O vento soprava mais forte agora, cortante e implacável. As nuvens, antes dispersas e indiferentes, se agrupavam, formando um exército prestes a atacar. O ar ao meu redor estava carregado com uma eletricidade visceral, como a tensão que antecede um trovão. Cada respiração parecia mais difícil, como se o próprio ar estivesse saturado de algo que eu não conseguia entender completamente. A pressão nas minhas têmporas era insuportável, um zumbido constante reverberando no fundo da minha mente.
Eu ainda não sabia o que estávamos buscando ali, nem por que estávamos sendo atraídos até o centro da tempestade. Só sabia que a verdade que tanto procurávamos estava ali, à nossa frente, nas sombras daquilo que ainda não conseguimos ver. O Coração da Tempestade, como o mapa prometia, deveria estar em algum lugar no centro dessa fúria elementar. Mas... por quê? O que exatamente nos chamava para cá? Para onde a tempestade nos levaria?
Olhei para Lyria, que estava ao meu lado. Sua postura firme e decidida não vacilava, apesar de tudo. Seus olhos estavam fixos à frente, como se visse algo que eu não conseguia. Ela sentia a tempestade de uma maneira diferente, eu sabia. A fúria do vento e a energia em nossos corpos não eram a mesma coisa para todos nós. Para Lyria, havia algo ancestral, algo de seu sangue real que pulsava junto com os ventos. Eu podia ver isso em seu olhar, na maneira como ela parecia ser imune à tempestade, enquanto o resto de nós mal conseguia manter os pés no chão.
Ao meu lado, Karl estava mais quieto que nunca. Eu mal conseguia ver o contorno de sua figura, distorcida pelas cortinas de vento que nos envolviam. Ele parecia tão imerso em seus próprios pensamentos quanto eu. Era como se, de algum modo, já soubéssemos que o que quer que estivesse prestes a acontecer não dependia de lutar contra a tempestade, mas de aceitá-la. Ela não era nossa inimiga. Ela era nossa professora, nossa guia.
Eu senti um calor crescente dentro de mim, como se algo estivesse sendo lentamente desenterrado, revelado, vindo de dentro. Era como se eu estivesse me tornando uma extensão do que havia ao meu redor. De alguma maneira, tudo se encaixava. O mapa, a profecia, as correntes de ar que sempre observei e que agora começava a entender... tudo levava a esse momento. Este exato momento.
Foi então que olhei novamente para o centro da tempestade e tudo mudou. O brilho, que antes era uma luz difusa, quase opaca, agora pulsava com a força de um coração batendo, ritmado e forte. Eu sabia que a tempestade não estava mais apenas ao nosso redor. Ela estava dentro de nós. Eu podia sentir isso nas minhas veias, no jeito como meu corpo respondia à pressão do vento, aos estalos dos relâmpagos que iluminavam o céu. Tudo estava conectado. E tudo estava me chamando.
Lyria olhou para mim, com um semblante sério, os olhos carregados de preocupação. “Arlen, você está bem? O que está acontecendo com você?”
Eu queria dizer algo, mas as palavras não vinham. Era como se tudo o que eu sabia, tudo o que havia aprendido sobre esse poder, estivesse se dissolvendo no ar. O que quer que fosse, eu estava começando a entender.
“Eu... Eu sinto algo, Lyria,” minha voz soou estranha, distante, como se não fosse minha. “Estamos chegando perto. Mais perto do que imaginávamos.”
Ela não disse nada, mas sabia que ela sentia também. Sabia que ela compreendia, de algum modo, o que estava acontecendo. Ela era parte disso. Todos nós éramos.
O vento se intensificou, mais forte, mais feroz. As nuvens se abriram acima de nós, e o que antes parecia uma tempestade descontrolada agora se mostrava como uma gigantesca espiral. Um vórtice. E no centro desse vórtice, uma forma começou a se materializar, como se estivesse emergindo de algum lugar profundo, primordial. Não era de carne e osso, mas algo mais. Algo que eu mal conseguia descrever com palavras. Algo que transcende tudo o que eu sabia sobre o mundo e o que pensava que era possível.
Eu não conseguia olhar diretamente. O brilho era tão forte, tão intenso, que quase me cegava. Mas, de alguma forma, eu sabia. Eu sabia o que era. A tempestade não era apenas uma manifestação de poder. Ela era uma consciência. Uma força que transcendia o tempo, que habitava não apenas o ar e o vento, mas as próprias correntes da história. Era o Coração da Tempestade, a origem de tudo o que conhecíamos, a origem da própria força que alimentava os reinos.
“Arlen...” Karl disse, sua voz rouca e cheia de reverência. “O que é isso?”
Eu olhei para ele, e nossos olhares se encontraram. Era como se ele estivesse tão imerso quanto eu. Como se soubéssemos, agora, que não havia mais mistério. Estávamos diante da verdade que todo aquele caos havia nos levado a encontrar.
“A tempestade é mais do que apenas vento, Karl,” eu disse, minha voz agora firme, preenchida com uma compreensão profunda. “Ela é a força que conecta tudo. E eu sou parte disso.”
Vi os olhos de Karl se arregalarem com a revelação. Lyria, por sua vez, olhou para mim com uma mistura de confusão e compreensão em seu olhar. Ela sabia. Eu sabia que ela sabia. Todos nós éramos parte disso.
O centro da tempestade começou a se expandir, formando uma espécie de esfera de energia, imensa e poderosa. Eu podia sentir a energia vibrando ao meu redor, como se o próprio ar estivesse carregado de uma força que não podia ser contida. Não havia mais vento. Não havia mais som. Havia apenas uma pressão intensa, uma sensação de que o mundo inteiro estava se concentrando nesse único ponto.
“Isso é...” Lyria começou, mas sua voz se perdeu no vórtice, que agora parecia ter vida própria. Eu sabia o que estava acontecendo. Sabia o que tínhamos que fazer. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim sabia que não havia mais volta. Estávamos indo para algo muito maior do que nós mesmos.
O brilho à nossa frente era quase insuportável. Eu não conseguia mais distinguir a tempestade da terra, o céu do meu próprio corpo. Tudo estava se dissolvendo. Não havia mais separação. Eu estava dentro da tempestade. A tempestade estava dentro de mim.
De repente, uma onda de energia me atingiu. Não era uma onda física, mas algo mais, algo profundo. Era como se o próprio coração da tempestade estivesse batendo dentro de mim. Eu não conseguia respirar. Não conseguia pensar. Tudo o que eu podia fazer era sentir. Eu era o centro da tempestade. E, ao mesmo tempo, ela era eu.
O vórtice à minha frente se abriu, revelando uma paisagem distorcida, um mundo alternativo onde o tempo não fazia sentido. Vi imagens, vislumbres do que estava por vir, flashes de futuros que ainda não haviam acontecido e de passados que nunca haviam sido. Vi os reinos que conhecíamos, mas também algo mais profundo, algo antigo, algo que estava além de tudo o que podíamos compreender.
E, naquele momento, eu soube.
O Coração da Tempestade não era apenas o fim. Ele era o começo. O começo de tudo.
Olhei para Karl e Lyria, que estavam ao meu lado, seus rostos iluminados pela energia que nos envolvia. Eles estavam prontos. Todos nós estávamos.
O que quer que estivesse à nossa frente, nós iríamos enfrentá-lo juntos.
A tempestade, finalmente, nos acolheu.
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Atualizado até capítulo 35
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