O Porão

Nirai esperou, como quem espera o fim da chuva, observando a saída silenciosa de Satella. Quando ela enfim se foi, sentiu que o instante o chamava. Decidiu, com firmeza, poupar Kaela daquele segredo.

Diante da porta fechada, suas mãos tentaram outra vez, mas o obstáculo permaneceu. Ele ficou ali, no silêncio do corredor, preso em pensamentos que buscavam uma solução.

Foi então que seus olhos pousaram num quadro discreto na parede. Algo nele sussurrou uma possibilidade. Aproximou-se, movido por um pressentimento, e espiou atrás da moldura. Lá estava ela, uma chave oculta, aguardando ser encontrada.

Com um sorriso que misturava alívio e astúcia, Nirai a tomou em suas mãos e, com cuidado, girou-a na fechadura. O som da abertura era quase um sussurro, como se a porta também compreendesse o segredo.

A porta cedeu, rangendo como se guardasse um segredo há muito esquecido. Diante de Nirai, uma escada descia para um porão envolto em trevas sufocantes. Ele desceu, cada passo reverberando na quietude.

Ao tatear a parede na busca por luz, sentiu uma energia estranha que sugava sua mana. Mas então, o espaço começou a brilhar, banhado pela luz de um cristal suspenso acima. O brilho preenchia o ambiente, e por um momento, parecia algo extraordinário.

Mas seus olhos críticos logo desmentiram a ilusão. Era apenas um porão comum, sem nada que justificasse suas suspeitas. Nirai balançou a cabeça, resignado, e se virou para partir.

Foi nesse instante que o chão tremeu sob seus pés. A energia de sua presença parecia ter despertado algo adormecido. As paredes desmoronaram, o teto ruiu, e o porão se revelou uma miragem. A mágica se desfez como neblina ao vento.

E quando a verdade se revelou, Nirai tropeçou para trás, seu coração disparando ao encarar o cenário aterrador que surgia diante dele.

Diante de Nirai, o horror tomou forma. Corpos sem vida jaziam espalhados pelo chão, enquanto outros pendiam das paredes, como troféus macabros de um massacre. O ar era pesado, carregado de um cheiro pútrido que fazia seu estômago revirar.

Vísceras humanas cobriam o chão, misturando-se a pedaços de carne espalhados ao acaso, como se o lugar tivesse sido um palco de crueldade sem limites. A visão era tão repulsiva que o fez cambalear, o peso da cena pressionando sua mente e seus sentidos.

Por um momento, Nirai ficou imóvel, preso entre o desejo de fugir e a necessidade de entender o que havia acontecido ali.

– Você não deveria estar aqui – disse uma voz firme atrás dele.

O som gelou a espinha de Nirai, mas ele reconheceu de imediato aquele tom familiar. Antes que pudesse processar a situação, seu corpo reagiu instintivamente. Ele saltou para o lado no momento exato, desviando da lâmina que cortou o ar onde antes estava.

O ataque era rápido e preciso, feito para matar. Nirai girou sobre os calcanhares, encarando a figura que havia tentado surpreendê-lo, o coração disparado e os sentidos em alerta.

— Satella, você não havia saído? — perguntou Nirai, a voz carregada de surpresa e cautela.

Ele deu alguns passos para trás, mantendo uma distância segura, os olhos fixos nela. A desconfiança crescia em seu peito enquanto tentava entender o que estava acontecendo. O brilho da lâmina ainda reluzia em suas mãos, uma ameaça clara que o mantinha em alerta.

— Sim, eu saí, mas suas ações me fizeram desconfiar de você no meio do caminho, então decidi voltar — respondeu Satella, a voz firme, mas com um tom de curiosidade velada.

Seus olhos percorreram o porão ao redor, analisando a cena grotesca que agora estava exposta. — Não sei como você conseguiu desfazer a ilusão mágica; essa era a minha magia mais poderosa. —

Havia uma mistura de admiração e irritação em seu olhar, como se o feito de Nirai tivesse desafiado suas expectativas. A lâmina em sua mão permanecia firme, um lembrete de que ela ainda não o havia perdoado por invadir aquele lugar proibido.

Satella ergueu a mão, tentando conjurar sua magia contra Nirai, mas nada aconteceu. O vazio que sentiu ao invés do poder habitual a deixou perplexa. Olhando incrédula para sua mão, seus olhos se estreitaram, cheios de frustração e determinação.

Sem hesitar, decidiu ignorar a falha e avançou em direção a Nirai com rapidez. A lâmina de sua faca brilhou sob a luz do cristal, cortando o ar enquanto ela desferia um golpe direto, mirando o coração de Nirai. Ele mal teve tempo de reagir, seus reflexos testados ao limite.

Nirai recuou com agilidade, mas seu pé encontrou uma das tripas espalhadas pelo chão. O deslize foi repentino, fazendo-o perder o equilíbrio. Contudo, o movimento desajeitado acabou sendo sua salvação.

A lâmina de Satella passou a centímetros de seu corpo, cortando o vazio onde ele estivera um instante antes. O tropeço, embora involuntário, o havia colocado fora do alcance do golpe mortal. Nirai caiu ao chão.

Satella não hesitou ao ver Nirai no chão. Com precisão letal, avançou e desferiu um novo ataque, a lâmina cortando o ar na direção dele.

Mas Nirai, em um movimento rápido e instintivo, rolou pelo chão, sentindo o sangue e os restos ao seu redor grudarem em sua pele. A faca de Satella atingiu o solo com força, ecoando no espaço.

Aproveitando a abertura, Nirai se ergueu em um salto, o coração disparado e os músculos tensos. Sem perder tempo, ele correu em direção à escada, os pés escorregando levemente no chão ensanguentado enquanto lutava para escapar daquela armadilha mortal.

No instante em que Nirai alcançou a escada, Satella lançou sua faca com precisão mortal. A lâmina atravessou sua panturrilha, arrancando dele um grito de dor enquanto o impacto o fazia perder o equilíbrio. Ele caiu pelas escadas, aterrissando com um baque pesado no chão.

Satella não perdeu tempo. Em um movimento ágil, ela desceu e se posicionou sobre ele, usando seu peso para imobilizá-lo. Suas mãos buscaram a faca cravada na perna de Nirai, mas ele reagiu rapidamente, segurando seus pulsos com força.

Os dois ficaram travados em uma luta desesperada, ela tentando recuperar a arma e ele, lutando contra a dor, fazendo de tudo para detê-la. O sangue escorria de sua perna, misturando-se ao chão, enquanto ambos trocavam olhares intensos, cheios de determinação e fúria.

— Por que você está fazendo isso, Satella? — indagou Nirai, a dor pulsante em sua panturrilha forçando sua atenção sobre o ferimento. Cada movimento o tornava mais lento, mas ele se esforçava para impedir que ela se aproximasse da faca enterrada na carne.

Satella o encarou com olhos frios, sua expressão tensa. — E você ainda se atreve a perguntar? Você sabe exatamente o que fez. Viu o que não deveria, e isso me obrigou a agir rapidamente para acabar com você. — Ela tentava se desvencilhar das mãos de Nirai, seu corpo tenso em luta para se livrar do aperto dele.

Ela respirou fundo, antes de lançar as palavras com um tom ainda mais cruel. — E mais, quando eu te matar, Kaela não terá como lutar. Isso tornará meu trabalho muito mais fácil. —

As palavras de Satella foram como uma chama que incendiou a raiva de Nirai. Uma onda de fúria percorreu seu corpo, e, num impulso, ele começou a se balançar de um lado para o outro, suas forças renovadas pela adrenalina.

Satella, pressionada pela força inesperada, perdeu o equilíbrio. Foi a brecha que Nirai precisava. Com agilidade, ele a empurrou para o lado, a força de seu movimento jogando-a para longe dele.

O instante de vantagem foi tudo o que ele precisava para respirar fundo e recuperar a compostura. A dor em sua panturrilha ainda era aguda, mas sua determinação era mais forte.

Sem hesitar, Nirai arrancou a faca de sua panturrilha, ignorando a dor excruciante que irradiava pela perna. O sangue ainda escorria, mas sua mente estava focada apenas em escapar. Ele subiu as escadas rapidamente, cada passo um esforço contra a dor que tentava limitá-lo.

Satella estava logo atrás, seus passos pesados e rápidos, mas Nirai chegou ao topo antes dela. Com um movimento ágil, atravessou a entrada e fechou a porta, bloqueando o caminho dela.

Ouviu o som do corpo de Satella batendo contra a madeira, mas ele não hesitou. Com um único golpe, a faca que ainda segurava cortou a maçaneta da porta, fazendo-a se partir com um estalo seco. A sala atrás de Nirai se fechou, e ele se encostou contra a parede, ofegante, enquanto o som da perseguição de Satella ecoava do outro lado.

Os gritos furiosos de Satella ecoavam atrás da porta, mas Nirai não os ouviu. Sua mente estava fixa em um único objetivo: alcançar Kaela.

Com dificuldade, ele arrastava-se pelo corredor, seus passos lentos e pesados, a dor na perna tornando cada movimento uma batalha. O sangue ainda escorria de sua panturrilha, pingando no chão frio da noite, deixando um rastro visível de sua luta. Mas a dor, o cansaço e o medo não o deteriam. Ele precisava chegar ao quarto de Kaela.

A visão embaçada pela dor e o som distante dos gritos de Satella não eram nada comparados à urgência que sentia. Cada passo o aproximava mais do único lugar onde ele se sentia seguro, onde ela estava esperando.

— Kaela, estou chegando — murmurou ele, sua voz baixa e rouca, como uma promessa que só ele poderia ouvir.

Enquanto avançava na escuridão, seus olhos fixos no caminho à frente, cada passo era um esforço contra o peso da dor, mas a palavra que murmurou lhe dava forças. A sombra da noite o envolvia, mas nada parecia mais importante do que alcançá-la.

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