitos acordos nas costas.
Os discursos terminaram e os convidados começaram a se espalhar pelo salão. Notei que a esposa dele sumira, deixando-o sozinho com outro candidato. Ele parecia preocupado.
Levantei e me aproximei do bar, onde ele conversava. Miguel percebeu minha presença, sorriu e rapidamente se despediu do homem, caminhando até mim.
— Eu sabia que você viria — disse, estendendo a mão.
Apertei sua mão, sentindo o calor do seu toque.
— Eu vim.
Ele olhou para minha roupa e brincou:
— A cor está quase lá.
Ri, olhando minha blusa branca.
— Como você está?
— Vou bem, senhor.
— Nada de “senhor”. Apenas Miguel. Não me faça parecer um velho.
— Ok, Miguel.
— Nunca gostei tanto de ouvir alguém falar meu nome.
Senti minhas bochechas corarem.
— Você não é velho.
— Obrigado, Laura. Está gostando do evento?
— Entediante na maior parte do tempo. Mas gosto quando você fala.
Ele sorriu, satisfeito.
— Está convencida de que sou sua melhor escolha?
— Ainda não estou convencida.
Ele se aproximou um pouco mais.
— Eu vou convencer você. Pode deixar.
Engoli em seco, sentindo a tensão no ar. Ele olhou em volta, então disse baixinho:
— Laura, vem comigo.
O segui por um corredor estreito, por onde garçons passavam. Ele me fez esperar ali e entrou em uma sala. Vi-o gesticular intensamente enquanto conversava com outro homem.
O governador passou por mim, sorriu com um ar vitorioso e seguiu seu caminho.
Logo, o homem que conversava com Miguel saiu e me chamou.
— Vem comigo.
Enquanto andávamos, ele resmungou:
— Tenho tanta coisa para resolver, e agora tenho que encontrar alguém para refazer uma entrevista…
Ele me lançou um olhar julgador. Eu sabia quem tinha lhe dado esse trabalho.
Ao entrar na sala, outra mulher já me esperava.
— Rose, essa é Laura — disse o homem.
Ela me analisou com desdém.
— Eu fiz a entrevista dela.
— Pois bem, Rose. Quero que ela seja encaixada na equipe de agendamento e logística de Miguel.
Ela cruzou os braços.
— A seleção já acabou. Não há mais vagas.
— Foda-se. Miguel quer que ela seja colocada na equipe principal.
Ela suspirou, derrotada.
— Seja discreta, Laura. Isso que você conseguiu hoje não é para qualquer um. Espero que saiba o que está fazendo.
Eu sabia. E, no fundo, sentia que minha vida nunca mais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 92
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