Fiquei parado na varanda por mais alguns minutos, refletindo sobre as palavras de Mateus. Ele estava certo. Aurora era alguém que merecia clareza, não promessas vazias ou atitudes indecisas. Ela já tinha enfrentado o suficiente na vida, e o último lugar onde deveria encontrar incerteza era comigo.
Quando entrei na casa, a cena que me esperava era como um quadro de tranquilidade. Aurora estava ajudando Luca a lavar as mãos na pia, enquanto Mateus terminava de organizar a mesa com pratos coloridos e talheres infantis. Era um lar, algo que eu não sabia se algum dia tive ou se ao menos sabia como construir.
AURORA: (olhando por cima do ombro) Ramón, você vai ficar para o jantar?
Sua voz era casual, mas havia algo no jeito como ela me olhou que parecia um convite para mais do que apenas compartilhar uma refeição.
RAMÓN: (sorrindo) Se não for atrapalhar.
MATEUS: (brincando) Atrapalhar? Aqui nunca temos visitas bonitas assim.
Ele piscou para Aurora, que revirou os olhos, mas estava claramente se divertindo.
Enquanto o jantar prosseguia, percebi o quanto Mateus e Aurora tinham uma dinâmica leve, quase como velhos amigos que entendiam os gestos um do outro sem precisar de palavras. Luca também parecia adorar Mateus, mas sempre voltava para Aurora como seu ponto de segurança.
A cada sorriso dela, a cada gargalhada de Luca, sentia meu coração se apertar um pouco mais. Era isso que eu queria. Essa simplicidade, essa paz. Mas não sabia se merecia fazer parte desse quadro tão perfeito.
Quando o jantar terminou, ofereci ajuda para limpar, mas Aurora insistiu em me dispensar.
AURORA: (calma) Você já fez bastante hoje. Pode ir descansar.
Havia algo na maneira como ela falou que parecia encerrar a noite, mas eu não queria que acabasse. Mesmo assim, não insisti.
RAMÓN: (se aproximando) Obrigado por me deixar participar disso, Aurora.
Ela ficou um pouco surpresa, mas sorriu suavemente.
AURORA: Não precisa agradecer, Ramón. Você sempre será bem-vindo aqui.
Seus olhos encontraram os meus, e por um momento, o mundo pareceu desacelerar. Eu queria dizer algo, qualquer coisa, mas não consegui encontrar as palavras. Então apenas assenti, me despedindo com um último olhar antes de sair para enfrentar a noite e as dúvidas que me acompanhavam.
Enquanto dirigia de volta para minha casa, uma coisa ficou clara. Eu não podia continuar assim. Aurora merecia mais do que olhares e palavras não ditas. Se eu realmente a quisesse, precisaria mostrar isso — e logo.
Depois que Ramón saiu, fiquei parada na cozinha por alguns minutos, encarando a louça que havia insistido em lavar sozinha. Meus pensamentos estavam nele, como sempre ficavam depois de qualquer interação. Ele tinha uma presença tão forte que era impossível ignorar, mesmo depois de se despedir.
Mateus surgiu ao meu lado, apoiando-se na bancada com o ar descontraído de sempre.
MATEUS: Ele é apaixonado por você, sabia?
Olhei para ele, surpresa com a declaração direta.
AURORA: Não fala besteira, Mateus.
MATEUS: Não é besteira, Aurora. É só... óbvio.
Balancei a cabeça, tentando esconder o rubor que certamente estava subindo pelo meu rosto.
AURORA: Ele é só gentil. Além disso, ele tem a própria vida, problemas para resolver. Eu não quero me iludir.
Mateus ergueu as mãos como quem não queria discutir.
MATEUS: Certo, se você diz. Mas, honestamente, ele parecia desconfortável me vendo aqui. E isso diz muito.
Suspirei, tentando afastar a confusão que parecia crescer dentro de mim. Não queria pensar no que Ramón sentia, ou no que eu sentia por ele. Era complicado demais, e eu já tinha complicações suficientes na vida.
Depois que Mateus se despediu, sentei no sofá com Luca, que já estava quase dormindo. Passei os dedos pelo seu cabelo, ouvindo sua respiração desacelerar enquanto ele caía no sono. Minha mente, no entanto, estava longe de encontrar a mesma paz.
Por que Ramón tinha que ser tão presente mesmo quando estava ausente? Cada palavra, cada gesto dele parecia ecoar dentro de mim, como se tivesse deixado uma marca invisível, mas impossível de ignorar.
Levei Luca para a cama, cobri-o com cuidado e fiquei ao lado dele por um tempo, apenas observando-o dormir. Ele era tudo para mim, meu mundo inteiro. Mas Ramón... Ramón estava começando a ocupar um espaço que eu não sabia que tinha para oferecer.
Voltei para a sala, peguei meu celular e o encarei, pensando se deveria mandar uma mensagem. Queria saber se ele já tinha chegado em casa, se estava bem. Mas desisti. Ele provavelmente tinha coisas mais importantes para fazer do que ficar trocando mensagens comigo.
No fundo, porém, uma parte de mim queria mais. Queria que ele tivesse ficado, que tivesse dito algo mais antes de ir. Queria que ele lutasse para fazer parte da minha vida. Mas, ao mesmo tempo, tinha medo de abrir essa porta e descobrir que estava sozinha do outro lado.
Deitei-me no sofá, abraçando uma almofada como se ela pudesse preencher o vazio que Ramón parecia ter deixado. Fechei os olhos, tentando afastar os pensamentos. Mas naquela noite, assim como nas anteriores, ele não saiu da minha mente.
Os dias passaram lentamente depois que Ramón foi embora. Ele estava em todos os meus pensamentos, mesmo quando eu tentava ignorar. A cada momento de silêncio, sua imagem surgia: seu sorriso, o som de sua voz, a forma como ele olhava para Luca. Era irritante e reconfortante ao mesmo tempo.
Luca, por outro lado, parecia lidar melhor com a ausência de Ramón. Ele se distraía com seus brinquedos, as histórias que eu lia para ele à noite e as visitas ocasionais de Mateus, que agora era uma presença frequente na nossa vida. Eu gostava da leveza de Mateus, de como ele sabia me fazer rir quando as coisas pareciam pesadas demais. Mas não havia comparação. Ele era meu amigo, enquanto Ramón... Ramón era algo que eu ainda não sabia definir.
Uma tarde, enquanto Luca cochilava, decidi sair para a varanda. O sol estava se pondo, tingindo o céu de tons alaranjados e rosados. Era bonito, mas mesmo a paisagem parecia incompleta sem ele. Eu me sentei na cadeira de balanço, segurando uma xícara de chá nas mãos, e finalmente cedi ao impulso que vinha me consumindo nos últimos dias.
Peguei meu celular e abri a última mensagem que Ramón havia me enviado antes de viajar, algo simples e direto: "Se precisarem de algo, é só me avisar." Não tinha respondido na época, mas agora, enquanto olhava para as palavras na tela, me senti tentada a escrever algo de volta.
Depois de hesitar por longos minutos, digitei:
"Oi, Ramón. Só queria saber se está tudo bem por aí."
Parei antes de enviar, relendo a mensagem. Será que parecia casual o suficiente? Ou será que ele acharia que eu estava sendo intrometida?
Respirei fundo e apertei enviar. Não tinha mais volta.
Encostei-me na cadeira, tentando me convencer de que não estava esperando uma resposta imediata. Mas meu coração acelerou quando, poucos minutos depois, o celular vibrou.
RAMÓN: "Aurora. Está tudo bem, mas muito melhor agora que recebi sua mensagem. E vocês, como estão?"
Senti um calor estranho se espalhar pelo meu peito. Era incrível como ele conseguia, com tão poucas palavras, me fazer sorrir de verdade.
AURORA: "Estamos bem. Luca ainda fala de você todos os dias. Ele sente sua falta."
RAMÓN: E você? Também sente minha falta?
Prendi a respiração ao ler sua resposta. Ele não estava brincando, dava para perceber. Ramón não era do tipo que jogava palavras ao vento. E isso me deixava mais nervosa.
AURORA: Talvez...
Enviei antes que pudesse me convencer a apagar. Era a única coisa que consegui responder sem entregar demais.
Enquanto esperava pela próxima mensagem, uma coisa ficou clara para mim: fugir de Ramón não era uma opção. Ele já tinha se infiltrado no meu mundo, na minha vida, e na minha mente. O que restava agora era decidir o que eu estava disposta a fazer com isso.
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Atualizado até capítulo 60
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